Salários em bitcoins?

Receber seu salário em bitcoins. Já pensou?

Pois é isso que alguns prefeitos em cidades americanas estão pensando em fazer: pagar os salários dos funcionários municipais em bitcoins. Do outro lado, também topariam receber impostos municipais em bitcoins. A matéria da Bloomberg discute essa possibilidade e coloca como grande vantagem de receber o salário em bitcoins a chance de ter um grande “aumento salarial” do dia para a noite. Claro que, em contrapartida, existe o risco de perder 25% do salário em poucos dias, como aconteceu na última semana.

O problema dessa argumentação, e que o jornalista provavelmente nem notou, é justamente esse conceito de “valorização/desvalorização” do salário. Para que possamos dizer que o salário vai se valorizar ou desvalorizar, precisamos usar uma referência. A referência usada é a velha moeda, o dólar. Em um mundo onde só houvesse criptomoedas, a valorização/desvalorização seria medida em função da cesta de produtos possíveis de serem comprados com a moeda. A isso chamamos de inflação, exatamente como medimos o poder de compra das moedas tradicionais. O salário de países com alta inflação se desvalorizam em relação ao dólar, assim como as criptomoedas se desvalorizaram na última semana.

O simples fato de se comparar as criptomoedas com o dólar demonstra que o que manda é o dólar. As pessoas que recebem seus salários em criptomoedas precisam vendê-las para fazer o supermercado. É o dólar a moeda em curso, não as criptomoedas. O que leva ao problema central da coisa toda: como estabelecer o valor do salário em criptomoedas? Se os municípios arrecadam dólares, estabelecer um valor de salário fixo em criptomoedas traz para o orçamento público uma volatilidade impossível de ser administrada. A não ser que os funcionários topem fixar o salário em dólares e recebam as criptomoedas pela cotação do dia. Mas, nesse caso, seria o mesmo que receber o salário em dólares e depois, aqueles que quisessem, comprariam criptomoedas. A coisa só faz sentido se o salário for fixado em número de criptomoedas.

As criptomoedas são uma inovação financeira interessante, boa para se especular. Mas, como moeda de troca, a ponto de substituir as moedas garantidas pelos governos, vai uma distância imensa. A própria natureza descentralizada do esquema conspira contra a sua adoção ilimitada. A moeda é, antes de tudo, uma construção social, e precisa, para funcionar como moeda de troca, de uma coordenação central. Esse é o grande problema para a adoção generalizada das criptomoedas como moeda de troca.

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