Respostas contundentes

Imagine um sujeito que gosta de perder o seu tempo ofendendo e assediando uma assistente virtual (!). Se a resposta da assistente é algo genérico do tipo “não entendi”, a brincadeira logo perde a sua graça. Agora, imagine que para cada provocação, houvesse uma resposta “contundente”. Qual seria a reação do provocador? Parece óbvio para quem conhece o mínimo de psicologia masculina que respostas desse tipo tornariam muito mais divertida a experiência de ofender a assistente virtual. O ofensor buscaria testar várias formas de ofensas para verificar se as repostas mudariam e, quanto mais contundente a resposta, mais divertido seria.

Realmente não sei em que planeta vive a diretora do banco que patrocina a iniciativa, que diz esperar uma “mudança de comportamento”. Bem faz a Amazon, que adotou a tática do silêncio: a Alexa nada responde quando ofendida. Isso claramente desestimula as ofensas.

Isso tudo é tão óbvio que me recuso a acreditar que os gênios de marketing do banco e da agência não saibam. O que nos leva a uma segunda opção: na verdade, perceberam a oportunidade de usar essas ofensas como uma forma de posicionar a marca no campo da defesa das mulheres. Em linguagem das redes sociais, viram uma oportunidade de lacrar. Quer dizer, vão usar um artifício que estimula a ofensa para fazer uma campanha de marketing com o objetivo de construir uma imagem de defensor das mulheres. Muito interessante.

A eterna busca pelos porquês

Havia uma pessoa em minha família que sofria de depressão. Uma das características do quadro é que ela se achava culpada por tudo o que acontecia de ruim, principalmente a morte de pessoas. Não havia modo de convencê-la do contrário. Para ela, a causalidade era clara.

Podemos não notar, mas agimos o tempo todo como essa pessoa da minha família. Estamos o tempo inteiro buscando causas para as coisas que acontecem. O Homem é um ser em constante busca de porquês.

Essa característica do ser humano me veio à mente mais uma vez em meio a essa pandemia. O que causa a queda do número de casos? O lockdown? O tratamento precoce? A vacinação?

Vivemos em um sistema social extremamente complexo, com bilhões de interações. Imagine uma gigantesca mesa de bilhar, com milhões de bolas e milhares de jogadores jogando ao mesmo tempo. Como tentar prever o comportamento de uma das bolas? Mesmo que haja um mínimo de coordenação entre os jogadores, como prever o comportamento do conjunto das bolas? Agora imagine se cada uma dessas bolas tomasse a sua decisão individualmente…

Ontem li dois artigos que, coincidentemente, entre outros casos, usava o exemplo do Peru para provar duas coisas diferentes: no primeiro caso, que o uso da ivermectina como tratamento precoce funciona. No outro, para provar que o lockdown não funciona. Em ambos, o leitor é convidado a observar gráficos que, supostamente, provariam o ponto. Senti-me diante de um daqueles testes de Rorschach, em que a pessoa é chamada a descrever o que vê em uma figura sem sentido algum.

Determinar causalidade é um dos grandes desafios da econometria. Pode até haver correlação entre dois fenômenos distintos, mas causalidade é outra história, muito mais difícil de provar. Voltando ao caso do meu familiar: ela estava convencida que, toda vez que pensava em uma pessoa, aquela pessoa morria. A correlação poderia até existir, mas obviamente não havia causalidade. É o que chamamos, em estatística, de correlação espúria.

Ocorre que, ao contrário dessa pessoa de minha família, os fenômenos com os quais estamos tratando têm efetivamente um fundamento racional. É óbvio que o vírus não se transmitirá se as pessoas se mantiverem afastadas umas das outras. É óbvio que remédios e vacinas que se mostraram eficazes em grupos menores também se mostrarão eficazes em grupos maiores. Não estamos tratando de correlações espúrias, como aquela estabelecida pelo meu familiar.

