A verdadeira letalidade da Covid-19

Está causando grande furor o estudo do epidemiologista de Stanford, John Ioannidis. Segundo o pesquisador, a letalidade da COVID-19 seria de apenas 0,23%. E, para pessoas abaixo de 70 anos de idade, seria de irrisórios 0,05%.

Quatro observações a respeito.

Primeiro: esta letalidade é muito alta se comparada com a gripe comum ou mesmo com a H1N1, a última grande epidemia que enfrentamos. No caso da H1N1, estudos posteriores encontraram letalidade da ordem de 0,02%. A letalidade da COVID-19 seria, portanto, aproximadamente 10 vezes maior. Isso está em linha com a comparação que fiz alguns dias atrás entre a letalidade da SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) em 2009 – ano da H1N1 – e agora em 2020: 20 vezes mais óbitos para 1,5 vezes mais casos, o que dá uma letalidade aproximadamente 13 vezes maior.

Segundo: o número da letalidade parece em si baixo, mas é porque normalmente temos dificuldade em avaliar probabilidades muito pequenas. Mas 0,23% não é um número baixo. Entendo que este percentual se refira a todas as pessoas que morreram ao ficarem doentes. Como, em princípio, toda a população está suscetível de ficar doente (com sintomas ou não), 0,23% sobre 211 milhões de brasileiros resultaria em quase 500 mil óbitos. Já tivemos 150 mil. Se os 0,23% estiverem corretos, ainda teríamos mais 350 mil óbitos, se não houver uma vacina antes.

Uma outra forma de ver o tamanho dos 0,23% é fazer-se a seguinte pergunta: se alguém lhe dissesse que a cada 400 voos um vai cair, você entraria em uma avião? Antes da epidemia havia cerca de 200 mil voos ao redor do mundo. Imagine 500 aviões caindo por dia. Isso é 0,23%.

Terceiro: Se 0,23% parece baixo, o que dizer de 0,05%? Quase nada, não é mesmo? O problema é o que esse número esconde. Se a letalidade é de apenas 0,05% para pessoas abaixo de 70 anos, qual a letalidade para pessoas acima desta idade? Se a letalidade total é de 0,23% e os maiores de 70 anos representam aproximadamente 6% da população brasileira (estimativa do IBGE para 2020), a letalidade para os mais idosos seria de cerca de 3%. Bem, 3% já não é uma letalidade desprezível. Há quem defenda a “quarentena vertical” para este problema, apesar da operacionalização bem complexa. Mas, no final, se não houver vacina, todos serão contaminados, e perderemos 3 de cada 100 idosos para a COVID-19.

Quarto: por fim, a menção à estimativa inicial de 4% tem como objetivo sugerir que as medidas tomadas inicialmente, inspiradas que foram nessa estimativa inicial, foram exageradas. Em primeiro lugar, era a informação do momento. “With the benefit of hindsight”, como dizem os americanos, é fácil dizer que estava errado. Mas era o que tínhamos naquele momento. E aquela estimativa inicial foi rapidamente revisada para um range de 0,5%-1,0%, que é mais ou menos o que temos até o momento. O índice de 0,23% também ainda precisa ser provado, trata-se também de uma estimativa. Pode ser maior ou menor.

Resumindo: cada um vai escolher os números que melhor corroborem a suas crenças. Afinal, é para isso que a ciência estatística foi inventada.

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