Dois candidatos de partidos não tradicionais farão o 2o turno no Chile. À direita dos liberais de Piñera temos Jose Antonio Kast, à esquerda dos socialistas de Bachelet temos Gabriel Boric.
Apesar de os dois serem classificados como “radicais” logo no início da reportagem, por algum misterioso motivo o candidato à direita é classificado, na manchete, como “ultradireita”, enquanto o candidato à esquerda é classificado simplesmente como “esquerda”. Por algum misterioso motivo, não foi chamado de “extrema-esquerda”, muito menos de “ultraesquerda”.
Não sei o que significa exatamente “ultradireita”, mas desconfio que esteja ainda mais à direita do que “extrema-direita”. Qual seria a próxima gradação? Mega-blaster direita?
Para justificar a nomenclatura “esquerda” para o candidato da esquerda, em determinado momento a reportagem diz que Bachelet é de “centro-esquerda”. Piñera não seria, então, de “centro-direita” para justificar uma simples classificação de “direita” para o candidato da direita?
Enfim, sempre fico confuso com essas nomenclaturas do espectro ideológico-politico. Mas uma coisa me parece clara: as palavras têm sentido e não são escolhidas aleatoriamente.
Reportagem do Estadão nos brinda com mais um caso de “eficiência” do sistema judiciário brasileiro. Trata-se do julgamento de desembargadores do ES, acusados de venderem sentenças. 11 anos depois, o processo está longe do fim.
Mas o que me chamou a atenção não foi nem a lentidão, já em si um escárnio. O detalhe sórdido é o porque o julgamento foi, mais uma vez, adiado.
A subprocuradora da República, escalada pela PGR para representar a acusação, não estava presente. E por que não estava presente? Porque viajou para Portugal. E é aí que o detalhe faz toda a diferença.
A subprocuradora foi a um evento organizado por um instituto de propriedade do ministro do STF Gilmar Mendes, com sede em Lisboa. Nem vou entrar aqui no labirinto dos motivos que levam um ministro do STF a ter um negócio em Lisboa. Meu ponto é outro.
Neste evento, está presente a nata da política brasileira, como Arthur Lira e Gilberto Kassab, além de magistrados dos mais diversos quilates, incluindo a subprocuradora da República. Todos reunidos em Portugal, com passagens e estadia pagas pelo erário brasileiro. Então, vou repetir para quem não entendeu: o imposto que você recolhe está servindo para pagar as custas dos participantes brasileiros de um evento em Portugal para discutir os “problemas brasileiros”. Enquanto isso, um processo contra desembargadores está parado há 11 anos nos escaninhos da República.
Bom dia pra você que, como eu, acordou em uma segunda-feira para ir trabalhar e gerar a renda que será gasta em convescotes em Lisboa.
As grandes linhas de pensamento econômico se definem pelo papel que dão ao Estado na economia. O Estado é a forma que os seres humanos encontraram para resolver os seus problemas comuns. Trata-se de uma instância superior, com poderes especiais, exercidos por pessoas que chegam ao poder de acordo com regras estabelecidas de comum acordo ou através da força bruta. As relações econômicas entre os seres humanos são dos maiores problemas a que o Estado é chamado a intervir.
Neste continuum da ação do Estado na economia, costumo identificar quatro pontos de referência, ilustrados pela figura abaixo:
Marx previu que a centralização de tudo no Estado seria um estágio intermediário necessário para que o proletariado finalmente tomasse o poder. Uma vez que todos os meios de produção pertencessem ao Estado, este, em determinado momento, não seria mais necessário, pois o Estado nada mais era do que a encarnação do proletariado. O que se viu é que nunca se passou para a fase seguinte do jogo.
