O sonho de um mundo inabalável

Alguns podem achar estranho a existência de uma monarquia em pleno século XXI. Afinal, estamos na era da meritocracia, e não deixa de ser esquisito que uma pessoa tenha poder e riqueza pelo simples fato de a cegonha ter visitado a casa certa.

Mas, se pensarmos bem, essa é a regra, não a exceção. Todos nós temos um conjunto de dons (habilidades e riqueza) que vem do nosso DNA. Não é mérito nosso termos nascido no palácio de Buckingham, em uma casa de classe média nos Estados Unidos ou em uma favela brasileira. Nem tampouco é mérito nosso ter nascido com muita facilidade para matemática ou para jogar futebol.

Por outro lado, assim como na parábola dos talentos, é mérito nosso o que fazemos com esses dons inatos. Uma pessoa pode ter nascido em berço de ouro, herdar um império empresarial e fortuna suficiente para várias gerações. Se não agir de forma a preservar esse dote inicial, é questão de tempo para perder tudo. É conhecido o ditado “Pai rico, filho nobre, neto pobre”. A prova de que esse ditado é verdadeiro é observar as mudanças, ao longo das gerações, na lista dos homens mais ricos do mundo.

É nesse ponto que reside o mérito da falecida rainha Elizabeth II. A realeza britânica sobrevive em pleno século XXI porque a rainha soube, a exemplo de seus antecessores, manter a “empresa” funcionando. E o que vende a empresa “realeza britânica”? Seu “produto” é institucionalidade.

Institucionalidade é um termo difícil de definir, mas talvez possamos dizer que se trata de “perenidade de regras”. Em um mundo louco, em eterna vertigem de um vórtex de acontecimentos e regimes frágeis, a realeza britânica aparece como o mastro inabalável que sustenta a bandeira da perenidade. As pessoas têm nostalgia ancestral de um tempo em que “éramos felizes”, e a realeza simboliza esse tempo. Só isso explica porque o povo de um país periférico sai às ruas para saudar entusiasticamente a rainha, como descreve a reportagem do Estadão, a respeito da visita de Elizabeth II ao Brasil em 1968.

Elizabeth II exerceu com maestria o papel de CEO dessa “empresa da institucionalidade”, dosando a pompa do cargo com a proximidade do povo. Transformou a realeza em um fenômeno pop, em um difícil equilíbrio de adaptação e preservação. Tinha exata noção do que representava o seu cargo e, por isso, sobreviveu por 70 anos à frente da empresa, entregando-a com a mesma força, senão mais, do que a recebeu.

Eu sou daqueles que tende a desdenhar o papel da monarquia inglesa no mundo atual. Mas confesso que as reações à morte da rainha me surpreenderam e me levaram a essas reflexões. Os seres humanos precisamos de símbolos. E aquela senhora simpática foi um símbolo poderoso de um mundo que não existe mais, de um mundo perene, estável, inabalável. E todos nós, no fundo, sonhamos com um mundo assim.

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