Em reportagem investigativa, o Estadão nos revela que grande parte das minas de potássio na Amazônia não estão em terras indígenas. Portanto, o projeto de permissão de exploração mineral em terras indígenas, defendido por Bolsonaro, estaria usando a desculpa do potássio para fazer passar um projeto que seria uma ameaça existencial aos índios.
Bem, como algumas verificações burras de fact checking às vezes fazem, a reportagem acerta no literal mas perde o big picture conceitual. De fato, strictu sensu, as minas não estão em reservas indígenas, não há como negar olhando o mapa que acompanha a reportagem. Mas, conceitualmente, é como se estivessem, como mostra artigo de Antônio Caberera, ex-ministro da agricultura de Collor, publicado apenas duas páginas antes.
A única mina citada nominalmente pela reportagem é a de Autazes, pertencente à empresa canadense Potássio do Brasil. Coincidentemente, é a única mina também citada pelo ex-ministro em seu artigo, o que nos leva a crer que este é, de longe, o projeto mais importante da região. E o que está acontecendo? Para saber, precisamos juntar informações da matéria e do artigo.
A reportagem afirma apenas que a mina está a 8 km de distância de uma reserva indígena, e que, por isso, é necessário consultar os índios para obter a licença de exploração. Por outro lado, no artigo, ficamos sabendo que a empresa vem tentando obter essa licença desde 2015!
Observe a situação: o principal projeto de exploração de potássio na região amazônica está parado desde 2015 porque a justiça exige consulta aos índios MESMO A MINA NÃO ESTANDO EM TERRAS INDÍGENAS. Então, como afirma a matéria, de fato não há minas em reservas indígenas. Mas isso não impediu que a justiça exigisse a consulta aos índios, que moram no Tatuapé, se uma obra na Praça da Sé iria atrapalhar sua tranquilidade.
É digno de nota a redação usada pela reportagem: “busca de um acordo em relação ao impacto na região, mas não de inviabilidade do projeto”. Quem leu meu artigo sobre o linhão Manaus-Boa Vista vai reconhecer essa linguagem. Naquele projeto, aprovado em 2011 e que, até hoje, não saiu do papel, os índios também não tinham como impedir o projeto, mas precisavam ser consultados. Essa “consulta”, na verdade, é uma desculpa para impedir o projeto, como demonstra mais de 10 anos de história. O caso da mina de potássio parece seguir pelo mesmo caminho, pois lá já se vão 7 anos de “consultas”.
Bolsonaro quer aprovar legislação que permita a exploração mineral em terras indígenas, como se isso fosse resolver alguma coisa. Como vimos no caso em tela, a mina sequer está em terra indígena. Mas isso não foi barreira para que a nossa brava justiça defendesse os interesses indígenas. No caso do linhão, assim como neste, a questão passou por governos de diferentes cores e tendências ideológicas. Mas, entra governo, sai governo, o que manda mesmo é a justiça federal, juízes e promotores, em sua missão de fazer justiça social às custas do bem-estar da população.