Tiro no pé

Já escrevi aqui algumas vezes sobre urnas eletrônicas e higidez do sistema de apuração de votos. Inclusive, escrevi um longo artigo a respeito, não do ponto de vista técnico, mas do ponto de vista institucional (Teoria da Conspiração e Eleições). Portanto, não vou gastar o tempo de ninguém discutindo mais essa proposta do Ministério da Defesa para “garantir” a segurança da votação, a de ter votação paralela em papel na seção eleitoral.

O objetivo desse post é tentar transmitir aos bolsonaristas de carteirinha o ânimo que toma conta de alguns eleitores que, como eu, são antipetistas e votaram em Bolsonaro em 2018, quando leem notícias como essa. Não tenho a pretensão de representar ninguém, só represento o meu voto. Mas talvez o meu voto seja representativo do de uma parcela da população.

Obviamente, ganha a eleição quem tem mais votos. Portanto, quanto mais votos, melhor. Bolsonaro, no entanto, afasta eleitores antipetistas com quem poderia contar, ao insistir nessa história de “fraude eleitoral”. Essa história talvez seja a cereja de um bolo que demonstra a incapacidade do atual presidente de exercer o cargo para o qual foi eleito. Não dá para ter um paranoico como presidente da República.

Para se dar ao luxo de afastar votos, das duas uma: ou Bolsonaro está convencido de que já tem votos suficientes para ganhar a eleição e somente uma fraude o afastaria da reeleição, ou está convencido de que já perdeu a eleição, e quer tumultuar para tentar uma virada de mesa. Somente uma dessas duas hipóteses justifica a sua insistência no tema, que claramente aumenta a sua rejeição em uma parcela do eleitorado que, de outra maneira, estaria disposta a sufragá-lo.

Veja, antes de gastar o seu tempo tecendo longos comentários sobre a insegurança do sistema de votação ou sobre a parcialidade do TSE, note que a questão não é essa. A questão é de percepção. Da minha única e particular percepção. Votar em Lula eu não voto. Por outro lado, com esse tipo de atitude, Bolsonaro torna mais difícil meu voto. Depois, não adianta demonizar o voto nulo. Busquem o culpado da eleição de Lula nessa incrível capacidade do presidente de encher o seu próprio pé de bala.

Ideia matadora

Tive uma ideia matadora para o problema fiscal brasileiro. E não é uma ideia complicada e, nem sequer, original.

O problema, como sabemos, é encontrar um regime fiscal que conte, ao mesmo tempo, com a confiança dos agentes econômicos, mas tenha flexibilidade suficiente para atender a tantas e diversificadas necessidades dos brasileirinhos.

A ideia, como disse, é simples. Manteríamos os mais estritos controles e regras fiscais durante três anos. Nesse período, vale a Lei da Responsabilidade Fiscal, a Regra de Ouro, o Teto de Gastos e qualquer outra lei que nossos parlamentares possam imaginar para transmitir a ideia de que somos muito responsáveis. Mas, em ano eleitoral, todas essas regras seriam suspensas, e o gasto estaria liberado. Todos ficariam satisfeitos: os credores da dívida saberiam que os gastos irresponsáveis estariam restritos a um ano só a cada quatro, enquanto os brasileiros prenderiam a respiração durante 3 anos para então, no quarto ano, recuperarem todos os seus “direitos sociais”. E, claro, seria uma mão na roda para os mandatários de turno. Um claro ganha-ganha-ganha.

Como disse, essa ideia não é original. A fidelidade partidária conta com essa válvula de escape. Somos um país muito cônscio da importância dos partidos políticos para a Democracia. Por isso, temos uma rígida lei de fidelidade partidária, que leva ao extremo da perda do mandato para o político que muda de partido no meio de seu mandato. Mas essa lei tem uma exceção: a chamada “janela partidária”, um período de 30 dias a seis meses das eleições. Durante esse período, está liberado o “troca-troca” generalizado. Ninguém é de ninguém, e todo mundo fica feliz.

A janela partidária me faz lembrar um filme de suspense chamado The Purge. Em uma sociedade distópica, durante um dia por ano as leis são suspensas, de modo que as pessoas possam cometer qualquer crime, inclusive assassinatos, sem serem punidos. A ideia é que os cidadãos precisam ter esse dia liberado para purgar a sociedade de todo o ódio. Uma vez o ódio tendo sido extravasado, os outros dias do ano são vividos na mais pura paz hipócrita, baseada em leis que todos sabem serão suspensas em algum ponto no futuro.