Por mais que seja racional, a causalidade precisa ser provada. É nisso que a dificuldade reside e é aí que um debate que supostamente se daria no campo racional se transforma em guerra de narrativas.

A narrativa é um instrumento da fé. Todos nós vivemos de fé, por menos que queiramos admitir. Aqui não falo especificamente da fé religiosa, ainda que esta seja um exemplo. Refiro-me de maneira genérica ao conjunto de crenças que moldam a nossa maneira de pensar. O mundo é extremamente complexo e, por isso, não conseguimos abarcá-lo todo com a nossa mente limitada. Para lidar com essa realidade, confiamos em autoridades. Ou, para usar uma linguagem religiosa, depositamos nossa fé em uma autoridade.

Mas não em qualquer autoridade. Escolhemos as autoridades que confirmam as nossas crenças iniciais. Somente crianças e, em menor medida, adolescentes, são páginas em branco. Nós, adultos, enfrentamos o mundo armados de nossas próprias crenças, e procuramos autoridades que as confirmem, construindo a narrativa que nos convém.

Constatei isso, mais uma vez, lendo ontem sobre tratamento precoce. Há autoridades igualmente respeitáveis atacando e defendendo. Aí, você vai explorar os dados no detalhe (quantos têm tempo e interesse e know how para fazer isso?) e descobre que o caso da ivermectina, por exemplo, está em uma zona cinzenta, onde os estudos apontam para uma direção promissora, mas são realmente limitados e pobres, o que exigiria mais estudos para serem definitivamente comprovados ou descartados. Ou seja, é uma conclusão que não orna e não interessa a nenhuma das narrativas vigentes.

Se as crenças envolvem posicionamentos políticos, aí então é que podemos desistir de qualquer abordagem racional, ainda que o debate possa ter uma roupagem acadêmica. As próprias autoridades têm os seus vieses políticos, muitas vezes não claros.

O que podemos concluir disso tudo? Diria o seguinte:

1) Cuidado com afirmações definitivas, que passam a impressão de que se tem 100% de certeza sobre alguma coisa. Se até em fenômenos físicos novas certezas podem substituir certezas anteriores (vide a física de Einstein substituindo a de Newton) imagine em fenômenos biológicos e, no caso, sociológicos.

2) Por outro lado, não podemos cair em um nihilismo destruidor, em que nada pode ser afirmado definitivamente. Podemos fazer uma ideia da realidade tendo a mente aberta para teses que desafiem as nossas crenças.

3) No entanto, o fato de não conseguirmos compreender a realidade em sua totalidade não significa que ela não exista. A Terra é redonda, não plana, não há crença ou narrativa que mude essa realidade. A arte está em saber distinguir aquilo que é saber definitivo daquilo que é saber provisório. Bem-vindo à aventura do conhecimento!

4) Por fim, não vale a pena perder amizades e relações familiares por conta desse tipo de discussão. Tenha em mente que cada pessoa tem as suas próprias crenças, que podem ser incompreensíveis para nós. Saiba que é vice-versa. Evitaríamos muitas brigas inúteis se tivéssemos isso em mente e buscássemos mais o que nos une do que o que nos separa.

Cuidado com os seus desejos

Bolsonaro, ontem, acusou Barroso de fazer “politicalha” e desafiou-o a ordenar também a abertura de processo de impeachment contra membros do próprio STF.

Li argumentos nessa linha ao meu post de ontem. Fui investigar.

O impeachment de ministros do Supremo está previsto na Constituição (art. 52, inciso II – qualquer cidadão pode pedir o impeachment de um ministro do Supremo) e é regrado pela Lei 1079, de 1950. Os artigos 41 a 73 são os que regem o processo de impeachment dos ministros do Supremo.

O artigo 44 diz o seguinte: “Recebida a denúncia pela Mesa do Senado, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial, eleita para opinar sobre a mesma”.

