Isolamento vertical: a saída fácil para um problema difícil

Muitos estão angustiados com a desaceleração da atividade econômica causada pelas medidas de contenção ao COVID-19. Eu me incluo entre estes. Realmente, é de cortar o coração a situação de muitos donos de pequenos comércios e de trabalhadores informais, que ficaram, do dia para a noite, sem o seu ganha-pão.

Esta angústia leva alguns a tentar “saídas fáceis” para o problema. Uma delas, que tenho ouvido recorrentemente, é a seguinte: como o vírus é muito mais letal para os idosos, poderíamos liberar a atividade econômica dos mais jovens, que assim sustentariam a economia, enquanto os mais velhos ficariam resguardados. Dentro de algum tempo, com todos os jovens já praticamente contaminados e imunes, a epidemia teria o seu fim, liberando os mais idosos para retomarem a sua atividade.

Como toda solução simples para um problema complexo, não funciona. Vamos tentar entender.

Em primeiro lugar e principal lugar, trata-se de um problema sistêmico. A sociedade é um sistema único. A “solução” supõe a divisão da sociedade em dois sistemas, não comunicáveis. Mas isso é simplesmente impossível. Imagine idosos sem nenhum contato com o “mundo exterior”. Como se alimentariam? E quando ficassem doentes, fariam o que? Todas essas coisas são providenciadas pelo “outro sistema”, o dos jovens. Mas esse outro sistema estará totalmente contaminado. Então, não seria possível fazer esse contato.

Claro, poderá se dizer que esta seria uma situação provisória. Uma vez a epidemia completando o seu ciclo, os sistemas voltariam a se unir. Neste meio tempo, o “sistema dos idosos” sobreviveria de estoques suficientes para as suas necessidades. E, quem ficasse doente nesse meio tempo e precisasse sair para o “mundo contaminado”, azar.

Ok, teoricamente poderia funcionar. Mas só teoricamente. Na prática, onde ficariam esses idosos? Em um lugar comum? Lembrem-se de que não podem ter contato nenhum com o outro sistema. Imagine isso em uma favela. Pois é.

Outro problema, menos importante mas que também deve ser considerado, é a “linha de corte” para a divisão dos sistemas. Sabemos que os idosos morrem mais do que os jovens dessa doença. Aliás, de qualquer doença, diga-se de passagem. Mas deveríamos fazer uma linha de corte quando essa probabilidade aumentasse muito.

Um relatório feito pelo ministério da saúde da China em fevereiro, com base em 72.314 casos confirmados, mediu a mortalidade por faixa de idade. O resultado foi o seguinte:

  • 80+ anos 14.8%
  • 70-79 anos 8.0%
  • 60-69 anos 3.6%
  • 50-59 anos 1.3%
  • 40-49 anos 0.4%
  • 30-39 anos 0.2%
  • 20-29 anos 0.2%
  • 10-19 anos 0.2%
  • 0-9 anos zero

Onde você faria o corte? Parece óbvio acima de 60 anos de idade, correto? Pois bem. 1,3% das pessoas entre 50-59 anos de idade (faixa em que me encontro, diga-se de passagem) morrem da tal doença quando a pegam. Parece pouco né? Imagine uma companhia aérea que fizesse a seguinte propaganda: “Voe conosco! Apenas um em cada 100 de nossos voos não chegam ao seu destino!” Não acho que tenha muito sucesso, não é mesmo? 1,3% no olho dos outros é refresco.

Enfim, essas soluções “milagrosas” só servem para esconder a escolha de Sofia que temos pela frente: evitar a morte física de algumas pessoas ou a morte econômica de muitas pessoas?

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