A nossa sociedade não está preparada para leis rígidas. Precisamos de exceções e jeitinhos, de modo a extravasar a nossa verdadeira natureza. A ideia de liberar um ano de irresponsabilidade fiscal é justamente acomodar essa nossa incapacidade de seguir regras. Estou certo de que os credores da dívida irão entender.

O limite do ridículo

Está rodando nas redes bolsonaristas um comparação produzida pelo Luciano Hang (também conhecido como Véio da Havan), mostrando dois mapas da América do Sul, um de 1965 e o outro de 2022. No primeiro, o Brasil aparece com participação de 27,43% do PIB sul-americano, enquanto que, no segundo, a mesma participação está em 50,12%, quase o dobro.

Mas o detalhe, digamos, cômico, da comparação é a cor do mapa: em vermelho, todos os países com governos de esquerda, em preto os países com governos de direita e em azul o Brasil. Detalhe, a orientação ideológica é a do governo ATUAL. Ou seja, atribui-se o que quer que seja que se queira concluir com esses mapas aos governos atuais, quando se trata de uma evolução dos últimos 57 anos. Ou seja, uma coisa sem pé nem cabeça.

Fui dar uma checada nos dados. O Banco Mundial mantém a base de dados de onde foram tiradas essas informações. Reproduzi, com os mesmos dados, a evolução da participação do Brasil no PIB sul-americano desde 1965 até 2021 (este é o ano correto, não 2022, como aparece no mapa). O gráfico está a seguir.

Podemos observar que o Brasil atinge 50% de participação do PIB sul-americano em 1975, após o “milagra econômico”. O mesmo governo militar derrubou essa participação a 40% em 1985, quando entregou o poder aos civis. De 1985 a 1994, temos fortes oscilações, provavelmente causadas pela hiperinflação. Vamos lembrar que se trata de PIB em dólares, o que é muito influenciado pelo câmbio usado. A partir de 1995, temos uma estabilização em 55%, interrompida pela desvalorização cambial de 1999, para ser retomada a partir de 2002.

Mas o mais engraçado vem agora: o melhor momento da participação brasileira no PIB sulamericano ocorre a partir de 2007, segundo mandato de Lula, quando estabiliza em 55%, chegando a quase 60% em 2011, provavelmente em função da forte valorização do real nesse ano. A partir de 2012, e até 2019, a participação fica mais ou menos estável em 55%, recuando para os atuais 50% nos dois últimos anos, justamente o período do governo Bolsonaro.

Então ficamos assim: a participação do Brasil no PIB sulamericano ficou em 55% durante praticamente todo o governo do PT, e só recuou para 50% quando Bolsonaro assumiu. Aliás, a participação de 2021 é a pior desde 2001.

Obviamente, não quero dizer com isso que o governo do PT foi melhor do que o governo Bolsonaro, em termos econômicos. Mesmo porque, essa série de participações no PIB sulamericano não faz o mínimo sentido para tirar qualquer conclusão que preste. Meu único ponto é que tem um limite para o ridículo. O PT também faz esse tipo de mistificação, mas normalmente eles são mais competentes.

Certamente Luciano Hang não toca suas empresas com esse tipo de interpretação das estatísticas econômicas. Bem, espero que não.

Money talks

Musk desistiu do Twitter.

Quando o negócio foi anunciado, a direita oprimida do mundo se uniu em regojizo. Finalmente alguém iria libertar a rede social de suas amarras gramscianas, franqueando seus tuítes a todos os que lutam pela liberdade. Uma charge resume o júbilo: Musk abre a gaiola e convida um temeroso passarinho azul a voar livre.

Alguns, inclusive, juravam que o simples anúncio do negócio já tinha feito o milagre da libertação. Teria havido um aumento do número de perfis de direita nas timelines. Pensei com meus botões: qual a chance de o Twitter mudar qualquer orientação (se é que existe alguma orientação) sendo que só existe uma proposta comercial que ainda seria discutida por meses? Para mudar alguma coisa, é só óbvio que Elon Musk precisaria, antes, sentar-se no conselho de administração da empresa. Mas sabe como é, a vontade de ver milagres é poderosa.

