A inutilidade das sanções econômicas

O Estadão traz hoje artigo da ex-chanceler da Costa Rica entre 2014 e 2019, condenando as “eleições” na Nicarágua, os recorrentes ataques do regime de Daniel Ortega aos direitos humanos e à democracia e clamando por sanções internacionais.

Bem, em primeiro lugar, já vimos que sanções econômicas são absolutamente ineficazes na remoção de ditadoras de plantão, principalmente quando podem contar com amigos desinteressados, como China e Rússia. Venezuela e Cuba estão aí para provar a tese.

Mas gostaria de chamar a atenção para um segundo ponto. Em junho último, a Assembleia Geral da ONU levou à votação, pela 29a vez, uma declaração de condenação do embargo econômico norte-americano à Cuba. Como vem acontecendo nas últimas votações, apenas EUA e Israel votaram contra. Brasil, ao lado de Colômbia e Ucrânia, se absteve. 184 países votaram a favor, incluindo a Costa Rica da ex-chanceler autora do artigo.

Ou seja, temos o seguinte roteiro: uma ditadura se instala, os EUA patrocinam sanções e, depois de alguns anos, tendo o ditador se mantido firme em sua posição, os EUA são demonizados. É questão de tempo para que a Venezuela leve à votação da ONU uma resolução de condenação das sanções que está sofrendo.

Realmente não entendo porque os americanos ainda perdem tempo tentando derrubar ditadores latino-americanos por meio de sanções econômicas. Além de não funcionarem, são o álibi perfeito para explicar a miséria da população. Além, claro, de dar pasto para China e Rússia.

Entendo que levantar o embargo a Cuba, hoje, envolve mais do que questões econômicas. Trata-se de uma simbologia importante e, portanto, não é fácil voltar atrás. Mas nos casos de Venezuela e Nicarágua, ainda dá tempo de fazer ouvidos moucos a quem exige sanções, como a ex-chanceler da Costa Rica. Pois, daqui a alguns anos, estes mesmos que pedem sanções estarão condenando os EUA pelo mesmo motivo.

Os “afirmacionistas” do clima

O Estadão tem agora uma sessão para desmascarar “fake news”. Na manchete da página, a condenação aos “negacionistas do clima”, aqueles que não acreditam que as alterações climáticas são causadas pela ação humana.

Nem vou aqui discutir a natureza do aquecimento global. Afinal, se há “forte consenso científico”, quem sou eu para negá-lo. Meu ponto é outro, e vou usar o exemplo do negacionismo das vacinas para ilustra-lo.

Atribuir às vacinas um risco maior do que elas efetivamente têm é um risco para a saúde pública, pois a lógica da vacinação está na máxima cobertura populacional possível. Quem se vacina, age de acordo com o consenso científico e efetivamente contribui para o fim da pandemia. Quem não se vacina, contribui para que a doença fique mais tempo entre nós. Neste caso, há uma ligação direta entre “fake news” e eficácia da política pública.

Voltemos à questão do meio ambiente. Se fizéssemos um paralelo com a vacinação, todos os que seguem o “consenso científico” deveriam estar, neste momento, evitando tudo o que, direta ou indiretamente, emite gases de efeito estufa. A gritaria em torno dos preços dos combustíveis, cuja alta deveria estar sendo comemorada por todos os que defendem o clima, é prova suficiente de que não é bem assim.

Isso me faz lembrar um e-mail que recebi certa vez com a mensagem abaixo da assinatura do remetente: “antes de imprimir, pense no meio ambiente”. Achei graça daquilo. Então, podia imprimir, desde que se “pensasse” no meio ambiente antes. Como eu precisava daquela mensagem impressa, pensei bem forte no meio ambiente antes e tasquei um print. Acho que aquele pensamento deve ter feito brotar umas três árvores, de tão forte que foi.

A mensagem não era “evite imprimir”, mas sim, “pense no meio ambiente”. É um pouco como a Cop26 ou essa matéria sobre “fake news climáticas”. Ao contrário das vacinas, em que as pessoas que seguem o consenso científico agem de acordo vacinando-se, no caso do clima a coisa pouco passa de “pense no meio ambiente antes de dar partida no seu carro hoje de manhã”. O fato é que os “afirmacionistas do clima” contribuem da mesma forma para a sua degeneração que os “negacionistas”. Neste caso, “fake news” têm pouco poder de mudar as coisas. Com o perdão da expressão, o buraco é bem mais embaixo.

Talvez seja melhor rever seus conceitos

Entrevista com Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Principais pontos:

– A Abag patrocinou um manifesto condenando as manifestações de 7 de setembro. O pedido de desculpas do presidente após o evento demonstra que estávamos corretos.

