Um presidente liberal

Isso que vai abaixo é um trecho do discurso hoje do presidente na Ceagesp. Não vai ter privatização do entreposto.

Lembrando que a Ceagesp estava na lista de empresas que seriam privatizadas, anunciada em agosto de 2019. Nenhuma delas foi privatizada ainda e, nesse meio tempo, foi criada uma nova estatal, a NAV. Agora, temos menos uma na lista. Fica claro porque Salim Mattar pulou do barco.

Dois recados.

O primeiro é para o paulistano: quando você ficar preso no trânsito na marginal porque um caminhão indo ou voltando da Ceagesp quebrou na pista, já sabe quem é o culpado pela manutenção do entreposto dentro da cidade.

O segundo é para meus amigos faria limers: ministro da fazenda não é presidente. Quando você quiser um governo liberal, eleja um presidente liberal.

Os fatos começam a jogar contra

Hoje é dia 15/12, data que o governador João Doria havia prometido divulgar e encaminhar para a Anvisa os dados de eficácia da Coronavac. Ontem foi adiado para 23/12, com a desculpa de que já haviam atingido o número mínimo de pacientes infectados para encaminhar não o pedido de uso emergencial, mas o pedido definitivo.

Fernando Reinach coloca o dedo na ferida: se tem os dados, por que não divulgá-los agora? Por que esperar a burocracia do envio para os órgãos reguladores? Há alguma lei ou procedimento que impeça a divulgação dos resultados antes do envio do pedido de registro? A Astra Zeneca publicou os resultados de seus estudos fase 3 (cheio de problemas) e ainda não enviou para registro.

O ser humano tem a tendência de sempre esperar pelo melhor, e engolimos as explicações do governador porque queremos acreditar que teremos uma vacina logo. A hipótese de a Coronavac não funcionar é impensável, pois ficaríamos sem vacinas no 1o semestre. Por isso, nos agarramos à esperança. Mas que é estranho, sem dúvida é estranho.

Há dois dias escrevi um post sobre o limite da política ou da politicagem: os fatos. Por enquanto, Doria está ainda no campo da política (ou politicagem). Os fatos começam a jogar contra a sua narrativa. Esperemos o dia 23/12.

O fim de uma aventura

Em 1997, o governo FHC realizou a maior privatização da história do Brasil: a do setor de telecomunicações. A telefonia fixa, na época o filé mignon, foi dividida em 4 grandes áreas: Embratel, comprada por uma empresa americana e depois vendida para a Telmex mexicana, a Telesp, adquirida pela Telefónica espanhola, o conjunto de empresas da Região Sul, arrematada pelo consórcio liderado pela Telcom Itália (TIM) e, por fim, todo o restante, do RJ ao Amazonas, vendida para o único grupo nacional concorrente, liderado pela construtora Andrade Gutierrez. Este grupo chamava-se Tele Norte Leste, mudando de nome para Telemar e, por fim, para Oi.

O leilão da parte Norte do país foi o único sem concorrência, e saiu sem ágio algum. Grampos que vieram à tona posteriormente revelaram que o então ministro das Telecomunicações, Luís Carlos Mendonça de Barros, chegou a combinar com a Previ a formação de um consórcio concorrente para que houvesse alguma disputa. O ministro caiu por conta do escândalo, mas a história se encarregaria de mostrar que ele estava certo.

A grande preocupação do governo e do mercado era a falta de um operador de telefonia no consórcio vencedor, além de problemas de, digamos, governança, no grupo carinhosamente apelidado pelo mercado de Telegangue.

De todas as operações de telefonia no país, a Oi sempre foi a mais problemática. Mas o fato de constituir um grupo nacional próximo aos círculos do poder foi lhe dando sobrevida. Em 2009, o governo Lula mudou a Lei Geral de Telecomunicações para permitir que grupos pudessem controlar a telefonia em diferentes regiões geográficas. Foi uma mudança sob medida para que a Oi comprasse a Brasil Telecom, operadora da região Sul que havia sido vendida para a TIM na privatização. Era a época da política de “campeões nacionais”, regada a muito dinheiro do BNDES. O custo para a Oi foi relativamente baixo: a instalação de uma antena vizinha ao famoso sítio de Atibaia. Bem mais barato que um triplex, por exemplo.

