O País de Gales irá à Copa pela 2a vez. Na primeira, foi eliminada nas quartas de final pela seleção brasileira. Fez um papel bonito, resistindo bravamente ao esquadrão brasileiro, que iria depois golear as poderosas seleções da França e dos donos da casa, a Suécia. Perdeu somente por 1 x 0, com direito a levar o primeiro gol do rei do futebol em copas do mundo. E que gol! Pelé mata no peito uma bola na marca do pênalti e de costas para o gol, livra-se do primeiro zagueiro que lhe vem dar combate com uma puxeta virando-se em direção ao gol e, antes de a bola quicar no chão, arremata de bico no canto. Um gol de placa, ensaio para o gol antológico que faria na final contra a Suécia, aí sim, chapelando o zagueiro ao invés de dar uma puxeta.
O País de Gales estará no mesmo grupo da Inglaterra, o que nos leva a perguntar: por que o Reino é Unido em todos os esportes, mas tem o direito de ter quatro seleções nacionais no futebol? Só porque inventaram o esporte? Não parece justo.
Mas justiça não parece ser a principal virtude cultivada pelos deuses do futebol. Os ucranianos, maltratados por uma guerra horrível, mereciam a alegria de estarem pela primeira vez na Copa. Não foi dessa vez. Apesar de jogarem melhor, quis a sorte sorrir para o outro lado, com um gol contra.
Por isso o futebol é o que é. O mundo não é justo, e o futebol é o retrato acabado do mundo, com todas as suas alegrias e frustrações. O VAR é uma tentativa tosca de aumentar a justiça de um esporte intrinsecamente injusto, como a vida é. Não à toa, o VAR somente representou uma camada adicional às eternas polêmicas que cercam o esporte.
A bola vai rolar em mais uma Copa do Mundo, sem Ucrânia e com País de Gales. Uma pena, que se soma a outras “penas” ao longo dos anos. Assim como acontece em nossas vidas.
Dois eventos separados por alguns dias e alguns milhares de quilômetros.
O primeiro, o massacre de 21 seres humanos no Texas, EUA, no dia 24/05. O segundo, o massacre de 50 seres humanos em Ondo, Nigéria, ontem.
A cobertura jornalística desses dois eventos, no entanto, foi completamente diferente. O primeiro teve direito a chamada de 1a página, página inteira e sucessivas reportagens nos dias seguintes, sem contar os inúmeros artigos a respeito.
O segundo mereceu uma nota de rodapé, e provavelmente não terá repercussão posterior alguma.
Pode-se questionar legitimamente a diferença de cobertura jornalística para dois eventos semelhantes, quais sejam, massacres de inocentes a tiros. Não sou jornalista, portanto vou apenas alinhar três hipóteses.
A primeira é o local dos acontecimentos. Os EUA são um país rico, com baixos índices de violência para os nossos padrões, onde se espera que as pessoas possam realizar suas atividades sem correrem o risco de serem assassinadas. A Nigéria, por outro lado, faz parte desse mundo selvagem, em que a América Latina se inclui, onde a vida não vale muita coisa. Além disso, muitos mais brasileiros visitaram os EUA do que a Nigéria. Consideramos os EUA como nossa segunda casa, ao passo que a Nigéria faz parte daqueles “roteiros exóticos”. Portanto, do ponto de vista jornalístico, um massacre nos EUA teria mais interesse dos leitores.
A segunda hipótese é a natureza dos fatos. No caso do massacre do Texas, crianças e professoras foram assassinadas. No caso de Ondo, famílias assistindo à missa dominical. Ambos parecem semelhantes em sua brutalidade gratuita. No entanto, a violência é tanto mais tocante quanto mais conseguimos nos colocar no lugar das vítimas e seus familiares. A experiência de ter crianças na escola é mais universal do que a de assistir a um culto no domingo. Além disso, as pessoas sempre serão mais sensíveis à morte de crianças do que de adultos.