Parece claro, não? Uma vez recebida a denúncia, a mesma será lida na sessão seguinte e despachada para uma comissão especial. Aparentemente, não há discricionariedade possível por parte do presidente do Senado ou da mesa diretora. Deveria ser um procedimento automático: recebe a denúncia, lê e instaura comissão para análise. É isso, por exemplo, que defende Roberto Jefferson, em trecho de sua denúncia contra Edson Fachin, que destaco abaixo.

Portanto, qualquer cidadão poderia entrar com recurso junto ao STF para exigir a instauração de um processo de impeachment no Senado contra membros do Supremo, com o mesmo argumento (prevaricação) que valeu para a instauração da CPI da pandemia.

Mas…

Mas nem sempre as coisas são como parecem.

A mesma Lei 1079 rege o impeachment do presidente da República. O seu artigo 19 reza o seguinte: “Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma.

”Observe a quase exatamente mesma redação que vimos no artigo 44. Não caberia, aqui também, a discricionariedade do presidente da Câmara ou da mesa diretora. Recebeu a denúncia, leu no expediente seguinte, encaminhou para uma comissão especial. Procedimento automático.

Como é de saber comum que o encaminhamento de um pedido de impeachment contra o presidente depende da boa vontade do presidente da Câmara, cabe analisar melhor a redação dos artigos 19 e 44 da Lei 1079.

“Receber”, neste caso, creio que tenha o sentido de “acatar”. Não se trata, no contexto, de um verbo passivo, no sentido de receber uma correspondência, mas ativo, no sentido de reconhecer que aquilo é uma denúncia válida. Portanto, cabe discricionariedade. É o mesmo sentido que os noivos dão ao verbo receber quando dizem na cerimônia do casamento: “recebe esta aliança como sinal do meu amor e da minha fidelidade”. Os noivos recebem a aliança podendo recusá-la, se não estão dispostos, por algum motivo, a assumir o compromisso que ela representa.

Se assim não fosse, todos os 61 pedidos de impeachment contra o presidente que estão engavetados teriam que ser automaticamente colocados para caminhar dentro da Câmara.

Quando Bolsonaro desafia Barroso a fazer caminhar os pedidos de impeachment contra ministros do Supremo, do mesmo modo qualquer ministro do STF poderia obrigar o início dos procedimentos para os pedidos de impeachment contra o presidente.

Cuidado com os seus desejos.

A busca pela terceira via

Tenho observado com vivo interesse o movimento para encontrar uma terceira via para enfrentar os “extremos” representados por Bolsonaro e Lula. Muitos não querem (eu me incluo) ter que escolher entre os dois no 2o turno de 2022.

Para tanto, muito se tem falado em unificar a candidatura de centro, pois a chance seria maior de passar para o 2o turno contra um dos dois. Será?

Fiz uma pesquisa em todas as eleições desde a redemocratização. As duas únicas eleições em que a soma das votações de todos os candidatos que não os dois mais votados excedeu a votação do 2o colocado (ou seja, esse hipotético “tercius” teria ido ao segundo turno) foram as eleições de 1989 e 2002.

Em 1989, a soma das votações de Brizola, Covas, Maluf, Afif, Ulysses e uma longa lista de outros candidatos somou 50,8%, bem mais do que os 16,7% obtidos por Lula, o segundo colocado. Na verdade, em tese, se somente Brizola e Covas tivessem se unido, os seus 27,2% de votos teriam tirado Lula do 2o turno. Em tese.

Em 2002, as votações de Anthony Garotinho e Ciro Gomes somaram 29,8%, contra 23,2% de José Serra, o 2o colocado naquele ano. Vamos analisar este caso mais de perto.

Digamos que Garotinho tivesse aberto mão de sua candidatura em favor de Ciro. Será que Ciro Gomes teria herdado todos os votos de Garotinho? Não será que uma parte desses votos teria ido para Serra, mantendo-o no 2o turno?

