Vale do silício: mocinho ou vilão?

Meu amigo Guilherme Morais chamou-me a atenção para a coincidência: dois artigos, em páginas consecutivas do Estadão de hoje, falando sobre o mesmo tema (a “especulação” do chamado Vale do Silício) de maneiras completamente opostas.

O primeiro destaca a condenação de Elizabeth Holmes por fraude.

Para quem não conhece, Mrs. Homes fundou, aos 19 anos de idade, a Theranos, uma empresa, ops, startup que se propunha a diagnosticar uma série de doenças utilizando apenas algumas gotas de sangue. O artigo, escrito por um jornalista da Associated Press, pergunta se o caso poderia servir para “passar uma mensagem preocupante para uma cultura do Vale do Silício que costuma se perder na própria arrogância”. Ou seja, o jornalista condena a auto-promoção dos empreendedores que, supostamente, enganam investidores incautos em uma “estratégia de excessos”.

Já o segundo artigo, do colunista de tecnologia Pedro Doria, vai na direção oposta: sugere que, ao invés de tentarmos copiar o modelo chinês ou coreano de crescimento, baseados em diretrizes estatais e que realmente não inovam, deveríamos tentar reproduzir a cultura do Vale do Silício, com a sua eterna destruição criativa e que verdadeiramente gera inovação.

Quem está certo? Pedro Doria, por certo. O caso de Elizabeth Holmes é um exemplo de fraude. Apenas uma fração dos empreendimentos do Vale do Silício que fracassam é fraudulento. A grande maioria fracassa porque foi mau executado. Para os investidores, no final do dia, tanto faz se o empreendedor é uma fraude ou incompetente. O resultado final é o mesmo, a perda do investimento.

Mas os investidores em startups sabem que a maior parte de seus investimentos nesse tipo de empresa será perdido. Trata-se de investimento de alto risco. Está-se em busca do novo Google ou Facebook, aquele investimento que vai se multiplicar por milhares de vezes. E, por isso, se topa perder dinheiro com as Theranos da vida. Faz parte. A condenação de Elizabeth Holmes não muda uma vírgula essa equação.

Quanto à coluna de Pedro Doria, vemos no Brasil o surgimento de várias empresas de tecnologia que já valem mais de US$ 1 bilhão e que passam por debaixo do radar do planejamento estatal, aquele que distribui subsídios e incentivos fiscais para “gerar emprego e renda”. O que seria preciso para incentivar ainda mais esse tipo de atividade? Recentemente tivemos a aprovação do marco das startups, o que já foi um avanço, incentivando o investimento nesse tipo de empresa. Mas o grande gargalo, ao que parece, é encontrar mão de obra especializada. E aí, o buraco é bem mais embaixo.

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