Por fim, a terceira hipótese é sobre quem cometeu o crime. No caso do Texas, temos um jovem desequilibrado que comprou legalmente a arma usada no massacre. No caso de Ondo, é provável a ação terrorista de jihadistas. O massacre do Texas serviu para aquecer o debate sobre a posse legal de armas, o que é útil também para o debate político brasileiro, quando temos um presidente abertamente a favor de normas mais flexíveis nesse campo. Já no caso de Ondo, jihadistas lembram a violência islâmica, o que se tornou um tema politicamente incorreto. Além disso, massacre contra católicos não é exatamente uma agenda atraente, em um país cujo catolicismo é acusado, pela esquerda, de acobertar o “genocídio indígena” e pela direita, de acobertar “ideologias socialistas”. Você não lerá artigos sobre como é perigoso ser católico em algumas partes do mundo ou como o terrorismo islâmico tem feito vítimas ao longo do tempo. Mas continuará lendo muitos artigos sobre como a aquisição legal de armas tem efeitos deletérios para a segurança das pessoas.
Enfim, como disse, não sou jornalista. Mas sei contar, e percebi que o número de palavras usadas no massacre do Texas foi imensamente maior que o número de palavras usadas no massacre de Ondo. Algum editor escolheu o número de palavras para cada fato. As hipóteses (não excludentes) para essa escolha estão descritas acima.
Confesso que fui pego de surpresa pelo fato de o estado de SP ainda controlar uma estatal que fabrica remédios.
Chama-se FURP – Fundação do Remédio Popular. Estabelecida durante o regime militar, a FURP fornece remédios para o programa estadual Dose Certa, entidades governamentais, como o Ministério da Saúde, e municípios. Seus resultados financeiros, desde 2010, foram os seguintes:
2010: lucro de R$ 5,6 milhões
2011: prejuízo de R$ 19,5 milhões
2012: prejuízo de R$ 36,0 milhões
2013: prejuízo de R$ 53,9 milhões
2014: prejuízo de R$ 40,1 milhões
2015: prejuízo de R$ 25,0 milhões
2016: prejuízo de R$ 20,9 milhões
2017: lucro de R$ 3,2 milhões
2018: prejuízo de R$ 57,5 milhões
2019: prejuízo de R$ 36,6 milhões
2020: prejuízo de R$ 3,8 milhões
2021: prejuízo de R$ 9,2 milhões
Portanto, em 12 anos, a FURP acumulou prejuízos de quase R$ 300 milhões. Mas a coisa não para por aí. Em 2013, precisando aumentar a produção de remédios, mas sem caixa para investir, o governo Alckmin celebrou uma PPP com o laboratório EMS, para investimentos em uma planta localizada na cidade de Américo Brasiliense. Reportagens da época contam que a EMS foi o único laboratório que deu lance pela parceria. Outros dois laboratórios compareceram ao leilão mas não chegaram a dar lance. Então, nos perguntamos: por que tanto desinteresse por um negócio da China que é fabricar e vender remédios para o governo, um cliente líquido e certo?
Por certo, os laboratórios que não entraram no certame avaliaram que o risco não compensava. E estavam corretos. A PPP foi desenhada de tal maneira que os investimentos a serem realizados só se pagavam se os remédios fossem vendidos a um determinado preço. Ocorre que esse preço podia ser razoável em 2013, mas deixou de sê-lo nos anos seguintes. Uma reportagem dá um exemplo: o clopidogrel, remédio contra AVC, era vendido pela EMS por R$ 1,28 (preço estabelecido pela PPP), enquanto o mesmo remédio era vendido no mercado por R$ 0,26. Ou seja, a PPP só parava em pé se os remédios fossem vendidos por preços irreais. Talvez por isso os outros laboratórios tenham pulado fora.