– Nunca houve unidade política no agronegócio, portanto não houve racha. Essa unidade é criação da imprensa.

– Há muitos agronegócios no Brasil, não é só plantador de soja e criador de boi.

– Bolsonaro hoje deve ter apoio de 30% dos empresários de agronegócios, mais ou menos o apoio que tem na sociedade.

– Alguns dirigentes de associações de agronegócios que apoiam Bolsonaro às vezes o fazem também por serem políticos e terem interesses partidários.

– A política externa do governo Bolsonaro foi um desastre para os exportadores ao demonizar a China. Perdemos a confiança de nosso principal parceiro. O antigo chanceler era amador, melhorou muito com o novo.

– Foi salutar a não ida de Bolsonaro para a Cop26, pois o presidente não une, divide. A equipe brasileira que está na conferência é de altíssimo nível e vai dar conta do recado.

– Um candidato de 3a via tem chance, não precisa ter pressa em encontrá-lo. (Essa foi a manchete escolhida pelo jornal. Na minha opinião, a coisa mais desinteressante que ele disse)

Minha leitura: a visão do presidente da Abag representa uma parcela do PIB brasileiro. Se essa parcela é relevante ou não, cada um vai ter a sua opinião. O que não adianta é criticar essa visão sem entender como a ela se chegou. Escutar é o primeiro passo para corrigir rumos, se é que há interesse em corrigi-los.

Posso adiantar que uma parte do mercado financeiro compartilha dessa visão dentro do seu próprio contexto. Se Bolsonaro pensa que o PIB brasileiro vai com ele “no matter what” e basta conquistar os votos dos miseráveis com o novo bolsa família, talvez seja melhor rever os seus conceitos.

Uma obra de muitas mãos

Esse imbróglio do ginásio do Ibirapuera me lembra o filme Aquarius. No filme, Sonia Braga faz o papel de uma viúva que se recusa a vender o seu apartamento para uma incorporadora, que quer usar o terreno para construir um prédio muito mais alto no lugar. É uma ode à resistência à especulação imobiliária.

O economista Samuel Pessoa escreveu à época um artigo antológico na Folha a respeito desse filme. Entre outras considerações, Pessoa lembra que a atitude da protagonista impediu a geração de muitos empregos na construção civil, além do desenvolvimento de atividades econômicas que gerariam mais impostos, que, no final da linha, poderiam ser usados para mitigar a situação de pessoas mais pobres. Tudo isso, em nome de uma resistência romântica ao “grande capitalismo”.

O Complexo do Ibirapuera está se deteriorando porque o poder público não tem recursos suficientes para mantê-lo. Ou melhor, tem, desde que retire de outras áreas da administração. A reportagem está cheia de aspas de ex-atletas e arquitetos, todos muito preocupados com o, digamos, ataque à nossa “memória esportiva”. Claro, os entrevistados provavelmente não dependem de um emprego na construção civil ou não usam escolas ou hospitais públicos. O projeto do governo do estado é construir uma arena esportiva nova e oferecer a área para a construção de um shopping center e um complexo de escritórios em uma das regiões mais valorizadas da cidade. A resistência vem de quem não depende dos empregos gerados pela iniciativa. Aqueles que dependem nem sabem que continuarão desempregados para que a nossa “memória esportiva” seja preservada.

A má distribuição de renda no Brasil é uma obra realizada a muitas mãos.

Educação e crescimento econômico

Este artigo é muito, mas muito interessante mesmo. Desconstrói, com números, o lugar comum de que o problema do Brasil é o baixo investimento em educação e aponta, no último parágrafo, os reais gargalos que impedem o crescimento econômico. Vale muito a leitura.

Dinheiro não tolera desaforo

A Petrobras tenta se defender das acusações de querer lucrar às custas dos brasileiros. Segundo a empresa, apenas R$2,33 é de sua responsabilidade no preço da gasolina. Aliás, essa é a realidade de praticamente todos os produtos que compramos: a diferença entre o preço de produção e o preço final é gigantesca, devido, principalmente, à cunha tributária.

Mas não é sobre isso que quero falar hoje. Vamos falar de subsídios. E se, da noite para o dia, a Petrobras decidisse diminuir em R$ 1,00 o preço do combustível que vende? Ok, com os preços nas alturas em que estão, R$ 1,00 não faria muita diferença, mas já ajudaria um pouco. Qual seria o impacto disso no balanço da companhia?

De acordo com o seu balanço do 3o trimestre, a Petrobras vendeu 1,3 milhões de barris/dia entre diesel e gasolina para o mercado doméstico, o que equivale a 208 milhões de litros por dia. Portanto, a Petrobras, se fizesse um desconto de R$ 1,00 por litro, estaria deixando de arrecadar R$ 208 milhões por dia. Ou R$ 6,2 bilhões por mês. Ou R$ 75 bilhões/ano.