Isto nos leva ao outro extremo, o Anarquismo. Etimologicamente, anarquia significa ausência de hierarquia, ou de governo. Como disse Bakunin, um dos principais pensadores anarquistas, “quem diz Estado, diz necessariamente dominação e, em consequência, escravidão; um Estado sem escravidão, declarada ou disfarçada, é inconcebível; eis porque somos inimigos do Estado”. Mas, como em tudo na vida, os extremos se tocam. Os anarquistas estiveram associados aos principais movimentos sindicais do início do século XX, lado a lado com os comunistas, propondo o fim do capitalismo como solução para a exploração do homem pelo homem. No Estado capitalista, uma minoria usa os instrumentos de poder para oprimir a maioria. Para comunistas e anarquistas, o problema está no Estado. Ambos propõem o fim do Estado, mas somente os comunistas têm um roadmap que lhes permite tomar o poder. Como vimos, o plano comunista de eliminar o Estado não foi em frente, muito pelo contrário. No caso do anarquismo, como eliminar o Estado completamente não é em si um plano factível, nunca se constituíram em uma força política relevante.
O que nos interessa, pelas suas consequências práticas, é o que vai no meio. Temos duas formas intermediárias de intervenção do Estado no domínio econômico: o Nivelamento e a Coordenação.
No Nivelamento, o Estado serve apenas para nivelar o campo de jogo entre os diversos agentes da sociedade. Temos duas dimensões deste nivelamento:
Leis e enforcement da lei (força policial e sistema judiciário), que permitem que os agentes econômicos possam ter segurança sobre quais são as regras do jogo, e que essas regras serão obedecidas por todos.
Mitigação do gap de renda, de modo que as pessoas que tiveram azar de nascer em famílias desfavorecidas economicamente, têm no Estado um suporte para preencher este gap em relação aos nascidos em famílias mais favorecidas. Este suporte se traduz em educação, saúde, saneamento básico, enfim, investimentos na capacitação do capital humano. Estão nesta categoria as diversas bolsas-auxílio, que colocam dinheiro no bolso dos mais pobres.
Por fim, a Coordenação. Neste ponto, ao Estado se lhe confere o poder de coordenar os agentes privados, de acordo com planos concebidos com a técnica mais apurada. Não se trata de centralização, os meios de produção são privados, mas a atuação dos agentes privados é condicionada e dirigida por regras discricionárias do Estado.
Com a queda dos principais regimes comunistas no início da década de 90, sobraram poucos exemplos de Estados puramente centralizados. Talvez Coreia do Norte. Até Cuba permitiu a existência de empresas privadas, ainda que de maneira bastante controlada. Então, a maior parte dos regimes econômicos do mundo, hoje, oscila entre o modelo de Coordenação e o modelo de Nivelamento, com algumas pitadas de Centralização, como a China.
Para quem quer ter uma noção histórica sobre as idas e vindas entre os modelos de Coordenação e Nivelamento, sugiro o excelente livro Keynes vs. Hayek, que conta a história de dois dos economistas mais influentes do século XX.
Keynes é o papa da intervenção estatal na economia, enquanto Hayek defendia a soberania das decisões individuais e empresariais de investimento e consumo como a única forma de criar riqueza permanente.
Keynes foi o criador da macroeconomia, ou seja, a explicação do comportamento dos grandes agregados monetários, do câmbio, da taxa de juros, enfim, de tudo o que afeta a economia de um país de maneira global. O economista inglês formula suas teorias olhando o mundo desde cima, do ponto de vista do Estado. Por isso, é o Estado que tem a chave do crescimento e da estabilidade econômica.
Keynes foi um crítico acerbo das penalizações à Alemanha após a 1ª Guerra Mundial, e o Plano Marshall, que permitiu a reconstrução da Europa após a 2ª Guerra, deve muito à sua pregação em favor do investimento estatal. Apesar de o New Deal de Roosevelt ter se dado em linha com as teorias de Keynes, foi nos 30 anos após a 2ª Guerra que o keynesianismo atingiu seu apogeu. O papel do Estado era inquestionável, com montanhas de recursos estatais sendo investidos em infraestrutura e na corrida espacial. Até congelamento de preços houve, nos estertores desse ciclo, com Nixon.