Agora, ficou claro que, se Musk eventualmente tinha alguma ideologia por trás de sua oferta, o motivo principal era financeiro mesmo. O bilionário retirou a oferta porque não se sentiu seguro com relação ao que estava comprando. Ele até pode ter uma ideologia, mas não queima dinheiro para manter a chama dessa ideologia acesa. Aos que esperavam o Dom Sebastião das redes sociais, podem puxar o banquinho.

Pode ser que esta seja mais uma jogada de Musk para baixar o preço da mercadoria, e ainda tenhamos o negócio feito. Mas o episódio mostra que, antes de tudo, trata-se de business, e isso vale para todas as redes sociais. Procurar padrões ideológicos por trás do comportamento das redes é perda de tempo. Usar a chave do dinheiro para entender as redes é o caminho mais lógico.

Não contem comigo

A vantagem (ou desvantagem) de ser mais experiente (velho não!) é lembrar-se das coisas mais antigas. No final de 2012, o então governo Dilma fez uma mandracaria regulatória (a MP 579) misturada com redução de encargos, que conseguiu baixar o preço da energia elétrica em 20% em 2013. Faço a análise dessa MP no episódio 6 da série A Economia Brasileira na Era PT. Pois bem. Os petistas, a exemplo dos bolsonaristas de hoje, não se cansavam de repetir que o governo do PT havia conseguido reduzir as tarifas, e quem criticava estava só exercitando o seu direito ao choro.

Nada como a perspectiva do tempo. Aquela MP se mostrou um desastre de proporções bíblicas, desarrumando o setor elétrico e cavando um buraco orçamentário que estamos pagando até hoje. E as tarifas de energia elétrica voltaram a subir com força nos anos seguintes.

Fast forward para 2022. Bolsonaristas comemoram a queda dos preços dos combustíveis no melhor estilo petista de 2013. Seria como que a prova definitiva de que, graças a Bolsonaro, a vida do povo está melhorando, e todo e qualquer “mas” não seria mais do que mimimi ou choro de perdedor. O problema, como sempre, é o teste do tempo.

A queda do preço dos combustíveis se deu pelo corte de impostos arrecadados pelos estados. Alguém aí viu algum estado anunciando um ajuste fiscal através do corte de despesas? Não, você não perdeu nenhum anúncio. É que não aconteceu. As despesas continuam exatamente do mesmo tamanho. Não é muito difícil antecipar o que vai acontecer nos próximos anos: depois de acabar a gordura da arrecadação por conta da inflação, os estados vão começar a quebrar um atrás do outro. E adivinha quem vai ter que socorrer? Você, que está economizando algum dinheiro com o combustível mais barato agora, sugiro que guarde o montante economizado para pagar a conta do aumento de impostos e/ou aumento dos juros e/ou aumento da inflação no futuro para pagar a conta.

Alguns petistas, quando escrevi a série sobre a economia brasileira na era PT, se disseram, com uma ponta de ironia, ansiosos para ver outra série sobre o governo Bolsonaro. Expliquei que, em economia, é preciso ter a perspectiva do tempo. Decisões que parecem boas hoje só mostram todo o seu potencial destrutivo ao longo do tempo. Portanto, seria preciso aguardar alguns anos após o fim do governo Bolsonaro para julgar a sua obra.

Nesse sentido, ainda é muito cedo para dizer que o governo Bolsonaro é superior ao governo PT em termos de política econômica. Na verdade, os primeiros 4 anos do governo Lula foram exemplares nesse aspecto. Se alguém escrevesse uma análise da economia brasileira no final do primeiro governo Lula, a balança seria francamente positiva. Claro que o ambiente externo havia ajudado, ao contrário desses 4 primeiros anos do governo Bolsonaro, mas Lula se ajudou também: aprovou uma reforma da previdência dos funcionários públicos, manteve a estrita disciplina fiscal, respeitou a autonomia do BC, aprovou algumas reformas microeconômicas. Nada faria supor o que viria nos anos seguintes.

Quer dizer, nada não. No segundo episódio da minha série de artigos, chamo a atenção para os sinais que já se faziam presentes ainda no 1o mandato de Lula sobre o desastre que estava por vir. Claro, tenho o benefício do hindsight, de já saber o final da história. Na época, pouca gente, inclusive eu, deu a devida importância a esses sinais.