Para termos uma ideia do que significam R$ 75 bilhões, basta saber que toda essa celeuma em torno do teto de gastos está ocorrendo porque o governo quer R$ 30 bilhões adicionar para “ajudar os pobres” no ano que vem. Aliás, o atual bolsa família gasta metade desses R$ 75 bilhões anualmente. Quer dizer, um desconto de R$ 1,00 nos preços dos combustíveis significaria dois anos de bolsa família. O governo tem esse dinheiro? Não.

Mas aí é que entra a criatividade dos nossos políticos. Por que não usar a Petrobras para diminuir o preço dos combustíveis? A ideia é realmente genial, e vou explicar porque.

O governo é dono de 37% da Petrobras. Portanto, recebe 37% do lucro distribuído pela companhia. Assim, se o lucro diminuir em R$ 75 bilhões, o governo deixa de receber cerca de R$ 28 bilhões em dividendos. Desse modo, ao invés de pagar R$ 75 bilhões do seu apertado orçamento para subsidiar os preços dos combustíveis, estaria usando apenas R$ 28 bilhões. E, o que é melhor, longe dos olhos do respeitável público. Afinal, quem presta atenção em dividendo não recebido?

E quem paga a diferença? Claro, os troux… os otár… os acionistas minoritários, aqueles mesmos que financiam 63% das atividades da empresa. Aliás, na real, bem mais do que 63%, porque na última grande capitalização da Petrobras, em 2010, o governo entrou com barris de petróleo a serem explorados. Quem entrou com dinheiro mesmo, aquele que serve para fazer investimentos, foram os troux… os otár… os acionistas minoritários.

Alguém poderia dizer “ah, mas a Petrobras lucra demais, poderia ter um lucro menor”. Não, a Petrobras lucra menos que suas congêneres internacionais. E, na verdade, precisaria lucrar mais, pois deve pagar o risco político de ter, a qualquer momento, seus lucros tungados para fazer política populista de preços. Dinheiro não tolera desaforo.

O real problema do preço da gasolina

Já publiquei este estudo aqui (O imbróglio do petróleo), estou apenas atualizando com os dados até o final de outubro.

No gráfico 1, mostramos o preço do barril de petróleo do tipo Brent em reais. Ou seja, pegamos o preço em dólar e multiplicamos pelo câmbio entre o real e o dólar. Mostramos o preço sem ajuste nenhum (em azul) e o preço ajustado pela inflação (IPCA) no período.

Podemos observar que o preço do barril de petróleo, em reais, está na máxima dos últimos 10 anos, tendo dado uma estilingada nos últimos 2 meses, tanto em função do aumento do preço do petróleo, que saiu de US$61 para US$83, quanto do câmbio, que saiu de R$5,15 para R$5,64. Em termos absolutos, o barril de petróleo vale hoje 2,5 vezes mais do que há 10 anos. Ajustando pela inflação (IPCA), estamos um pouco acima do pico do governo Dilma.

No gráfico 2, mostramos a relação entre o preço do barril de petróleo em reais e o preço do diesel na refinaria. Este gráfico dá uma ideia da defasagem de preços: quanto mais alto o índice, mais defasado estará o preço do diesel em relação aos preços internacionais.

Podemos observar que durante uma parte do governo Dilma (até outubro de 2014, mês da eleição, oh coincidência!), a média do índice é bem superior ao que temos no período seguinte. Hoje, no entanto, a defasagem alcançou a média do governo Dilma. Os preços dos combustíveis vão ter que andar mais. Ou rezamos para o preço do petróleo cair. Não parece que vai acontecer tão cedo.

Por fim, no gráfico 3, mostramos a variação, ano a ano, do preço do petróleo no mercado internacional (em dólar), a variação do câmbio e a variação do preço do petróleo em reais, que é a composição dos outros dois fatores.

Podemos observar que Bolsonaro é um azarado mesmo: até outubro, o preço do petróleo subiu nada menos que 60% no mercado internacional, a maior alta em um ano nos últimos 10 anos. Está certo que o governo não se ajuda: em 2016, por exemplo, o preço do barril subiu 50%, mas o dólar se desvalorizou 15%, amenizando uma parte dessa alta. Neste ano, pelo contrário, o dólar se valorizou 10%, piorando ainda mais a situação.

Enfim, tudo isso pra dizer que pode congelar ICMS, dar dura na Petrobras, falar em privatizar a empresa, dar cambalhota no Congresso. Nada disso vai resolver o problema da combinação explosiva do preço do petróleo nas alturas com uma moeda desvalorizada. A não ser que queiramos quebrar a Petrobras novamente.