Com a grande estagflação da década de 70, o keynesianismo cai em desgraça, dando lugar a Hayek e seus discípulos, sendo o mais famoso Milton Friedman.
Hayek analisava a economia do ponto de vista das decisões das pessoas e das empresas. É o que chamamos de microeconomia. Seu ponto de vista é de baixo para cima, sendo o Estado apenas um mal necessário. Suas teorias eram extremamente obscuras, não contando com o charme das grandes explicações macroeconômicas de Keynes. Hayek ficou famoso não pelas suas teorias econômicas, mas por conta de um livrinho mais sociológico do que econômico, O Caminho da Servidão, em que desfia o seu ceticismo com relação ao dirigismo econômico, que inexoravelmente resultaria no fim da liberdade do indivíduo.
Keynes e Hayek representam o eterno debate sobre o papel do Estado na economia. Eu me coloco do lado daqueles que defendem que o Estado tem um papel a cumprir no Nivelamento de oportunidades, mas não na Coordenação dos agentes econômicos.
O falso debate
Uma das formas de se ganhar um debate é imputar ao seu adversário uma tese absurda, contrapor esta tese e dizer que ganhou a discussão.
Este artifício é muito comum no debate sobre o papel do Estado na economia. Por exemplo, costuma-se apontar para uma favela e dizer que aquilo é o resultado de um Estado mínimo. Aquela situação teria sido criada pela ausência do Estado, não pelo seu excesso. Outro exemplo: as grandes crises econômicas e financeiras. Acusa-se os que defendem um Estado mínimo de que sua convicção só vai até a página 2. Quando ocorre uma crise, todos saem correndo a pedir penico ao papai Estado.
Por que este é um falso debate? Por que defender um determinado papel para o Estado não significa defender a ausência do Estado. Pelo contrário.
No primeiro exemplo, a ausência do Estado que cria a favela tem sua origem justamente no foco errado do papel do Estado. Enquanto se perde em políticas de coordenação da atividade econômica, as ações de nivelamento de oportunidades são fracas. Aliás, as políticas de coordenação, que normalmente são sequestradas pelos mais ricos, drenam os recursos escassos do Estado, sobrando pouco para as políticas de nivelamento. Veremos mais sobre isso quando abordarmos o caso específico do Brasil.
No caso da atuação dos governos nas grandes crises econômicas, não cabe reparo, ainda que sua intensidade possa ser discutida. Aqui estamos falando da suavização dos ciclos econômicos típicos da economia capitalista. A atuação dos Bancos Centrais e, em casos extremos, a edição de pacotes fiscais, servem para minimizar a dor das oscilações econômicas. Ainda que se possa argumentar que esta não seja a forma ótima de fomentar o crescimento econômico (afinal, ao suavizar o ciclo, o Estado está prolongando a vida de negócios pouco produtivos), não é viável politicamente deixar que recessões se aprofundem sem limites. Então, a intervenção do Estado nos ciclos econômicos talvez seja o único caso em que algum nível de coordenação se justifique. No entanto, usar esse caso particular para justificar a coordenação estatal de toda atividade econômica vai uma distância galáctica.
O Brasil neste debate
No momento em que escrevo este artigo, está sendo debatido no Congresso a extensão da isenção da contribuição patronal para o INSS de 17 setores econômicos escolhidos. A ideia é fomentar empregos, na medida em que esses 17 setores englobam as empresas que supostamente mais empregam no país.
Esta isenção é um exemplo perfeito do Estado como coordenador da atividade econômica. Discricionariamente, o Estado escolheu 17 setores econômicos, e os brindou com uma isenção de impostos. Por que não 10 setores? Ou 30? Será este o melhor uso possível para o uso dos recursos escassos do Estado? Não haveria outras formas menos onerosas de criar empregos?
