Petistas estão surpresos com o “antipetismo” em MG, maior até do que em SP. Não deveriam.
Ao contrário de SP, o estado de MG foi governado pelo PT. Foi uma única vez, entre 2015 e 2018. Fernando Pimentel fez um governo tão desastroso, que conseguiu a façanha de ficar fora do 2o turno mesmo sendo o candidato incumbente.
SP não teve ainda o privilégio de ser governado pelo PT. Talvez por isso, Haddad apareça liderando as pesquisas no estado. O antipetismo paulista é, digamos, conceitual. Ainda não sentimos na pele, como os mineiros, o que é ser governado pelo PT na prática.
A julgar pelas pesquisas, os paulistas querem ter essa experiência, em uma espécie de masoquismo político. Quem sabe seja necessário mesmo, para que o antipetismo paulista evolua de uma teoria abstrata para a prática cotidiana. O sofrimento é o melhor professor, e os mineiros são prova viva disso.
Desculpem-me se estou demasiadamente monotemático, mas sou obrigado a, novamente, falar sobre orçamento público. Ontem escrevi sobre a síndrome do “já que”. Hoje, escreverei sobre a “isonomia por cima”.
Já notaram que a palavra “isonomia”, no contexto do funcionalismo público, é sempre usada para nivelar salários por cima? Nunca se trata de nivelar por baixo, apesar de a palavra “isonomia” significar, apenas, igualdade de nível, qualquer que ele seja. O nobre deputado Marcelo Castro poderia propor um aumento de 5% para o Judiciário e o Legislativo também, o que não exigiria mudança alguma no orçamento e garantiria a mesma “isonomia”. Mas, por alguma estranha manobra mental, o deputado prefere o caminho mais difícil para alcançar o mesmo objetivo.
Claro que se trata de uma ironia. Judiciário e Legislativo, assim como o Executivo, são poderes autônomos e, como tal, têm o poder de determinar os seus próprios salários, desde que respeitada a regra do teto de gastos, que é independente para cada Poder. Portanto, não haveria como exigir que todos os poderes seguissem a mesma regra salarial, a não ser que houvesse uma lei específica para tanto. A questão aqui é outra: como o Judiciário e o Legislativo podem dar mais aumento do que o Executivo?
A coisa remonta ao drible da vaca que o governo deu no teto de gastos em 2021. A chamada PEC dos Precatórios trazia uma mudança de data para o cálculo da inflação que reajusta o teto de gastos para o ano seguinte: era o IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior, e passou a ser o IPCA acumulado em 12 meses até dezembro do ano anterior. Como a inflação estava se acelerando em 2021, essa manobra permitiu aumentar o teto de 2022. O Executivo gastou esse dinheiro a mais pagando a manutenção do Auxílio Brasil em R$600, de modo que já está na tampa de novo. Já o Legislativo e o Judiciário, que só têm despesas com seu próprio funcionalismo, podem usar esse espaço adicional para aumentar salários.
Trata-se, obviamente, de uma manobra meramente contábil. O dinheiro não apareceu como que por mágica só porque a data de reajuste do teto foi mudada. Se tudo correr conforme os planos do Banco Central, estamos no fim do “bônus inflacionário”, que permitiu uma arrecadação extra em 2021/2022. A partir de 2023, com a queda da inflação e a desaceleração da economia, o aumento da arrecadação reduzirá seu ritmo, e aquele teto mais alto cobrará o seu preço em aumento da dívida pública. A não ser que tenhamos seguidas surpresas inflacionárias que mantenham a arrecadação em alta, o que é, por sinal, o resultado esperado da gastança.
Sinal de que o cobertor já está curto é a quantidade de vezes que vocês lerão o nome do deputado Marcelo Castro, o relator do orçamento, em reportagens desse tipo daqui para frente. Ontem foi o piso da enfermagem, hoje é o reajuste do funcionalismo, e a fila só aumenta para o pedido de “perdão” para ultrapassar o teto de gastos no ano que vem. São todas causas boas e justas, e que implicam aumento permanente de despesas. O Banco Central nos promete inflação na meta em 2024 (já desistiu de 2023 também). Boa sorte.