Tivemos uma experiência semelhante na eleição de 2014. Marina Silva era esse “tertius” contra a “polarização” entre PT e PSDB, a que mais chegou perto de tirar um dos dois partidos do 2o turno, tanto em 2010, quando teve 19,3% dos votos, quanto em 2014, quando teve 21,3% dos votos. Mas em 2014, ao contrário de 2010, Marina Silva declarou apoio formal à candidatura de Aécio Neves. Tivemos, então, a oportunidade de observar a migração de votos causada por esse apoio. Foi como se Marina tivesse aberto mão de sua candidatura em favor de Aécio.

Para acompanhar melhor o que aconteceu, vejamos os números desse eleição (os números se referem às votações no 1o e 2o turnos, respectivamente):

  • Dilma: 41,6% / 51,6%
  • Aécio: 33,6% / 48,4%
  • Marina: 21,3%
  • Outros: 3,5%

O resultado: dos 21,3% recebidos por Marina, no mínimo 6,5 pontos percentuais foram para Dilma, que aumentou a sua votação de 41,6% no 1o turno para 51,6% no 2o turno (estou assumindo que os outros 3,5 pontos percentuais que faltam para completar os 10 pontos vieram dos outros candidatos). O restante (no máximo 14,8 pontos percentuais) foi para Aécio. Ou seja, a migração não foi suficiente para dar a vitória a Aécio.

Digamos que, desses 6 que assinaram o tal “Manifesto pela Democracia”, se encontre um candidato único. Quanto dos votos que os outros candidatos teriam migrarão efetivamente para o “candidato escolhido”? Vou dar um exemplo concreto: digamos que esta terceira via seja Ciro Gomes. Quantos votos o coronel vai herdar dos supostos eleitores de Doria ou de Moro? E vice-versa?

Parece-me que aqueles que estão preocupados em encontrar uma terceira via que unifique todas as candidaturas fariam melhor em encontrar um candidato, qualquer um. O triste fato é que há um deserto de opções com chances reais de desafiar o presidente e o ex-presidente. Eu iria além: mesmo que Lula não possa concorrer, não há, hoje, opções com chances reais de desafiar o presidente e qualquer candidato do PT.

Um candidato com chances reais, qualquer que seja, saberá encontrar o seu caminho para ganhar corações e mentes dos eleitores, sem precisar construir estruturas artificiais. O desafio não é encontrar um candidato único. É encontrar um candidato.

A performance de Lula em São Paulo

Pesquisa do instituo Ipespe, patrocinada pela XP, trouxe números de intenção de voto no estado de SP.

Fiquei um pouco desconfiado da intenção de voto em Lula em um dos estados mais anti-petistas da Federação, cerca de 28% já no 1o turno, a depender dos seus concorrentes. Fui olhar o histórico, para tentar entender a probabilidade de isso, de fato, ocorrer. O resultado está resumido no gráfico abaixo.

O PT obteve esse nível de votação no Estado nas eleições da década de 90 e, depois, com Dilma em 2014. Nas eleições em que Lula participou, teve votações expressivamente mais altas, aí incluindo a eleição de 2010, em que Dilma era a “mulher do Lula”.

Ou seja, há um potencial sim de votos em SP para Lula. Claro, há uma Lava-Jato no meio do caminho, o Petrolão e tudo o mais. A pergunta é: esse fator continuará pesando em 2022 como pesou em 2018, quando Haddad (que não era Lula) teve pífios 16% no Estado? É provável que sim, mas com menor intensidade. Muita coisa aconteceu depois, e essas lembranças vão se esmaecendo com o tempo. Lembrando que Dilma teve 26% dos votos no 1o turno em SP em 2014, mesmo já com o início do desgaste do Petrolão. E Dilma, assim como Haddad, não era Lula.

Tendo dito tudo isso, continuo com a tese de que pesquisas a um ano e meio das eleições são, na verdade, pesquisa de recall. Coloco aqui a pesquisa de intenção de voto feita em maio de 1993, em que Sarney aparece em segundo lugar, somente atrás de Lula. José Sarney, um dos presidentes mais impopulares da história!