Temos um fetiche pelo Estado coordenador. São inúmeras as políticas discricionárias que beneficiam setores e corporações que têm melhor trânsito em Brasília. Em artigo recente na Folha de São Paulo, o economista Marcos Mendes lista, além da isenção da folha de pagamentos, outras 5 políticas governamentais que elegem vencedores às custas do restante da sociedade: a inclusão dos caminhoneiros no regime MEI, o próprio regime MEI (apenas 16% dos participantes estão entre os 50% mais pobres), a Zona Franca de Manaus, o Rota 2030 e o programa Renovabio.
Poderíamos ficar aqui horas citando programas, regimes especiais, subsídios, enfim, instrumentos do Estado para coordenar a atividade econômica. O Brasil inclina-se firmemente para a Coordenação, com certas pitadas de Centralização. A maior empresa brasileira é uma estatal e, dos 5 maiores bancos, dois são estatais. Até pouco tempo atrás, era um banco estatal que dominava o mercado de capitais e os maiores fundos de pensão são ligados a empresas estatais.
Dá-se pouco peso para o Nivelamento: a educação pública é, de maneira geral, de qualidade sofrível, idem o atendimento de saúde e o saneamento básico. A exceção é o ensino superior público, de excelente qualidade, mas que atende principalmente aos filhos da classe média, contribuindo ainda mais para a concentração de renda. As cotas sociais são uma tentativa de desentortar o pepino depois de crescido. As várias bolsas-auxílio pagas para os mais pobres (um esforço de nivelamento) são uma fração do que é gasto com os esforços de coordenação via regimes especiais e subsídios.
A Coordenação pressupõe um Estado que consegue fazer uma leitura perfeita das consequências de todos os seus atos sobre a atividade dos agentes econômicos. Além disso, é necessária uma impessoalidade que, na prática, é impossível de alcançar. As bancadas no Congresso defendem seus interesses próprios antes do que os interesses da sociedade, sequestrando os recursos escassos do Estado em seu favor. Mesmo esforços meritórios de Nivelamento, como o investimento em educação ou no sistema de justiça, são muitas vezes sequestrados pelas corporações dos funcionários públicos, de forma que a eficiência do gasto fica muito aquém daquilo que poderia ser caso houvesse real interesse em mitigar os efeitos da desigualdade de oportunidades.
O que precisamos fazer?
O Brasil entrou de cabeça na armadilha da renda média, buraco em que se enfiam países que não conseguem aumentar a sua produtividade a partir de um determinado ponto, sequestrados que se encontram pelo capitalismo de laços e pelas diversas corporações que se apoderam do Estado.
O próximo presidente da República (sim, é sempre o próximo) deveria focar em políticas de Nivelamento, reduzindo as políticas de Coordenação. Ao facilitar horizontalmente a vida de todas as empresas e não somente de algumas escolhidas, a própria dinâmica econômica se encarregará de escolher as vencedoras. E, ao proporcionar oportunidades iguais para indivíduos de origens diferentes, a meritocracia terá uma base saudável para que os melhores contribuam para o aumento da produtividade da economia.
Somente assim conseguiremos acumular o capital humano e o capital físico necessários para dar o salto de produtividade que nos permitirá atingir o próximo estágio de crescimento econômico e de renda per capita.
Quando estou discutindo investimentos com alguém, é relativamente comum ouvir coisas do tipo: “ação de banco é excelente investimento, banco nunca perde!” ou “o que você acha de investir em Ambev? Afinal, as pessoas sempre estão bebendo cerveja!”.
Há uma confusão danada entre a atividade das empresas e a sua viabilidade econômica. As pessoas podem estar comprando pets como se não houvesse amanhã. Isso não significa que investir em empresas do setor de pets seja necessariamente lucrativo. Tudo depende de como a coisa é administrada.
Este fato me veio à mente quando li o artigo de Fareed Zakaria, comemorando o pacote trilionário de investimentos em infraestrutura recém aprovado pelo governo Biden. Gosto do Zakaria quando se trata de análise política, mas o articulista já demonstrou em mais de uma ocasião que, em se tratando de economia, é mais raso do que um pires.