Doria suspendeu a PPP, alegando prejuízos para o estado, e agora o governo paulista busca uma acordo com a EMS para indeniza-la. Com esse histórico, Doria havia colocado a FURP em sua lista de privatizações. Não saiu, talvez pelo mesmo motivo que quase não houve interesse pela PPP: não há nada a ser vendido ali, trata-se de uma operação que só fica de pé porque vende sem licitação para um cliente cativo. Sim, compras da FURP dispensam licitação.
Rodrigo Garcia diz que vai manter a FURP para fabricar dipirona. Acho bem adequado. Afinal, ele vai precisar de muita dipirona para mitigar a dor de cabeça que vai ter pelo fato de ser o primeiro candidato do PSDB a não se eleger governador de SP desde 1990.
Ouve-se um farfalhar nervoso de asas no ninho tucano. Tuíte na página oficial do partido, com estrondosas 166 curtidas, afirma que Lula é “hipócrita” ao buscar líderes tucanos. Aécio xinga o candidato petista de “arrogante”.
Mas a manchete alarmista do Estadão (“… abala busca por apoios entre rivais históricos”) é desmentida na própria reportagem.
Aloysio Nunes apertou o “confirma” no 13 ainda no 1o turno, apesar do “reparo” à fala de Lula. E resta alguma dúvida de que o PSDB histórico estará ao lado de Lula no 2o turno, independentemente do que o petista fale?
Que o PSDB acabou não há dúvida. O partido quis ser uma oposição europeia no ambiente político brasileiro. Para que isso funcionasse, seria necessário que seu adversário também fosse europeu, de preferência alemão. Mas o PT é latino-americano, com toda a falta de institucionalidade que nos caracteriza. Precisou chegar um sujeito como Bolsonaro, que entende que a regra do jogo é dedo no olho e chute da medalhinha pra cima, para concorrer com o PT de igual para igual. Como cereja do bolo cuidadosamente preparado durante anos a fio, o partido, a começar por seus “líderes históricos”, sabotou o seu próprio candidato escolhido pelos filiados nas prévias. Realmente, não tinha risco de dar certo.
A prova máxima do fim do PSDB está em um tuíte do próprio perfil oficial do PSDB, 24 horas depois do tuíte anterior. Ao retuitar notícia do UOL, o perfil oficial do PSDB (convém repetir) reproduz a foto que acompanha o tuíte do UOL: Lula de mãos dadas para o alto com Alckmin, em gesto de união e vitória. É o troféu de Lula exibido na sala de estar do partido. O PSDB acabou.
Saúde é um troço complicado no mundo inteiro. Nunca ninguém está satisfeito. Em qualquer pesquisa de opinião, a saúde sempre aparece como Top 3 entre as preocupações dos cidadãos e, normalmente, recebe avaliação negativa.
Sempre se aponta o modelo do país A, B ou C como ideal. Normalmente quem faz isso não vive nos países A, B ou C para experimentar na pele o tal sistema de saúde modelar. Por exemplo, sempre ouvi falar muito bem do sistema inglês de saúde, em contraposição ao americano, por exemplo. Até que assisti ao filme ”Eu, Daniel Blake”. Se você assistiu, sabe do que estou falando.
E por que isso acontece? Porque os seres humanos, apesar de desejarem viver eternamente, infelizmente morrem. Há um descompasso insanável entre desejo e realidade, que gostaríamos que fosse resolvido pelo sistema de saúde. Claro, racionalmente sabemos que isso não é possível. Mas quem disse que somos racionais quando se trata de nossa saúde? Neste caso, queremos tratamento premium pagando quantias módicas.
Essa já longa introdução vem servir como pano de fundo para que possamos analisar a reportagem principal de hoje do Estadão: “Reajuste dos planos de saúde na faixa acima de 59 anos pode superar os 40%”.
