Uma coincidência estatística possível

Abaixo, imagens de apurações parciais do TSE e do TRE Paulista da eleição da cidade de São Paulo.

A primeira apuração é do TSE, com meros 0,39% dos votos apurados. As outras apurações são do TRE Paulista, com 37,77%, 57,77% e 100% dos votos apurados.

As diferenças entre essas apurações foram as seguintes:

  • Covas: 32,58%/32,79%/32,81%/32,85%
  • Boulos: 20,33%/20,32%/20,35%/20,24%
  • França: 13,95%/13,65%/13,65%/13,64%
  • Russomanno: 10,44%/10,53%/10,49%/10,50%
  • Arthur do Val: 9,74%/9,73%/9,77%/9,78%
  • Tatto: 8,79%/8,66%/8,58%/8,65%.

Observe como os números com apenas 0,39% das urnas apuradas praticamente se mantiveram ao longo da votação. Para justificar essa incrível coincidência, seria necessário que a apuração feita nas primeiras 0,39% urnas tenha representado uma amostragem absolutamente fiel do perfil da votação da cidade. Qual a probabilidade de isso acontecer?

Quanto maior a uniformidade da votação na cidade, maior a probabilidade de as primeiras urnas indicarem a tendência geral da eleição. Fiz o seguinte exercício: calculei a média e o desvio-padrão das votações nas diversas zonas eleitorais da cidade de João Doria em 2016 e de Bruno Covas em 2020. Os resultados foram os seguintes:

  • João Doria: média 53,85%, desvio-padrão 11,49%
  • Bruno Covas: média 33,05%, desvio-padrão 4,41%

Observe como o desvio-padrão da votação de Covas é muito menor do que o desvio-padrão da votação de Doria. Quanto menor o desvio-padrão, mais homogênea tende a ser a votação entre as diversas zonas eleitorais da cidade. Não por outro motivo, Covas ganhou em todas as zonas eleitorais da cidade, coisa que nem Doria havia conseguido, mesmo tendo ganhado a eleição no primeiro turno.

Mas esta é apenas uma hipótese. Resolvi testá-la utilizando os dados de votação das 58 zonas eleitorais da capital. Montei uma planilha Excel (quem quiser, pode me pedir no Messenger), em que sorteio a chegada dos votos para totalização. As 58 zonas eleitorais são sorteadas 20 vezes cada uma, totalizando 1.160 sorteios. Para cada vez que uma zona eleitoral é sorteada, 1/20 dos votos recebidos por Covas naquela zona são contabilizados. A cada 5 sorteios, temos um total de 100%/1.160*5 = 0,43% dos votos apurados. Vamos acumulando até chegar nos 100%.

Fiz 100 sorteios. Ou seja, simulei 100 possíveis caminhos para a apuração. Obviamente, quanto mais urnas são apuradas, mais o resultado chega próximo dos 32,85% obtidos por Covas, até chegar neste número quando se completa 100% das urnas apuradas.

Pois bem. O que nos interessa é o quinto número, aquele obtido com 0,43% das urnas apuradas. Das 100 simulações, 5 ficaram entre 32,55% e 33,15% (32,85%+/- 0,30%). Ou seja, em 5% das simulações, o número apontado por 0,43% das urnas apuradas já antecipa o resultado final com uma margem bastante aceitável.

5% é um número muito baixo. Mas não é zero. Ou seja, é possível sim que, logo no primeira divulgação, com apenas 0,39% das urnas apuradas, o número já estivesse próximo do resultado final, pelo menos para o resultado de Covas. Teríamos que simular o mesmo para os outros candidatos de maneira conjunta, mas aí a planilha ficaria muito pesada. Além disso, o mesmo fenômeno que ocorre com Covas, ocorre também com os outros candidatos: a votação é relativamente homogênea nas zonas eleitorais (desvio-padrão baixo) para todos eles (está na planilha também).

Para 37,77% e 57,77% das urnas apuradas, a simulação retornou, respectivamente, 61% e 78% de resultados dentro do intervalo especificado. Ou seja, a probabilidade de que os resultados já fossem próximos do real com 37,77% e 57,77% das urnas apuradas já é significativamente maior.

Não estamos, portanto, falando de um fenômeno estatístico a lá Mega-Sena. Existe uma probabilidade material, ainda que baixa, de que tenha acontecido exatamente isso: os primeiros números apontando o resultado final.

Sendo assim, mesmo tendo sido um fenômeno que chamou a atenção, o fato de não ter havido alteração nos números ao longo da apuração não é, em si, prova de nada. Na verdade, pode ser explicado por uma certa homogeneidade da votação na cidade, homogeneidade muito maior do que em eleições passadas.

O papelão que o TSE protagonizou ontem infelizmente dá margem a teorias da conspiração. Esta da “não mudança” na apuração da cidade de São Paulo é apenas mais um motivo de desconfiança, gerado pelo contexto de incompetência do árbitro das eleições. Podiam passar sem essa.

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