Mas a verdade econômica acaba se impondo, mais cedo ou mais tarde. Com a migração da tecnologia para a telefonia móvel e a briga de foice no escuro nesse mercado, que deixou de contar com exclusividade geográfica, prevaleceram as empresas mais bem administradas. E não há dinheiro do BNDES que dê jeito em uma má administração.

O leilão de ontem representa o melancólico fim da aventura brasileira no ramo das telecomunicações.

Compromissos insustentáveis

39% das cidades paulistas pagam aos professores menos do que o piso determinado por lei federal. Se isso acontece nos municípios de São Paulo, imagine nesse Brasilzão…

O papel aceita tudo. São muitas e boas as intenções dos legisladores quando aprovam uma lei. Só costuma ter um pequeno problema: não tem dinheiro para pagar por todas elas.

A reportagem não fala, mas uma boa parte dessa verba vai para pagar professores aposentados, que contam com regras generosas. Muito justo. Mas alguém está pagando por isso.

A reportagem mostra que essa desobediência à regra é mais grave nos municípios pequenos: dentre aqueles com menos de 10 mil habitantes, 55% não pagam o piso. No entanto, quando se fala de fusão de municípios inviáveis, várias vozes se levantam contra o que seria o “desatendimento” das populações mais vulneráveis. Ok.

Mas o que mais me chamou a atenção na reportagem foi o caso do município de Paulínia. Por força de lei, 25% da receita do município deve ser investido em educação. Tendo a sorte de ser sede de uma refinaria da Petrobras, Paulínia conta com uma alta arrecadação de impostos. Resultado: piso salarial de professores de R$ 8,8 mil, o que coloca os professores do município nos 5% da população brasileira que mais recebem renda. Muito justo e merecido, a não ser por um pequeno detalhe: perenidade.

O município de Paulínia assumiu o encargo perene de pagar excelentes salários aos professores com base em uma receita que pode não se repetir no futuro. Hoje a refinaria está lá, amanhã o negócio pode se inviabilizar economicamente. Vimos isso acontecer em vários municípios cariocas, que dependiam de royalties do petróleo. A receita está lá até não estar mais. Ocorre que os encargos, por força de lei, não podem ser diminuídos. Resultado: no futuro, deixarão de ser pagos. Não é uma questão de se, é uma questão de quando.

A sobrevivência dos mais gordos

Bruno Carazza normalmente escreve excelentes artigos, mas neste ele se superou.

O tema: recente liminar concedida pela ministra Rosa Weber, obrigando a União a a alizar um empréstimo ao estado do Espírito Santo, no valor de US$400 milhões, que havia sido travado porque o Estado não havia cumprido dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal. Detalhe: foi o poder judiciário do Estado que gastou além do limite. A mensagem é: o judiciário pode gastar à vontade que o STF garante.

O artigo aborda como as entidades de classe do judiciário usam de seu acesso privilegiado ao centro de decisões para fazer valer a sua agenda particular. E termina de maneira magistral, evocando uma escultura em que uma mulher gorda está sobre os ombros de um homem esquálido. Ela tem pena, gostaria de ajudá-lo de alguma maneira, menos saindo de cima de seus ombros. O assunto da coluna é o poder judiciário, mas poderia ser sobre qualquer privilégio votado e aprovado às custas de quem não tem lobby em Brasília.

Os desdentados e descamisados do país têm muitos defensores que gostariam de ajudá-los. Desde que isso não signifique abrir mão de seus próprios privilégios.

A politização dos políticos

Os políticos estão politizando a questão das vacinas. Oh!!!, que surpresa!

Políticos politizam. Por definição. Acho graça daqueles que exigem “espírito público” dos políticos, e que tomem decisões em prol da sociedade. Acho graça porque esse “em prol da sociedade” é sempre na visão particular de quem está pedindo espírito público dos políticos. E se o político entender que a sua própria atuação está sempre dirigida “em prol da sociedade”? Aliás, provavelmente este é o caso. Inclusive quando se refere às próximas eleições: o político sempre vai achar que ele próprio ganhar as próximas eleições é o melhor que pode acontecer para a sociedade. Churchill é considerado um dos grandes estadistas do século XX. Quem leu a sua biografia e assistiu à 1a temporada da série Crown, no entanto, vê um Churchill focado em tomar e manter o poder. Politicagem, diriam seus adversários. Política, diria Churchill.