A frase que resume o artigo está destacada abaixo: o investimento em infraestrutura faz a economia girar e é um sinal de que a sociedade está pensando no futuro.
Platitudes equivalentes a dizer que bancos sempre ganham dinheiro, as pessoas sempre bebem cerveja e as famílias estão comprando muitos pets. O ponto relevante, e que não é tocado no artigo, é: como esses investimentos serão administrados.
Que o investimento em infraestrutura é importantíssimo, não resta dúvida. E que seus benefícios vão muito além do lucro que pode ser obtido pelo empreendimento em si, também é ponto pacífico. Uma estrada, por exemplo, beneficia mais pessoas do que os seus usuários. Justifica-se, então, algum nível de subsídio, financiado por toda a sociedade, através da coleta de impostos.
Isso é uma coisa. Outra coisa é o Estado encarregar-se da construção e da posterior gestão do equipamento. A única justificativa para isso seria a crença de que o Estado administra melhor esse tipo de investimento do que a iniciativa privada. Ou seja, que o Estado será capaz de construir mais com menos recursos. Acho que não preciso desenvolver nenhum raciocínio sofisticado para refutar essa ideia.
O articulista levanta o conhecido ponto de que a infraestrutura americana está caindo aos pedaços e há muito precisa de investimentos. Sem dúvida. No entanto, é preciso entender como se chegou nesse ponto.
Zakaria cita dados de investimentos públicos em infraestrutura desde a década de 50, mostrando que esses investimentos começaram a recuar na década de 70. O que aconteceu? O que estamos cansados de observar no Brasil: grandes obras são construídas pelo Estado, sem se ter a preocupação de como se vai fazer a posterior manutenção. É como comprar um carro e “esquecer-se” de que é necessário gastar dinheiro com combustível e manutenção. Aí, o dinheiro acaba (o dinheiro público sempre acaba, são infinitas as reivindicações sociais e finitos os recursos), e aquela bela obra vai sendo presa fácil da passagem do tempo. Fora a ineficiência clássica da administração estatal. Para ilustrar o ponto, se ainda for necessário para convencer alguém, basta comparar as estradas brasileiras administradas pela iniciativa privada com aquelas gerenciadas pelo governo. I rest my case.
O Estado não precisa, ele mesmo, construir e administrar infraestrutura. Conceder a empresas privadas a construção e administração é muito mais eficiente. Externalidades positivas podem ser compensadas via subsídios no financiamento do capital ou nas tarifas.
Alguns apontarão dois problemas nesse modelo: o cálculo do subsídio e o lucro das empresas, que é inexistente quando o Estado se encarrega de construir e administrar. O cálculo do subsídio ideal, de fato, é tarefa complexa. No entanto, melhor explicitar o subsídio, submetendo-o ao escrutínio da sociedade, do que não saber quanto está sendo pago para ter aquele serviço, que é o que acontece quando o dinheiro gasto pelo governo embute os mesmos subsídios, só que implícitos.
Quanto ao lucro das empresas, aí é uma questão de fé: eu acredito que, mesmo cobrando seu lucro, empresas privadas gastarão menos dinheiro dos contribuintes do que o governo, com todas as suas ineficiências. Mas pode ser que outros acreditem no inverso. Um ponto, no entanto, é pacífico: haverá uma grande festa de construção de infraestrutura nos próximos anos. Qual será o estado desses equipamentos daqui a 30 anos?
É, sem dúvida, muito grave o que está acontecendo no INEP, às vésperas do ENEM. Isso traz muita insegurança com relação a um dos maiores exames vestibulares do mundo.
Muitos especialistas têm se manifestado. O maior deles é o ex-ministro da educação, Fernando Haddad.
Haddad não tem experiência só de ouvir dizer não. Ele era o ministro da educação nas duas únicas ocasiões conhecidas em que houve vazamento da prova, e que levaram ao cancelamento do certame: um geral em 2009 e outro circunscrito a estudantes de uma escola, em 2011. Taí alguém que pode falar com propriedade sobre segurança da prova.
