Dois erros fazem dois erros

Policiais de MG prometem greve porque o governador não cumpriu a promessa de reajuste salarial feita m 2019. Dois erros fazem um acerto? Não. Dois erros fazem dois erros. E a conta vai ser paga pela população.

Policiais não podem fazer greve. Isso é o que diz a lei, a mesma que os policiais dizem defender. No entanto, vamos deixar os policiais para o final e analisar a parte mais interessante dessa história, a atitude do governo Zema.

Em 2019, início de mandato, o governador Romeu Zema enfrentou uma manifestação de policiais pedindo reposição salarial desde 2015. A pedida era de 41%, e o neófito governador a concedeu em três parcelas, a primeira a ser paga naquele ano e as duas seguintes em 2020 e 2021. Apesar de terem sido aprovados pela Assembleia Legislativa, os reajustes de 2020 e 2021 foram vetados pelo governador. São estes reajustes que estão sendo reivindicados agora pela “categoria”.

Há vários erros combinados nessa história. O mais óbvio foi prometer algo contando com o ovo dentro da galinha. O ovo, no caso, era a entrada do estado no regime de recuperação fiscal (RRF) da União, o que permitiria liberar recursos para o pagamento do funcionalismo. Não ocorreu. E, mesmo que tivesse ocorrido, trata-se quase de uma contradição em termos, dado que o RRF exige uma contenção brutal de despesas do estado, o que contraria o desejo de conceder reajustes. Enfim, Zema perdeu a oportunidade de lidar corretamente com uma greve no primeiro ano de seu mandato e vai ter que lidar com uma no ano da campanha eleitoral.

O erro de Zema é apenas o mais óbvio e mais próximo, mas está longe de ser o mais importante. O atual governador herdou um estado calamitoso de contas, fruto da irresponsabilidade de governos anteriores que, como Zema, contaram com o ovo dentro da galinha para contratar e reajustar salários do funcionalismo estadual. No caso, o ovo do crescimento e da arrecadação de impostos. Até 2013 a coisa funcionou. A bicicleta perdeu velocidade em 2014 e capotou a partir de 2015.

Ao contrário da União, os estados não podem tomar dívida para pagar as suas contas. Isso nem sempre foi assim. Até meados da década de 90, os estados podiam emitir títulos de dívida, que eram compradas, na maior parte dos casos, pelos bancos estaduais. Era uma verdadeira máquina de imprimir dinheiro. Um dos pilares do plano Real foi justamente acabar com essa farra. Hoje, os estados são obrigados a viver exclusivamente com o dinheiro que arrecadam. Por isso você ouve falar de atrasos de salários para o funcionalismo estadual mas não para o federal. A União pode se endividar para pagar salários; os estados, não.

Dado que o funcionalismo tem estabilidade, as únicas duas formas de ajustar as contas em caso de queda da arrecadação é aumentar impostos ou deixar que a corrosão inflacionária diminua os salários reais. Como aumentar impostos é sempre impopular, adivinha qual a solução adotada. Ocorre que se trata de um arranjo instável. Basta ver a ameaça de greve dos policiais.

Sempre dou esse disclaimer quando escrevo sobre o funcionalismo público: não tenho absolutamente nada contra, pelo contrário, reconheço a importância do seu trabalho e tenho vários amigos que são funcionários públicos e trabalham com seriedade e retidão. O problema é que a empresa onde trabalham, o governo brasileiro, está quebrada e endividada. A forma clássica de fazer o ajuste é conceder reajustes com uma mão e tirar com a outra, através da inflação. O não reajuste de salários é justamente isso. Mas essa “solução” tem um efeito colateral: a inflação afeta também o povo que não é funcionário público, e precisa rebolar para pagar as contas estando desempregados ou em sub-empregos.

Os policiais de MG farão uma greve ilegal contra uma promessa não cumprida do governador, por ser inexequível. Dois erros não fazem um acerto. E, como sempre, é a população que pagará pelos dois erros.

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