Estas são as letras grandes, aquelas que a maioria lê sem entrar no detalhe da notícia. Não conta, por exemplo, que o preço dos planos de saúde foram reduzidos em 9% em 2021, resultando em um reajuste de 6% no acumulado dos dois anos. Além, claro, de que colocar na manchete o reajuste por mudança de faixa etária, que sempre acontece e não é novidade, embute uma segunda intenção. E é isso que vamos analisar.
A reportagem, em si, é jornalisticamente correta. Ouve os dois lados e tals. O fato de ter virado manchete, no entanto, indica que existe um problema. Claro que um reajuste de 40% é um problema. A questão é como se “resolve” esse problema. Subliminarmente, resolve-se demonizando-se a saúde privada.
A ilustrar este ponto, temos um artigo de uma professora da UFRJ, Lígia Bahia.
Coincidentemente, em entrevista ao Valor de hoje, o candidato a governador do RJ, Marcelo Freixo, cita Lígia Bahia como uma das pessoas que poderiam fazer parte da sua equipe de governo. Portanto, a professora tem pedigree conhecido. Foi convidada a escrever uma análise já se sabendo o que iria escrever.
E a professora da UFRJ não decepcionou quem a convidou a ocupar o espaço do jornal. Defendeu que o melhor modelo é um que seja “solidário”. E, para isso, adivinha, é necessário que tudo “fique sob a responsabilidade do poder público”. A solução, portanto, seria um grande SUS.
Não deixa de ser irônico que os professores da UFRJ possam contar com convênios particulares. “SUS é um modelo ideal, mas gosto de pagar convênio particular porque rasgar dinheiro é meu passatempo preferido”.
Claro, sempre se pode dizer que o SUS não presta bons serviços porque não é adequadamente financiado. Bem, o orçamento do ministério da saúde para 2022 é de R$ 160 bilhões. Dividindo-se pela população que não tem plano de saúde (mais ou menos 170 milhões) resulta em um gasto per capita de mais ou menos R$ 950. Isso considerando todo mundo, pessoas de todas as idades. Um plano da Prevent Senior, voltado apenas para as pessoas mais idosas, custa mais ou menos isso, e provê um serviço alguns degraus acima do SUS. As pessoas, quando podem, assinam planos que custam R$ 500 para fugir do SUS. Pergunta: quanto mais dinheiro seria necessário para tornar o SUS uma opção tão boa quanto planos que custam R$ 500?
Para aqueles que acham que as operadoras ganham rios de dinheiro às custas da saúde do povo, normalmente sugiro a mesma coisa que aconselho quando as pessoas dizem que os bancos “lucram muito”: seja sócio. Compre ações dessas operadoras, e seja sócio desses lucros maravilhosos. Já aviso, no entanto, que quem tentou fazer isso não tem se dado bem ultimamente. Por exemplo, veja abaixo a rentabilidade das ações da Hapvida, uma das maiores operadoras de planos de saúde do país, comparada com a rentabilidade do Ibovespa nos mesmos períodos:
Hapvida: 2022: -35%; 1 ano: -58%; 3 anos: -7%
Ibovespa: 2022: +6%; 1 ano: -12%; 3 anos: 15%
Podemos observar que, talvez, as operadoras não estejam lucrando tanto assim.
Não tenho procuração das operadoras para defendê-las. São empresas que buscam lucro, que é a melhor forma (na verdade, a única forma) de continuarem oferecendo os seus serviços ao longo do tempo. E seus serviços são absolutamente necessários. Caso não fossem, não haveria compradores de planos de saúde. A demanda (inclusive dos professores da UFRJ) justifica a oferta. E a demanda só existe porque o SUS é uma solução capenga, que está longe de entregar aquilo que o #vivaosus promete.
Os serviços prestados pelos convênios particulares estão longe, muito longe, da perfeição. E como vimos logo no início, quando se trata de saúde, a perfeição estará sempre distante. Mas aqui se trata de entender quais as opções disponíveis, dado um determinado orçamento. Quem não está satisfeito, sempre pode contar com o SUS.