Tendo a experiência como guia, os sinais emitidos pelo governo Bolsonaro são preocupantes. O populismo fiscal virou a norma. Pode não haver o viés ideológico que orientou os passos dos governos PT na economia, mas o efeito final sobre as contas públicas é o mesmo. Nesse sentido, os quatro primeiros anos do governo Lula foram claramente superiores aos quatro primeiros anos do governo Bolsonaro. Claro, sempre se pode dizer que, se Lula tivesse o mesmo azar de Bolsonaro, teria feito a mesma coisa ou ainda pior. Pode até ser verdade, não temos o contrafactual. Mas o ponto é que, se nenhum governante seria capaz de fazer algo diferente do que Bolsonaro fez, dadas as suas condições concretas, então, na prática, tanto faz quem vai ser colocado lá na cadeira do presidente. Essa espécie de “fatalismo econômico”, traduzido na frase “não tinha como fazer algo diferente”, é o aval para o voto nulo, dado que tanto faz mesmo.

Enfim, não contem comigo na comemoração de medidas econômicas populistas.

Risco zero não existe

Ainda estou passado com o assassinato do ex-primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe. Como pode, em um país que tem o pacifismo como uma marca de sua sociedade após a tragédia da 2a Guerra Mundial, onde as armas são estritamente controladas e a polícia atua sem armas, um atentado com arma de fogo tirar a vida de um político proeminente como Abe. Simplesmente inacreditável.

Ouço, aqui e ali, o raciocínio de que essa seria uma prova de que nada adiantaria o controle de armas. O mesmo raciocínio que se seguiu ao atentado de Chicago, feito com uma arma comprada legalmente em um estado com um dos mais restritos conjunto de regras para a obtenção de armas. Se apertar o controle de armas não foi o suficiente para evitar a tragédia, então é inócuo controlar armas para a diminuição da violência. Se armas fossem simplesmente proibidas, o assassino improvisaria qualquer outra arma, como aparentemente foi o caso no Japão. Armas não matam, pessoas matam, esse é o mantra.

Esse é um raciocínio falacioso. Quando falamos de segurança, a proteção nunca é 100%. A questão é saber se a proteção serve para aumentar o nível de segurança, não se a proteção elimina 100% do risco. Isso, obviamente, não existe.

Essa falácia se repete em toda parte. Na pandemia tivemos vários exemplos. “Usou máscara e pegou Covid”. “Tomou vacina e morreu de Covid”. Essas são frases usadas para “provar” que de nada adianta usar máscara ou tomar vacina, pois houve casos em que esses cuidados não funcionaram. Mas a questão não é essa. A questão é se, na ausência desses cuidados, o risco seria ou não maior. E, ao que tudo indica, máscaras e vacinas protegem, mas não 100%. Portanto, vale (ou valeu) a pena a sua adoção.

Podemos reduzir ao absurdo esse tipo de raciocínio usando outros exemplos. Há aviões que caem mesmo com a manutenção em dia. Portanto, manutenção não serve de nada. Há casas que são assaltadas mesmo com cercas elétricas e cães de guarda. Portanto, de nada adianta a adoção dessas proteções. Há motociclistas que morrem em acidentes mesmo usando capacete. Portanto, capacetes não servem para nada. E assim por diante.

Risco é medido pela probabilidade de um evento negativo. Se diminuímos a chance daquele evento, já há um ganho, mesmo que a probabilidade não seja reduzida a zero. O assassinato do ex-primeiro-ministro japonês e o atentado de Chicago não dizem nada sobre a eficácia de controle de armas, pois são eventos isolados. É preciso fazer um estudo com dados agregados de diferentes lugares com diferentes níveis de controle de armas, controlado por eventuais fatores correlacionados, para se chegar a alguma conclusão. Eventos isolados só servem como narrativa, não como evidência.

O eterno trade off entre segurança e privacidade

Uma extensa reportagem de hoje no Estadão descreve os últimos avanços do combate ao crime na China, o que inclui, obviamente, desafiar o regime. A ideia é tentar antecipar o crime através do monitoramento de potenciais transgressores, identificados por meio da análise extensiva de dados e uso de inteligência artificial em sua interpretação.

Esse método de combate ao crime remete ao icônico filme Minority Report, um dos melhores de Tom Cruise. Neste filme, uma empresa assume com sucesso o policiamento do país, ao utilizar uma tecnologia que consegue “prever” os crimes antes de acontecerem. Na verdade, a tecnologia se resume aos “Cogs”, mutantes que conseguem ver o futuro.