Quando Haddad se candidatou à prefeitura de São Paulo em 2012, pensei com meus botões: não tem a mínima chance, essas falhas administrativas do ENEM colaram nele, não vamos entregar a direção da cidade a um incompetente desse quilate. Bem, não só o fizemos, como fomos capazes, os brasileiros, de colocar o incompetente no 2o turno das eleições presidenciais 6 anos depois.
Não gosto de “whataboutismo”, vício de pensamento que tem sua mais típica expressão no “e o PT?”, para justificar o injustificável. No caso, não há desculpa para o que está acontecendo no INEP. Mas Haddad certamente não é a pessoa que pode sair por aí dando lição de moral sobre segurança da prova.
Quem não está muito por dentro do mercado financeiro pode não saber o significado desse touro em frente à B3, antiga Bovespa.
As reportagens que li não trazem a explicação. Então, vamos lá.
“Mercado de touro” (bull market) é a descrição do mercado quando está em alta. Já “mercado de urso” (bear market) é o mercado quando está em baixa. Por que isso? Simples: enquanto o touro mata a sua vítima jogando-a para cima com seus chifres, o urso mata a sua vítima jogando-a para baixo com suas patas. O mercado é, assim, uma arena de vida e morte.
Interessante que o urso não tem lugar em frente às bolsas do mundo. Todo mundo quer a alta, ninguém quer a baixa. Mas é possível ganhar dinheiro na baixa também. O filme A Grande Aposta, baseado no livro The Big Short, de Michael Lewis, mostra como investidores ficaram milionários apostando na baixa do mercado de hipotecas na crise do sub-prime, em 2008. Mas concordo que não é uma maneira muito simpática de ganhar dinheiro, às custas da desgraça alheia.
Por isso, celebramos o touro, a alta, a construção de riqueza. O urso significa o contrário e, assim como a morte, preferimos não olhá-lo de frente. Mas trata-se de uma realidade da vida. Na construção da riqueza, muitos ursos vão aparecer no caminho. É preciso ter paciência e serenidade nesses momentos, sabendo-se que o touro um dia vai voltar. Sempre volta.
Fernando Morais acaba de lançar o primeiro volume de uma biografia de Lula. Do autor, li a excelente biografia de Assis Chateaubriand. Deve ser um livro bem escrito.
Lembro de uma entrevista de Fernando Morais na rádio CBN há muitos anos. Perguntado sobre seu apoio ao regime cubano, o autor disse mais ou menos o seguinte: “no aeroporto de Havana há um grande mural onde se lê: há milhões de crianças dormindo nas ruas pelo mundo. Nenhuma delas em Cuba”. Trata-se de um autor com lado.
Mas não é sobre o livro ou o seu autor que quero falar. Gostaria de destacar a resenha em si, do jornalista Marcelo Godoy. Ao invés de simplesmente fazer um resumo do livro ou de analisar seus méritos literários, o jornalista chama a atenção para a óbvia militância política por trás da pretensa “obra isenta”. O último parágrafo, destacado abaixo, resume os argumentos. A desculpa do autor, de que não quer interferir no debate eleitoral, acrescenta o insulto à injúria.
Fica aqui meus parabéns ao jornalista Marcelo Godoy, que não se deixou levar pelas auras do autor e do biografado e mandou a real sobre o verdadeiro objetivo dessa “biografia”. Que deveria, para sermos corretos, ser mais precisamente classificada como hagiografia.
Reportagem de capa do Estadão comemora um marco da produção de energia solar no Brasil: são 12 GW de capacidade instalada, quase uma Itaipu. Em tempos de Cop26 não é pouca coisa! Até esquecemos os subsídios que permitiram atingir essa marca.
Incentivados pela economia proporcionada pela energia solar autogerada, os brasileiros aderiram em massa à energia verde. Do total de 12 GW, 7,3 GW (60%) são originados em painéis solares instalados em telhados de casas. Isso representa cerca de 4% de toda a energia produzida no Brasil. Seria tudo ótimo, se esse modelo pusesse ser continuamente replicado. Só que não dá.
