Todo mundo comentando a nota do presidente da Anvisa, almirante Barra Torres, sinto-me na obrigação de também dar o meu pitaco.
Eu sempre gosto de pensar no contrafactual. No caso, o cenário em que essa nota não tivesse sido publicada. Ou tivesse sido publicada de outra maneira. Havia algumas escolhas a serem feitas.
O almirante poderia ter ouvido o “qual o interesse da Anvisa?” e pensado: “bem, esse é o presidente que temos, o tiozão do pavê, aquele que está entrando em ano eleitoral e está falando para fidelizar a sua grei, um cara que se comunica mal”, enfim, todas as desculpas que conhecemos para essas falas de Bolsonaro. Nesse caso, poderia simplesmente passar por cima, ignorar olimpicamente, e a fala, como tantas outras, estaria esquecida em 24 horas.
Ou o chefe da Anvisa poderia tomar as dores da agência que representa, seus funcionários e colaboradores, colocar-se no lugar deles e avaliar que a fala mereceria alguma resposta protocolar, para dar uma satisfação interna. Nesse caso, seria algo do tipo “a Anvisa tem orgulho de seus processos, sendo guiada pelo mais alto padrão ético em todas as suas decisões”. Algo anódino, mais uma defesa do que um ataque. Estaria dada a resposta e o caso seria esquecido em 24 horas.
Mas Barra Torres decidiu por uma terceira linha, a do confronto. E o pior, um confronto pessoal, EXIGINDO retratação de ninguém menos que o presidente da República. A nota apenas resvala na defesa da agência, ela toda é uma defesa pessoal apaixonada.
Para ter escolhido essa linha, das duas uma: ou escreveu essa nota com a cabeça quente, sem pensar, ou fez de caso pensado, mandando um recado. É difícil pensar que um profissional com a rodagem do presidente da Anvisa teria soltado uma nota no calor da hora, só para lacrar. O mais provável é que pensou bem no que escreveu e no tipo de reação pública que queria suscitar.
Se essa terceira hipótese for a mais próxima da realidade, podemos ver aqui mais uma reação de uma ala dos militares, em que Santos Cruz é o mais proeminente, que não está nada contente com o capitão. Nesse sentido, a entrevista do general Silva e Luna, presidente da Petrobras, dizendo que a empresa não pode fazer política pública e afirmando que o presidente atrapalha quando “anuncia” aumento ou redução de preço de combustíveis, pode ser visto também como algo nessa linha.
Bolsonaro encheu o Executivo de militares, pois é somente neles que ele confia. O que a carta de Barras Torre pode estar indicando é que a recíproca não é verdadeira para uma parte da caserna. Para Bolsonaro, mais útil do que perguntar qual o interesse da Anvisa por trás da liberação da vacina infantil, é se questionar qual o interesse por trás dessa nota do presidente da Anvisa.