Quem simpatiza com Bolsonaro, vê em suas atitudes com relação à vacina uma luta pela preservação da liberdade do povo brasileiro diante de um conluio global que envolve medo, lockdown para quebrar a economia e vacinas perigosas aprovadas a toque de caixa. Os que antagonizam Bolsonaro veem no presidente alguém que está jogando para evitar que seu maior adversário potencial nas eleições de 2022 ganhe dividendos políticos, mesmo que isso signifique colocar em risco a saúde dos brasileiros. De um ou outro modo, estamos falando de política ou politicagem, a depender do ponto de vista.

Quem simpatiza com Doria, vê em suas atitudes uma preocupação genuína em torno da saúde da população, em um momento em que o governo federal parece não dar a mínima para isso. Já para os que o antagonizam, o governador de São Paulo está dançando sobre cadáveres, usando as mortes de brasileiros para ganhar dividendos políticos. De um ou outro modo, trata-se de política ou politicagem, a depender do ponto de vista.

Governadores e prefeitos que estão apoiando Bolsonaro ou correndo atrás de Doria para comprar a vacina também estão fazendo política ou, como querem os nostálgicos de estadistas, politizando a questão. Todos eles.

A política, no entanto, tem um limite: a realidade. As narrativas políticas, mais cedo ou mais tarde, acabam esbarrando em sua majestade, os fatos. Antes de uma luta, os boxeadores tentam se mostrar, diante das câmeras de TV, superiores ao seu adversário. Mas, quando começa a luta, aquele que efetivamente tem mais força e agilidade, vence.

O governo federal está contando com 3 vacinas: Astra Zeneca, consórcio COVAX e Pfizer. A Astra Zeneca errou na dosagem nos testes da fase 3, e não conseguiu provar eficácia para maiores de 55 anos, justamente o principal grupo de risco. Agora, parece que vão misturar com a Sputinik V, o que provavelmente demandará vários meses de testes fase 3 novamente. Ou seja, ao que tudo indica, essa vacina é só para o 2o semestre, com sorte. O consórcio COVAX ainda não divulgou nenhuma vacina com eficácia, e a quantidade é muito pequena diante das necessidades brasileiras. Por fim, a Pfizer também vai disponibilizar uma quantidade muita pequena (se disponibilizar), com todas as dificuldades de logística conhecidas. Em resumo: o governo federal tem muito pouco na mão até o momento.

Doria, por sua vez, prometeu divulgar os estudos de eficácia da Coronavac até o dia 15. Se, de fato, houver uma eficácia razoável (acima de 70%), Doria terá na mão uma fábrica de 1 milhão vacinas/dia, ou 180 milhões no primeiro semestre, o suficiente para vacinar quase metade da população brasileira. A política ou politicagem esbarram, no final do dia, nos fatos. Como dizia um antigo locutor de futebol quando o juiz apitava o início do jogo, vamos ver quem tem mais garrafa velha pra vender. Dia 15, saberemos.

PS escrito em 14/12: hoje Doria adiou a divulgação dos estudos de eficácia para o dia 23/12. Serão 8 dias a menos para a Anvisa aprovar. Por enquanto, continuamos só tendo retórica. Vamos ter que esperar mais um pouco pelos fatos.

Efeito Orloff

Valor econômico de hoje. Leio em uma página sobre a “desconfiança” em relação ao governo argentino.

Eu pergunto: esperavam o que?

Na página seguinte, o editorial do Valor fala sobre o encaminhamento frustrante das PECs que deveriam equacionar o problema fiscal brasileiro.

Uma sensação de “efeito Orloff” toma conta da minha mente. Para os mais novos, o “efeito Orloff” se refere a uma propaganda da vodca de mesma marca, em que um sujeito, tendo vindo do futuro, conversava com ele mesmo, dizendo: “eu sou você amanhã”. A mensagem era que Orloff não causava ressaca no dia seguinte.

Será a Argentina o Brasil amanhã? Durante muito tempo foi assim. Mas, a partir do primeiro mandato do governo Lula, que espertamente manteve as políticas ortodoxas de seu antecessor, o Brasil se descolou de seu vizinho do sul. Nestor Kirshner, do outro lado do rio Iguaçu, optou por políticas heterodoxas, que levaram a Argentina ao ponto em que está hoje.

