Jogos de poder

Nós, aqui na planície, sabemos muito pouco do que realmente ocorre no Planalto Central. Um dia depois de o líder do governo, Ricardo Barros, afirmar que ninguém havia tido a coragem de gritar seis para o truco do presidente, Bolsonaro baixou as cartas e saiu da mão.

Ontem, eu havia defendido que, na verdade, Bolsonaro não havia gritado truco, mas apenas dado um sinal de que tinha o zap na mão, e estava pronto para gritar truco, o que seria concretizado em algum ato concreto na direção da tomada de poder. Uma decretação de estado de sítio, por exemplo. Não aconteceu nada disso. Pelo contrário: o presidente baixou as cartas, mostrando que sua mão, nessa rodada, era fraca. Ele contava com cartas até que boas, como os manifestantes nas ruas em 07/09 e os caminhoneiros bloqueando as estradas, mas, pelo desenrolar dos acontecimentos, o presidente avaliou que as cartas dos adversários eram mais fortes. Que cartas seriam essas? Talvez nunca saibamos. Certamente não foram o discurso chocho de Lira ou a altivez protocolar de Fux que o fizeram mudar de ideia. Na planície, nunca saberemos tudo o que acontece no Planalto.

Gostaria, no entanto, de chamar a atenção para o papel do ex-presidente Michel Temer neste evento. Na verdade, não para o papel em si, mas para a imagem que Bolsonaro fez questão de transmitir para a nação sobre esse papel.

Hoje em dia, graças à pandemia, temos inúmeros recursos tecnológicos que nos permitem trabalhar à distância. Portanto, não haveria nada que Temer não pudesse fazer desde a sua casa. No entanto, o presidente fez questão de mandar buscar o ex-presidente em um jato da FAB para uma reunião presencial em Brasília. Por que? A não ser que Temer tenha tido alguma outra tarefa em que sua presença fosse imprescindível (e nós, da planície, nunca saberemos qual), o que parece é que Bolsonaro quis estressar o papel de Temer para os outros atores políticos. Se tem uma coisa em que o presidente é bom é na manipulação de símbolos, e a presença de Temer em Brasília foi o símbolo da distensão, tanto quanto a carta em si.

É no mínimo curioso que Bolsonaro, um cavalo selvagem, tenha querido associar a sua imagem à de Temer, a sua antítese. Afinal, sua vitória eleitoral foi sobre o sistema simbolizado por Temer. Pode ser curioso, mas está longe de ser surpreendente. A aliança com os caciques do centrão foi na mesma linha. Claro, sempre se pode interpretar esses movimentos como uma tática para, no final, derrubar o sistema. É até possível. Como também é possível que seus adversários de truco possuam cartas das quais não tenhamos conhecimento. Afinal, estamos na planície, e pouco sabemos do que realmente ocorre no Planalto Central.

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