A politização da medicina

Por orientação do meu cardiologista, tomo aspirina há anos para prevenir doenças cardíacas. Certamente, a sua prescrição baseou-se em rigorosos estudos científicos, que agora estão sendo revistos. Os riscos não compensariam os benefícios, segundo esses novos estudos.

Impossível não lembrar da celeuma em torno do tal “tratamento precoce”. Visto inicialmente como uma esperança de tratamento, o chamado “kit Covid” foi sendo descartado pela comunidade médica por não se ter encontrado evidências de sua eficácia que compensasse os seus riscos.

A coisa tomou uma dimensão política quando o próprio presidente levantou a bandeira do tratamento precoce. Quem não se lembra de Bolsonaro levantando uma caixinha de hidroxicloroquina como se fosse um troféu? A adoção do tratamento precoce tornou-se uma escolha política, não médica.

Imagine se Bolsonaro resolvesse levantar a bandeira da aspirina como prevenção de ataques cardíacos. A opinião pública entraria em transe, em uma discussão sem fim entre “defensores da ciência” e “negacionistas”. A politização da medicina talvez tenha sido uma das piores coisas que aconteceram nessa pandemia. A relação entre médico e paciente foi bloqueada por uma disputa política, na medida em que o próprio presidente se tornou um garoto-propaganda do tratamento precoce.

Vou conversar com meu médico e, juntos, decidiremos sobre a continuidade ou não do tratamento com aspirina. É isto o que deveria acontecer com o tal kid-Covid. O resto é política.

PS.: a coisa tomou tal proporção que eu tenho receio de que meu post seja bloqueado pelos algoritmos do FB por ter citado as palavras “tratamento precoce”, “hidroxicloroquina” e “kit-Covid”. Viraram palavras proibidas, ao contrário de, sei lá, heroína ou estupro. Sinais dos tempos.

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