Vamos ver como a coisa funciona. Para que a eletricidade chegue até os eletrodomésticos de sua casa, é necessária a atuação de três tipos de empresas: as geradoras, as transmissoras e as distribuidoras. As geradoras detém as usinas hidrelétricas, como Itaipu e Belo Monte, além das termoelétricas. As transmissoras constroem os linhões de transmissão, que levam a eletricidade desde os grandes parques geradores até as cidades. Por fim, as distribuidoras se encarregam da chamada “última milha”, que é levar a eletricidade até as casas das pessoas.
A conta de luz que você recebe em casa é sempre da distribuidora. Nela está a cobrança do total da conta de luz. Esse total embute não só a remuneração da distribuidora, como também da geradora e da transmissora, além dos impostos. Veja abaixo um exemplo de conta, no caso, da Neoenergia, em que essa partilha encontra-se discriminada.
A distribuidora é responsável por coletar o valor da conta de luz e repassar os montantes correspondentes para a transmissora, a geradora e o governo (impostos).
Pois bem, o que acontece com a pessoa que instala um painel solar em sua casa? Simples: ela não paga pela energia que gera. Digamos que o consumo de uma casa seja de 500 kWh por mês. O painel solar, no entanto, gera 200 kWh por mês. Neste caso, o feliz proprietário do painel solar pagará apenas pelo consumo de 300 kWh. Bom, não é?
Só tem um problema: nesse esquema, a distribuidora não é remunerada. A coisa é simples: a energia gerada pelo painel solar é “injetada” no sistema da distribuidora, que distribui aquela eletricidade para outras casas. Funciona mais ou menos como se uma família produzisse em casa, digamos, toda a carne que consome durante o mês. No entanto, essa família não tem um freezer para guardar a carne produzida. Então, pede “emprestado” o freezer do supermercado da rua, podendo pegar a carne que produziu na medida de suas necessidades. Obviamente, o supermercado sai no prejuízo, pois tem toda uma infraestrutura montada para atender seus clientes, mas não pode cobrar desses que usam o seu freezer, ocupando o espaço daqueles que pagam pela mercadoria. No limite, se todos produzissem a carne (ou a energia) que consomem, o supermercado (ou a distribuidora) não teria como se remunerar. Em princípio, se a família tivesse um freezer tamanho família, o problema não existiria. Da mesma forma, se essas casas que têm painéis solares tivessem baterias para armazenar a energia gerada, não haveria problema. No final do dia, a rede da distribuidora funciona como uma enorme bateria para essas casas.
Obviamente, a distribuidora não sai no prejuízo. O seu contrato prevê a remuneração pelo total da energia fornecida, o que inclui a energia gerada pelos painéis solares. Quem paga a conta? Exato, todos nós. Observe também, na conta acima, um item obscuro chamado “encargos setoriais”. O que é isso, pode estar você se perguntando. Isso é exatamente os vários subsídios do setor elétrico, desde o programa Luz para Todos até o ressarcimento das distribuidoras que deixam de cobrar a energia solar. Esta conta vem subindo de maneira relevante, e será tanto maior quanto mais painéis solares vermos por aí.
Hoje, a produção de energia solar já está mais barata do que a produção de energia hidroelétrica. No último leilão de energia nova realizada pela ANEEL, o preço da energia hidrelétrica saiu por R$ 219/MWh, enquanto a energia solar saiu por R$ 125/MWh. Isso foi possível pelo grande barateamento dos equipamentos nos últimos anos. Se os painéis estão mais baratos, mas ainda são necessários 5 anos para atingir o breakeven de um projeto de instalação de painéis solares, alguém aí está ganhando. E não são os consumidores.