O paralelo, ou a sensação de efeito Orloff, no entanto, não está na comparação com os doidivanas dos Kishners. Este governo está cada vez mais se parecendo com o governo Macri.

Maurício Macri foi eleito na esteira do rotundo fracasso das políticas heterodoxas dos Kirhsners. Foi eleito para colocar ordem na casa. O que fez o presidente argentino? Caminhou na direção certa, mas a passo de cágado. Claro, sempre se pode dizer que caminhou na velocidade que as condições políticas lhe permitiram. Mas isso não serviu de desculpa. O fato é que fez muito pouco, muito tarde. Não ter criado as condições políticas para fazer o certo também pode ser debitado de sua conta.

É nesse sentido que o editorial do Valor lembrou-me o efeito Orloff, na medida em que escancara a falta de urgência com que o problema fiscal é tratado pelo governo e pelo Congresso. Como diz o economista para mercados emergentes da Goldman Sachs, Alberto Ramos, a respeito do governo argentino, “o mercado continua bastante desapontado com a falta de um plano de médio e longo prazo. Ou seja, muita conversa e pouco trabalho”. Poderia estar falando do governo brasileiro.

O Facebook não é o Twitter

O Facebook não é o Twitter.

No Twitter, você pode se esconder atrás de um pseudônimo e falar o que quiser sem se expor pessoalmente.

Já no Facebook, você tem nome e sobrenome, tem família, tem amigos e tem uma história. Suas opiniões são suas, não de um pseudônimo.

Acabei de bloquear um sujeito aqui. Comentou em um dos meus posts de maneira agressiva. Fui olhar o perfil: nome esquisito, não tem foto, não tem descrição do perfil.

Quem me acompanha sabe que não fujo do contraditório e aceito que opiniões contrárias à minha permaneçam na minha timeline. A não ser, claro, que sejam grosserias gratuitas.

Todos são bem-vindos aqui. Desde que tenham nome e sobrenome. Quer se esconder? Vai para o Twitter.

Começa a corrida

A foto da senhorinha inglesa tomando a primeira dose da vacina da Pfizer ganhou a primeira capa dos principais jornais do mundo.

Não importa se, como estão alertando quem entende do assunto, as campanhas de vacinação ainda levarão meses (provavelmente mais de um ano) para surtirem efeito e nos permitirem voltar a uma vida normal. Como diz um velho provérbio chinês (todo velho provérbio é chinês ou árabe), um longo caminho começa com o primeiro passo.

Todos os países com um mínimo de organização estão anunciando o início de suas campanhas de vacinação para este mês ou, no mais tardar, janeiro. Aqui, será em março, se não chover.

A foto de uma senhora de 90 anos tomando a vacina vale mais do que mil jogos de palavras. Escancara aquilo que poderíamos ter e não temos. Nas próximas semanas, campanhas de vacinação começarão ao redor do mundo, piorando a percepção dos brasileiros a respeito do seu próprio governo.

Run, Pazuello, run.

Cheque-mate na Anvisa

Doria fez o que qualquer executivo de empresa faz: colocou uma data para entregar o trabalho. A data serve para pressionar os subordinados.

Mas a Anvisa não é subordinada ao governador de São Paulo. Portanto, não faz sentido.

Faz.

Apesar de a Anvisa não ser subordinada funcionalmente, passou a ser subordinada politicamente. Imagine você chegarmos no dia 24/01, as caixas com as vacinas nos postos de saúde, filas começando a se formar, e o governador anunciar que não teremos vacinação porque a Anvisa AINDA não autorizou. Pode acontecer? Pode. Vai acontecer? Difícil.

Doria não teria arriscado uma data se já não tivesse em mãos dados de eficácia promissores. E lembremos que estamos em um processo de aprovação contínuo, e se trata de uma autorização emergencial, não o registro definitivo. Além disso, a vacina já estará espalhada por outros estados da federação, só aguardando o sinal verde da agência. A pressão será insuportável.

Imagine o contrário: Doria esperando a aprovação da Anvisa para daí anunciar a data do início da vacinação. Sabe quando viria a tal aprovação? Põe aí uns meses, se viesse a aprovação.

Doria deu uma chave de galão no governo Bolsonaro com essa vacina e a Anvisa passou a ser mera coadjuvante no processo.