Claramente, as pessoas se lembravam do nome e já haviam se passado 3 anos desde o fim do seu governo, com um impeachment no meio. Enfim, a lembrança de seu desastroso governo começava a se esmaecer.

Por outro lado, a pesquisa aproximou muito bem a votação de Lula no 1o turno.

A CPI inconveniente

O parágrafo único do artigo primeiro da Lei 13.367 de 05/12/2016, que atualmente rege a constituição e funcionamento das CPIs, reza o seguinte:

“Parágrafo único. A criação de Comissão Parlamentar de Inquérito dependerá de requerimento de um terço da totalidade dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em conjunto ou separadamente.”

Mais claro e cristalino do que isso, impossível. Os senadores reuniram cinco votos a mais que o terço determinado em lei. A lei não prevê que o presidente do Senado tem poder discricionário para não instalar a CPI. Luís Roberto Barroso fez o óbvio: concedeu liminar obrigando a cumprir a lei. Rodrigo Pacheco não vai nem mesmo aguardar a apreciação da liminar pelo plenário, porque sabe que não tem chance. Segurar a formação da CPI é prevaricação.

Tudo isso é verdade. O que não tira a razão de Pacheco ao tentar segurar ao máximo a instalação dessa CPI: trata-se de mais um elemento de confusão em um ambiente político já conturbado.

O que exatamente essa CPI vai descobrir que já não estejamos fartos de saber? Claro que se trata de luta política, mais um front para enfraquecer ainda mais o governo. Um palco para execrar publicamente as figuras envolvidas no controle da pandemia. É um direito da minoria, daí o quórum de um terço para a instalação. Mas que tem o potencial de paralisar a atividade legislativa, daí a resistência de Pacheco.

No passado, uma CPI derrubou um presidente. Mas o sistema político aprendeu a domar as CPIs, de modo que, hoje, não passam de palanque para a minoria expor os governos. Pouco vai sair daí, a não ser mais barulho.

O efeito Peltzman

Li o seguinte texto em um comentário do Leo Babo. Reproduzo a seguir, pois acho importantíssimo e faz todo sentido. Vamos nos cuidar, a barra está pesada.


Vacinações e o efeito Peltzman – explica por que muitas pessoas foram infectadas com o vírus Corona após serem vacinadas.

* O que é o efeito Peltzman? *

Sam Peltzman ensinou microeconomia em Chicago até 1988. O Efeito Peltzman é uma teoria que afirma que as pessoas são mais propensas a se envolver em comportamentos de risco quando medidas de segurança são obrigatórias. O Efeito Peltzman tem esse nome em homenagem à postulação de Sam Peltzman sobre a obrigatoriedade do uso de cintos de segurança em automóveis – isso levaria a mais acidentes. A percepção de segurança aumenta o apetite ao risco.

Recebi a seguinte mensagem esta manhã.

Um médico amigo meu lamenta: “Tratei milhares de pacientes com Covid 19 nos últimos meses. Mas eu não tinha sido infectado. Mas depois de tomar a vacinação, fiquei positivo com o vírus.”

Histórias como essas não são incomuns. Imran Khan (primeiro-ministro do Paquistão) foi vacinado em uma quinta-feira e ficou positivo com o vírus no sábado. Também ouvimos histórias semelhantes sobre vários políticos na Índia.

Os fatos conhecidos:

1. A imunidade contra a Covid 19 não aumenta imediatamente após a primeira dose ou mesmo imediatamente após a segunda. A imunidade completa leva algumas semanas após a segunda dose.

2. A imunidade não é absoluta. Mesmo após a vacinação completa, uma pessoa pode se infectar. Sua chance de morrer ou pegar uma infecção grave que requeira hospitalização será substancialmente menor.

