O teto de gastos, para todos os seus efeitos, morreu. Podemos aqui ficar discutindo se vale a pena manter a regra em estado vegetativo, aguardando um milagre médico no próximo mandato, ou se seria melhor desligar os aparelhos de vez. Mas o fato é que, para o que servia (ancorar as expectativas do mercado em relação à dívida pública) o teto não serve mais.
José Serra reconhece este fato e propõe uma nova âncora: o controle direto do endividamento público. Se o problema é a dívida, porque não controlá-la de maneira direta?
Parece fazer sentido. No entanto, antes de avaliar a proposta, um pouco de história.
Depois dos primeiros passos e tropeços do Plano Real, estabeleceu-se, em 1999, o tripé macroeconômico: metas de inflação, câmbio flutuante e superávits primários. O BC cuidaria da inflação através das taxas de juros, o câmbio flutuaria para não termos mais crises de balanço de pagamentos e os superávits primários permitiriam o controle da dívida pública ao longo do tempo. A parte fiscal do esquema funcionou muito bem de 1999 a 2011. Neste período, com o boom das commodities, conseguimos gerar aumentos de receitas (impostos) na base de 5% ao ano em termos reais (acima da inflação), o que pagava aumentos de despesas de mesma magnitude. Geramos superávits primários de 3% ao ano nesse período, ganhamos o grau de investimento, todo mundo estava feliz, como diria a Xuxa.
No entanto, a partir de 2012, com o fim do boom das commodities, o crescimento das receitas com impostos começou a perder ritmo. O governo Dilma até que fez algum esforço de redução de crescimento das despesas mas, sabe como é, difícil cortar despesas no Brasil. Ainda mais para uma mandatária que já tinha afirmado que “gasto é vida”. Resultado: os superávits primários começaram a diminuir, diminuir… até que, em 2014, o governo Dilma varreu para debaixo do tapete um déficit fiscal usando as famosas “pedaladas fiscais”. A verdade nua e crua veio à tona em 2015, quando Joaquim Levy mandou para o Congresso o primeiro orçamento com déficit primário desde o longínquo 1999. Foi um Deus nos acuda semelhante ao que aconteceu no mês passado, quando Paulo Guedes reconheceu que não tinha como não furar o teto. Na época, como agora, o mercado ficou pendurado na broxa, sem uma regra para calcular a trajetória futura da dívida pública.
Como sabemos, a solução para o mercado engolir os déficits primários foi o teto de gastos. Com essa regra (inscrita na Constituição!), a volta da produção de superávits primários era uma questão de tempo: com as despesas limitadas à inflação e as receitas crescendo com o PIB, ficava fácil entender como a dívida seria paga ao longo do tempo. O resultado foi a queda estrutural das taxas de juros.
Os mais cínicos dirão que essa regra do teto estava marcada para morrer desde o seu nascimento. Afinal, dependia de fazer o Estado brasileiro caber dentro de um orçamento, o que é quase uma contradição em termos. Os cínicos tinham razão. O teto funcionou enquanto as despesas não atingiram o limite. Foi só ameaçar emendas parlamentares e um programa populista eleitoreiro, que até o ministro mais ortodoxo que já passou pela Esplanada dos Ministérios rendeu-se à “lógica política”.
Voltemos à proposta de Serra. Estabelecer um limite para o endividamento público tem um problema sério, que é a própria necessidade de rolar a dívida. Como não produzimos superávits primários, dívidas novas são feitas para pagar dívidas antigas. Este crescimento da dívida ficaria fora do controle?
Digamos que este problema fosse superado. Qualquer regra de “teto de dívida” deveria supor a produção de superávits primários. A produção de déficits primários ad aeternum leva necessariamente, matematicamente, a uma dívida com trajetória explosiva. Portanto, a proposta de Serra nos levaria de volta, em algum momento, para o problema da geração de superávits primários. O mesmo problema enfrentado por Dilma e “resolvido” pelo teto de gastos. A vantagem do “teto de dívida” sobre o “teto de gastos” é que os superávits primários podem ser alcançados via aumento da carga tributária e não cortando despesas.
Se os gastos não são controlados, a única forma de gerar superávits primários é através da cobrança de mais impostos. O teto de gastos havia sinalizado que o ajuste fiscal brasileiro se daria pelo controle das despesas. Vimos que nem o mais ortodoxo dos governantes consegue isso. Resta o aumento da carga tributária.
Preparem seus bolsos.