Já passou da hora, portanto, de acabar com esse subsídio cruzado. Um projeto de fim desses subsídios foi aprovado na Câmara em agosto, com um loooongo período de adaptação que vai até 2045 para os que já têm o sistema instalado e 2029 para os novos sistemas. Até lá, continuaremos, os que não temos o privilégio de ter um telhado próprio para instalar um painel solar, inclusive os favelados, a pagar a eletricidade dos que têm.
Esse assunto finanças eticamente responsáveis me fascina. Ontem publiquei um post sobre a queda das ações da Natura, empresa nota 10 em sustentabilidade. Os investidores não pareceram muito sensibilizados pelo tema. Aliás, os clientes da Natura tampouco, caso contrário teriam topado pagar mais caro pelos seus produtos “corretos”. Não foi o que se viu, a julgar pelo balanço da empresa.
Hoje, um banqueiro catalão defende um “banco ético”. Na busca de exemplos do que seria essa tal “ética” das finanças, cita o caso de uma camisa de grife que usa mão de obra que trabalha em “condições desumanas” em Bangladesh. As pessoas deveriam evitar essa grife, por ser pouco ético.
Vou mandar a real aqui, e já aviso que pode ferir a suscetibilidade de corações mais sensíveis: se você deixar de comprar a camisa fabricada com a mão de obra de Bangladesh, essa mesma mão de obra ficará desempregada e perderá o pouco de renda que tem. A hipótese de que a fábrica da camisa irá pagar mais para essa mão de obra não existe. A empresa só tem uma fábrica em Bangladesh justamente porque a mão de obra é barata. Não há hipótese de usar mão de obra em Bangladesh com salários espanhóis.
A questão é: porque os salários em Bangladesh são menores do que na Espanha? Ora, porque é um país mais pobre, onde a mão de obra é, em geral, menos qualificada. Vai de cada país, através de decisões econômicas acertadas, sair do estágio de fábrica do mundo para o estágio de produtor de tecnologia. A China está conseguindo fazer isso, tanto que várias fábricas estão saindo de lá e se mudando para países como Vietnam, Camboja e Bangladesh.
Portanto, ser fabricante de camisas é um primeiro estágio. Não existe isso de saltar estágios, cada país precisa conquistar seu lugar ao sol. As tais “finanças éticas” não vão mudar essa realidade. Pelo contrário: ao deixar de consumir produtos fabricados por esses países, estarão negando a eles o ponto de partida. O que darão em troca? Cestas básicas?
Um segundo ponto, e que sempre levanto, é o seguinte: “ética” custa caro. Não comprar camisas fabricadas em Bangladesh significa pagar mais caro pelo produto. Quantos podem se dar a esse luxo? E essa lógica vale para toda a economia “ética”, dos orgânicos à energia limpa. Novamente, os mais pobres estariam alijados da sociedade de consumo caso a “ética” prevalecesse como lógica de mercado.
Termino com a frase de efeito do entrevistado: “o dinheiro não pode valer mais do que as pessoas”. Uma frase que arranca suspiros, mas que, se você tentar entender o que significa, se desmancha no ar. É o mesmo que dizer que “saúde não tem preço”, como se não custasse nada.
Talvez o entrevistado tenha querido dizer que “os lucros não podem valer mais do que as pessoas”. Aí sim, temos uma discussão. Os lucros são o combustível do capitalismo, aquilo que permite às empresas levantarem financiamento para as suas atividades. Já tivemos experimentos de sociedades que tentaram viver sem o lucro capitalista, e vimos no que deu. Sempre haverá a discussão de se os lucros são excessivos ou não. Sou daqueles que acreditam que o lucro excessivo chama concorrência, ainda mais no mercado de camisas. Ou seja, o lucro excessivo não é permanente. Mas concordo que se trata de uma discussão pertinente. O que não dá é contrapor lucro a pessoas, como se as pessoas fossem prejudicadas pelos lucros. Nada mais distante da realidade: sem lucros, não haveria empreendedorismo e, sem empreendedorismo, estaríamos vários degraus abaixo em termos de bem-estar. Inclusive, e principalmente, os mais pobres.