3. Nem todas as vacinas funcionam da mesma forma. A eficácia varia.4. Nem todas as vacinas são eficazes contra todas as variantes. Muitas vacinas são menos eficazes contra o B1.351 (a variante sul-africana), por exemplo.

Agora, o que é esse efeito Peltzman? E por que é importante saber disso?

O efeito Peltzman significa um comportamento que compensa o risco percebido. Em outros termos, as pessoas se tornam mais cuidadosas quando sentem um risco maior e menos cuidadosas quando se sentem mais protegidas.

Isso significa que as vacinas estão dando uma sensação de segurança que leva a um aumento do comportamento de risco.

Mas o problema é que, embora as vacinas não forneçam proteção imediata ou proteção total (contra a infecção como contra a morte), a sensação de segurança infelizmente começa muito mais cedo, antes mesmo da injeção real. E o efeito Peltzman entra em ação: as pessoas usam máscaras com menos cautela, não se distanciam assim que chegam aos postos de vacinação.

O efeito Peltzman de fato começou para a maioria das pessoas antes mesmo de elas tomarem a vacina. Muitas pessoas se sentiram protegidas só de olhar para os números da vacinação. O uso de máscara, distanciamento social e higienização das mãos têm se tornado cada vez menos. Embora isso seja atribuído principalmente à fadiga pandêmica, o efeito Peltzman não pode ser ignorado.

Embora esse comportamento seja perigoso para o público em geral, pode ser desastroso para profissionais de saúde que lidam diretamente com pacientes da Covid 19. Muitos deles podem se infectar na segunda onda atual, prejudicando os serviços de saúde.

O efeito Peltzman também é evidente no declínio drástico no uso de kits de PPE pelos profissionais de saúde.

É importante vacinar a maioria das pessoas em risco. Mas também é importante estar atento ao efeito Peltzman e ter mais cuidado até que o efeito da vacinação nos aproxime da imunidade de rebanho.

Aqui está um exemplo definitivo em que espalhar a consciência salvará vidas.

O milagre de Chapecó

O presidente foi a Chapecó, em Santa Catarina, cumprir agenda política. Lá, segundo reportagem do Valor, o prefeito João Rodrigues disse seguir o receituário do presidente para o enfrentamento da pandemia, obtendo resultados, segundo ele, muito bons.

Como eu não consigo ver uma afirmação sem checar, fui atrás. Chapecó acumula, desde o início da pandemia até ontem, um total de 541 óbitos, o que resulta em 2.455 óbitos por milhão de habitantes. A tabela abaixo mostra a lista das cidades catarinenses com mais de 50 mil habitantes. Chapecó é a quarta pior cidade nesse ranking macabro, com um número de óbitos 50% acima da média do Estado.

Mas alguém poderá dizer que o prefeito está comemorando a diminuição do número de óbitos na cidade. “O número de óbitos despencou”, diz ele. Pode ser que tenha aderido ao protocolo presidencial tardiamente, somente este ano. Pois bem: Chapecó teve 418 óbitos somente em 2021, ou 1.897 por milhão. O estado de SC teve 6.360 óbitos, ou 888 por milhão. Portanto, Chapecó teve mais que o dobro de óbitos do que a média do Estado. A situação este ano piorou, não melhorou.

Eu realmente não consigo entender porque as pessoas fazem afirmações que podem ser tão facilmente desmentidas.

PS.: alguém comentou que a afirmação do prefeito se refere “aos últimos dias”, pois ele tomou posse neste ano. Então, vejamos:- de março até 07/04 vieram a óbito 271 pessoas em Chapecó e 4.255 pessoas em SC, o que resulta em 1.230 óbitos/milhão na cidade e 594 óbitos/milhão no Estado.- em abril (até 07/04) faleceram 22 pessoas em Chapecó e 728 em SC, o que resulta em 100 óbitos/milhão na cidade e 102 óbitos/milhão no Estado. De fato, agora em abril, finalmente Chapecó conseguiu chegar na média do Estado. Meio forçado o argumento, não?