A discussão ética se dá em torno da ideia de se punir um crime antes que aconteça. De maneira estrita, o crime não ocorreu, portanto não há criminoso. Mas a tecnologia previu o crime, portanto há um criminoso em potencial, que pode ser punido e posto fora de circulação. Ético ou não, o procedimento faz despencar o número de crimes no país. (Fiquem tranquilos os que não assistiram ao filme e gostariam de assistir, a trama é muito mais do que isso, não há spoiler aqui).

A inteligência artificial está fazendo, e fará cada vez mais, o papel dos “Cogs”. Na China isso já é uma realidade, e a discussão ética está posta. No último tiroteio com vítimas nos Estados Unidos, em um desfile de 4 de julho em Chicago, ao que parece o assassino deixou pistas em suas redes sociais, o que normalmente acontece. É tentador pensar que, com base nessas pistas, a polícia poderia prendê-lo antecipadamente, poupando sete vidas. O problema é que uma prisão antecipada colide frontalmente com princípios básicos da civilização ocidental e do Estado de Direito, como a presunção de inocência e a liberdade de expressão. Poder-se-ia pensar em um monitoramento mais próximo de pessoas que poderiam ser assassinos potenciais. No entanto, na prática, isso custaria muito caro. Imagine monitorar, seguir e neutralizar todo maluco que fala groselha na internet. Haja recursos policiais!

Nicholas Taleb, em seu clássico livro Black Swan, analisa fenômenos que ele chama de “cisnes negros”, ou seja, de baixíssima probabilidade de ocorrência mas que causam um estrago gigantesco. Um dos exemplos é o 11/09, em que a segurança dos aeroportos não foi suficiente para evitar o atentado das torres gêmeas. A questão colocada é justamente qual o custo de se ter evitado o 11/09 ANTES de ele ter ocorrido. Quem seria o político que bancaria o atual esquema paranoico de segurança nos aeroportos antes desse atentado? Sem que o atentado tivesse ocorrido, não haveria apoio da sociedade para a verdadeira tortura que se tornou viajar de avião nos EUA. Talvez ainda estejamos para ver um evento de proporções cósmicas que convença os americanos a deixarem-se monitorar e aceitarem a prisão de suspeitos pelo que falam em redes sociais.

O governo chinês, como sabemos, não tem esse tipo de pudores, e monitora seus cidadãos usando os seus “Cogs”. Lá, o trade off entre segurança e privacidade foi resolvido. No ocidente, a discussão continua.

Mal posso esperar para ver

Bolsonaro nos revela que há um plano. Um plano que somente ele e seus apoiadores conhecem. Um plano que não envolve “um novo Capitólio”, mas algo a ser feito “antes das eleições”.

No que consistiria esse plano? O que “sabemos o que temos que fazer”? Se não é uma invasão ao Congresso ou ao STF, o que seria? Não consigo imaginar, mas deve ser algo muito eficaz para garantir a eleição do mito.

O que quer que seja, já é do conhecimento dos bolsonaristas, pois estes já sabem “como temos que nos preparar”. Fico cá imaginando como este plano foi comunicado a toda comunidade bolsonarista. Certamente não foi via redes sociais, pois senão já todos nós estaríamos sabendo. Não. Deve haver um canal secreto de comunicação, de modo que os bolsonaristas, e somente eles, “sabem o que têm que fazer”.

Mal posso esperar para ver.

A mágica da reindustrialização

Claro que uma parcela do empresariado vai apoiar Lula. Afinal, nunca antes na história desse país o BNDES atuou tanto em favor da indústria, quanto nos anos do PT.

Em abstrato a ideia faz sentido. O governo subsidia as taxas de juros, projetos antes inviáveis tornam-se economicamente viáveis e saem do papel, o governo arrecada mais impostos e consegue pagar a conta dos subsídios com folga. Isso em abstrato. No concreto, a bicicleta cai pela fadiga do ciclista.

São três os problemas com essa ideia.

O primeiro é o chamado “desconto não intencional”. Você entra em uma loja, escolhe a mercadoria e vai no caixa para pagar. Lá, você fica sabendo que aquela mercadoria está em promoção, e recebe um desconto de 10%. Aquele desconto foi um dinheiro jogado fora pela loja, porque a decisão de compra já estava feita. O mesmo ocorre com uma parcela dos subsídios. Tendo já tomado a decisão de investimento, o empresário embolsa o subsídio, engordando o seu lucro. Difícil medir qual parcela dos subsídios é simplesmente jogada no lixo, mas certamente é maior que zero.

