Duas histórias, um destino

Os dois recortes abaixo se referem a julgamentos no STF que teriam lugar ontem. No momento em que escrevo, não sei a quantas anda a agenda, se algum magistrado pediu vista, essas coisas. Mas não importa. O importante é entender de que barro somos feitos e porque nosso subdesenvolvimento é uma obra escrita a várias mãos.

Vejamos. O primeiro julgamento refere-se a contribuição previdenciária sobre o terço de férias. Como sabemos, os empregados com carteira assinada têm direito a receber um terço de seu salário por ocasião de suas férias. Há uma disputa sobre a natureza dessa remuneração: se faz parte do salário (hipótese em que a contribuição previdenciária patronal seria devida) ou indenizatória (hipótese em que aquela contribuição não seria devida).

Julgamento no STJ deu ganho de causa às empresas, razão pela qual muitas não estavam recolhendo a contribuição. Mas a coisa foi parar no STF e, até o momento, havia quatro votos a zero contra as empresas. A situação, como diria o Galvão, era dramááática.

Neste primeiro caso, o que temos? Em primeiro lugar, uma discussão bizantina sobre a natureza de uma parte do salário. Essas coisas que não fazem o mínimo sentido no mundo real (afinal, dinheiro é dinheiro), mas que se convertem em brechas a serem exploradas por teses jurídicas. Esse, no entanto, não é o principal ponto. O principal é o STF funcionar como casa revisora do STJ. Na prática, temos dois tribunais superiores, um superior ao outro, julgando as mesmas coisas. O STJ decide uma coisa e o STF decide outra. Pra quê, então, existe o STJ? Sustentamos uma máquina inútil que custa caro e atrasa o fim dos processos. E, o que é pior: dando a falsa impressão de que suas decisões valem algo.

O segundo caso refere-se ao julgamento de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da lei de patentes. O artigo diz que a patente tem validade de 20 anos a partir do pedido, enquanto o parágrafo único diz que esse tempo será de, no mínimo, 10 anos a partir da efetiva concessão da patente. Ou seja, o parágrafo permite a extensão da validade da patente pelo tempo em que o INPI sentou em cima do processo. Do barulho em torno desse parágrafo depreendemos que não é anormal o INPI demorar mais de 10 anos para a concessão de uma patente! Se demorasse menos do que isso, o parágrafo seria inócuo, a patente valeria por 20 anos e ponto.

Não vou aqui discutir a justeza do pleito, mas sim, a sua natureza. Não se está discutindo o pedido em si da patente, mas o tempo de sua validade. O STF decidirá sobre a constitucionalidade do parágrafo único. Ora, tanto o parágrafo quanto o artigo versam sobre o mesmo fenômeno: o tempo de validade da patente. Por que seria inconstitucional conceder 10 anos de validade a partir da concessão e não seria inconstitucional conceder 20 anos a partir do pedido?

Na verdade, o que temos aqui é o STF sendo chamado a modificar arbitrariamente uma lei que, se incorreta, deveria ser modificada pelo Legislativo. Trata-se claramente de uma chicana jurídica inventada pelos lobbies das companhias farmacêuticas locais para “driblar” a legislação. Foi o legislador que determinou o prazo de validade da patente, é ao legislador que cabe modificá-lo. Até entenderia o STF cancelar o direito a patente como um todo, com base em sabe-se lá qual princípio constitucional. Não concordaria, mas entenderia a decisão. No caso em tela, no entanto, qualquer decisão do STF, a não ser dizer que não tem nada a ver com isso, seria incompreensível. Depois ficamos todos a reclamar que o STF legisla no lugar do legislativo, quando são os próprios grupos de interesse que provocam o STF nesse sentido.

O que une os dois casos analisados? Um sistema jurídico (aqui entendido de maneira ampla, envolvendo operadores e legisladores) gerador de incertezas que minam a atividade produtiva. Como disse no início, a nossa pobreza não é improvisada.

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