Duas histórias, um destino

Os dois recortes abaixo se referem a julgamentos no STF que teriam lugar ontem. No momento em que escrevo, não sei a quantas anda a agenda, se algum magistrado pediu vista, essas coisas. Mas não importa. O importante é entender de que barro somos feitos e porque nosso subdesenvolvimento é uma obra escrita a várias mãos.

Vejamos. O primeiro julgamento refere-se a contribuição previdenciária sobre o terço de férias. Como sabemos, os empregados com carteira assinada têm direito a receber um terço de seu salário por ocasião de suas férias. Há uma disputa sobre a natureza dessa remuneração: se faz parte do salário (hipótese em que a contribuição previdenciária patronal seria devida) ou indenizatória (hipótese em que aquela contribuição não seria devida).

Julgamento no STJ deu ganho de causa às empresas, razão pela qual muitas não estavam recolhendo a contribuição. Mas a coisa foi parar no STF e, até o momento, havia quatro votos a zero contra as empresas. A situação, como diria o Galvão, era dramááática.

Neste primeiro caso, o que temos? Em primeiro lugar, uma discussão bizantina sobre a natureza de uma parte do salário. Essas coisas que não fazem o mínimo sentido no mundo real (afinal, dinheiro é dinheiro), mas que se convertem em brechas a serem exploradas por teses jurídicas. Esse, no entanto, não é o principal ponto. O principal é o STF funcionar como casa revisora do STJ. Na prática, temos dois tribunais superiores, um superior ao outro, julgando as mesmas coisas. O STJ decide uma coisa e o STF decide outra. Pra quê, então, existe o STJ? Sustentamos uma máquina inútil que custa caro e atrasa o fim dos processos. E, o que é pior: dando a falsa impressão de que suas decisões valem algo.

O segundo caso refere-se ao julgamento de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da lei de patentes. O artigo diz que a patente tem validade de 20 anos a partir do pedido, enquanto o parágrafo único diz que esse tempo será de, no mínimo, 10 anos a partir da efetiva concessão da patente. Ou seja, o parágrafo permite a extensão da validade da patente pelo tempo em que o INPI sentou em cima do processo. Do barulho em torno desse parágrafo depreendemos que não é anormal o INPI demorar mais de 10 anos para a concessão de uma patente! Se demorasse menos do que isso, o parágrafo seria inócuo, a patente valeria por 20 anos e ponto.

Não vou aqui discutir a justeza do pleito, mas sim, a sua natureza. Não se está discutindo o pedido em si da patente, mas o tempo de sua validade. O STF decidirá sobre a constitucionalidade do parágrafo único. Ora, tanto o parágrafo quanto o artigo versam sobre o mesmo fenômeno: o tempo de validade da patente. Por que seria inconstitucional conceder 10 anos de validade a partir da concessão e não seria inconstitucional conceder 20 anos a partir do pedido?

Na verdade, o que temos aqui é o STF sendo chamado a modificar arbitrariamente uma lei que, se incorreta, deveria ser modificada pelo Legislativo. Trata-se claramente de uma chicana jurídica inventada pelos lobbies das companhias farmacêuticas locais para “driblar” a legislação. Foi o legislador que determinou o prazo de validade da patente, é ao legislador que cabe modificá-lo. Até entenderia o STF cancelar o direito a patente como um todo, com base em sabe-se lá qual princípio constitucional. Não concordaria, mas entenderia a decisão. No caso em tela, no entanto, qualquer decisão do STF, a não ser dizer que não tem nada a ver com isso, seria incompreensível. Depois ficamos todos a reclamar que o STF legisla no lugar do legislativo, quando são os próprios grupos de interesse que provocam o STF nesse sentido.

O que une os dois casos analisados? Um sistema jurídico (aqui entendido de maneira ampla, envolvendo operadores e legisladores) gerador de incertezas que minam a atividade produtiva. Como disse no início, a nossa pobreza não é improvisada.