O segundo problema é achar que somente diminuindo juros a reindustrialização do país ocorrerá como que por mágica. Muitos apontam a Coreia do Sul como um exemplo de industrialização induzida pelo estado. Sim, verdade. A questão é que juros subsidiados são apenas uma parte do pacote, que inclui mão de obra qualificada, segurança jurídica, burocracia leve, infraestrutura robusta, abertura comercial. Baixar os juros artificialmente sem ter esses outros elementos só serve para onerar os cofres públicos sem mexer o ponteiro da industrialização. Prova disso é o gráfico da participação da indústria na economia brasileira durante o governo PT (abaixo). Mesmo com toneladas de subsídios, a indústria continuou perdendo participação na economia. Falta só todo o resto.

O terceiro problema é que estamos em 2022, não em 2007. A diferença de hoje para 15 anos atrás, quando o PAC foi lançado e o BNDES começou a ser turbinado, é que tínhamos superávit primário e estávamos surfando a onda de crescimento da China. Tínhamos, portanto, espaço fiscal para esse experimento desenvolvimentista. Hoje, geramos déficit fiscal estrutural e nossa dívida bruta está 20 pontos percentuais do PIB mais alta do que há 15 anos. Nesse contexto, financiar subsídios é a receita do desastre. A taxa de juros da economia como um todo aumentará, diminuindo o crescimento potencial e aumentando a dificuldade de trazer a inflação para baixo. O resultado será menos indústria, e não mais indústria, como vimos nos anos PT.

Diz a velha sabedoria que, quando Fiesp e governo se juntam em um almoço, o melhor a se fazer é ficar de olho na própria carteira. Sábio conselho.

PS.: aqui, você pode ler o meu artigo sobre crescimento econômico nos governos do PT, em que abordo o papel do BNDES.

Cenário da eleição em São Paulo

Márcio França rendeu-se às evidências e vai concorrer ao senado na chapa de Haddad. Sua candidatura, no final, era uma candidatura de si próprio. Enquanto Haddad representa Lula, Tarcísio representa Bolsonaro e Garcia tem a máquina do governo, França só tinha a seu favor o recall da última eleição. A tendência, já captada em pesquisas, era perder votos para Tarcísio e, principalmente, Garcia.

Com Márcio França fora do páreo, praticamente consolida-se um 2o turno entre Haddad e o vencedor entre Tarcísio e Garcia. Esse confronto entre o 2o e o 3o lugares é, na minha opinião, uma espécie de final antecipada. O antipetismo do interior do estado é um teto quase intransponível para qualquer candidato do PT no estado. Portanto, meu palpite é que o próximo governador será Tarcísio ou Garcia.

Tarcísio tem a vantagem e a desvantagem de estar colado a Bolsonaro. A vantagem óbvia é ter um piso alto, por conta do eleitorado cativo do mito. A desvantagem é o anti-bolsonarismo, que é uma força que extrapola o simples petismo, e pode significar um teto baixo de votos. Aliás, eu diria que Haddad está torcendo para ter Tarcísio no 2o turno. Tarcísio aumentaria suas chances se conseguisse, de alguma maneira, descolar sua imagem da de Bolsonaro. Não perderia os votos da base bolsonarista e poderia ganhar alguns votos daqueles que rejeitam o presidente. Foi o movimento que Zema, por exemplo, fez em Minas, não aceitando uma composição com Bolsonaro no 1o turno. Mas, para Zema, é mais fácil do que para Tarcísio.

Garcia, por sua vez, tem a vantagem e a desvantagem de ter a máquina do governo. A vantagem óbvia é ser o representante de uma teia de apoios construída nos últimos 30 anos pelo PSDB no estado. A desvantagem é a fadiga de material. O PSDB, tal qual o conhecíamos, acabou em 2018, com a votação nacional pífia de Alckmin, e Doria sendo eleito aos 45 minutos do 2o tempo pendurado nas bolas de Bolsonaro. Se Tarcísio é um forasteiro em São Paulo, Garcia é um forasteiro no PSDB, tendo se filiado ao partido apenas em 2021. Daquele velho PSDB que dominou a política paulista nas últimas décadas, restam apenas as 4 letras. Será o suficiente para empurrar a candidatura de Garcia?

Enfim, o cenário da eleição em São Paulo vai se afunilando. O mais provável, na minha opinião, é que tenhamos o repeteco da polarização nacional aqui também.