Não há atalhos para acabar com a miséria

O ex-presidente Michel Temer escreveu um artigo na Folha supostamente defendendo a sua cria, a regra do teto de gastos. Segundo Temer, a miséria pós-pandemia seria suficiente para a decretação de um estado de calamidade, o que permitiria continuar pagando um auxílio emergencial por fora do teto.

Essa ideia tem dois problemas.

O primeiro, óbvio, é que se trata de um gasto por fora do teto. Ou seja, mantém-se o teto formalmente mas, na prática, a regra deixa de ter efeito para esses gastos. Defender o teto e, ao mesmo tempo, burla-lo, parece ter se tornado uma especialidade dos nossos políticos. E, apesar de ter sido o pai do teto, Temer continua sendo um político.

Assumindo-se que teremos um novo decreto de calamidade pública, vamos para o segundo problema: qual o critério? Em 2020, com toda a economia fechada, não houve dúvida, não foi necessário um critério objetivo, estava na cara de todo mundo. Em 2021, por outro lado, foi preciso um exercício de contorcionismo para estender o auxílio, e o mercado estressou por causa disso. O forte repique da pandemia em março e a aprovação dos “gatilhos” do teto de gastos fizeram o serviço para que o mercado “aceitasse” a extensão do auxílio pela segunda vez. Uma terceira extensão do auxílio, além de merecer música no Fantástico, precisará de um critério objetivo para a sua justificação. Afinal, miseráveis sempre existiram no país. Por que um decreto de calamidade pública só agora? Será porque acabou o espaço no teto, e esses recursos para os pobres competem com os recursos das emendas parlamentares e fundo partidário?

Digamos que a ideia seja séria. Se não quisermos que, todo ano, tenhamos um decreto de calamidade para tirar o auxílio aos pobres do teto, será necessário estabelecer um critério. Desemprego? Renda média da população? Número de reportagens sobre pessoas comendo ossos? Qual seria o critério para estabelecer que, nesse ano, não temos miséria suficiente para decretar calamidade? É óbvio que se torna uma política permanente.

Para deixar a hipocrisia de lado, o governo deveria tirar o pagamento desses auxílios e do bolsa família do teto de gastos. No entanto, ao estar fora do teto, deixa de haver limites. E o que não falta no Brasil são necessitados. O problema, claro, é que mais gastos por fora do teto, na prática, fazem a regra perder efeito. E o mercado e o BC reagem, aumentando os juros, o que desacelera a economia, prejudicando principalmente os mais pobres. Fora a inflação.

Enfim, não há atalhos para acabar com a miséria. Os que parecem existir, não passam de mecanismos que, no final da linha, a perpetuam. O único caminho é abrir espaço no orçamento para ajudar os mais pobres. Fazer de conta que o orçamento é ilimitado só leva a mais miséria ao longo do tempo.

A criminalização das drogas e a saúde pública

O meu amigo Nicolau Cavalcanti escreve artigo hoje defendendo equiparação dos entorpecentes a remédios. A ideia é de que a simples proibição não está atingindo seus objetivos (que, imagino, seja o de diminuir o consumo, mas não está explícito) e, pior ainda, serviria para que o Estado tirasse o corpo fora na importante tarefa de saúde pública que lhe cabe. Segundo os autores, as drogas seriam tratadas como um remédio tarja preta, sob estrito controle em toda a sua cadeia de produção/comercialização. Essa é uma abordagem alternativa ao “libera geral, cada um sabe o que faz da vida, deixa o Estado faturar impostos sobre as drogas”.

Tenho um filho autista, que faz uso controlado de remédios psicotrópicos. Para comprá-los é um parto: receita em duas vias, assinatura, etc. De fato, bem controlado. Certa vez, estava em uma farmácia e um rapaz procurava comprar esses remédios sem receita. Diante da negativa da balconista o rapaz perdeu o controle, começou a gritar e teve que ser retirado da farmácia por um segurança. Não sei o que aconteceu depois. Existe um “mercado paralelo” de psicotrópicos?

Voltando aos entorpecentes. Nem vou levantar a possibilidade de um “mercado paralelo” de drogas, às margens do mercado regulado. Vamos assumir que o Estado consiga controlar esse mercado. Meu ponto é outro: entorpecentes são remédios?

Para que o esquema “distribuição controlada” funcionasse, seria necessário que médicos prescrevessem cocaína, heroína ou crack para fins terapêuticos, sopesando os seus efeitos benéficos com a possibilidade de se adquirir um vício que pode arruinar a vida da pessoa. Temos visto as discussões a respeito do uso terapêutico da maconha. O mesmo valeria para as drogas mais pesadas? Senti falta de um médico entre os autores do artigo. Assim, deixo a pergunta aos amigos médicos que leem esta página.