É somente óbvio que era questão de tempo para que o teto de gastos sofresse da síndrome do “já que”. Quem já fez reforma em casa sabe do que estou falando: estamos já encalacrados nos gastos, com a casa toda quebrada, e temos uma ideia que não estava no orçamento inicial. Então, pensamos: ”já que” está tudo quebrado e já gastamos tudo isso, por que não fazer mais esse gasto com essa nova ideia? Aquilo nos parece muito razoável, pois a comparação do novo gasto com o já incorrido parece irrelevante. E assim, de “já que” em “já que”, gastamos muito mais do que o orçamento inicial.
O piso da enfermagem é o mais novo na fila do “já que”. Antes tivemos o auxílio emergencial e as despesas com infraestrutura. Provavelmente teremos outras mais. Farmácia Popular, por exemplo. Ou merenda escolar. Ou Lei Paulo Gustavo. Procure na imprensa nas últimas semanas as denúncias sobre cortes de verbas e você verá os candidatos potenciais para a síndrome do “já que”. Basta ter um padrinho aguerrido no Congresso, como os enfermeiros tiveram a sorte de encontrar.
Claro que todas essas despesas são meritórias. Na verdade, custa-me crer que haja no orçamento alguma despesa que não o seja. Tudo o que nossos nobres presidente e deputados aprovam é para o bem da nação. Portanto, dizer que esses gastos não são meritórios chega a ser uma contradição em termos. Na verdade, os gastos não meritórios, como, por exemplo, as inúmeras e diversas vantagens dos funcionários públicos, estão inscritos nos chamados “gastos obrigatórios”, talhados em rocha mais firme do que a tábua dos 10 mandamentos. Nessas despesas ninguém mexe.
Uma lei orçamentária que sofre da síndrome do “já que” não pode ser levada a sério. Agora que aprendemos que fazer uma PEC é tão fácil quanto trocar de camisa, essas despesas meritórias certamente encontrarão guarida em nosso “orçamento”, qualquer que seja o próximo presidente. A conta? Bem, a conta será paga pela próxima geração, que herdará a dívida que fazemos hoje para pagar por esses gastos meritórios. Nossos filhos e netos se perguntarão, como nos perguntamos hoje, porque o país cresce tão pouco e a inflação é tão alta, aprofundando as desigualdades. Estamos hoje pagando as irresponsabilidades do passado. E a próxima geração pagará pelas nossas irresponsabilidades. E assim, de irresponsabilidade em irresponsabilidade, vamos construindo o país do futuro que nunca chega.
Tentei recortar alguns trechos dessa reportagem do Valor de hoje, mas trata-se de uma peça de rara beleza, que merece a admiração do leitor em toda o seu conjunto.
Em resumo, a campanha petista acha que Alckmin ”exagerou” em sua conversão ao petismo, de modo que não está cumprindo o seu principal papel na campanha, qual seja, a de atrair o leitor não petista. Alckmin, agora que ganhou o apreço da militância (como nos garante os próceres petistas), pode ajustar o seu discurso para agradar o “eleitor de centro”.
Quando Alckmin se aboletou na chapa petista, o tal “eleitor de centro” coçou a cabeça, sem entender muito como dois discursos antagônicos ao longo de décadas poderiam conviver na mesma chapa. Essa dúvida foi, de algum modo, sanada, quando Alckmin resolveu usar o boné do MST e cantar a Internacional Socialista. Restou claro que Alckmin havia abandonado os últimos resquícios de dignidade que lhe sobraram com o objetivo de permanecer em evidência na cena política.
Fica a dúvida, agora, de como esse mesmo “eleitor de centro” vai compreender o discurso do velho Alckmin, não alinhado ao do candidato principal. Primeiro, porque seria uma espécie de “chapa esquizofrênica”, em que o candidato principal fala “A” enquanto o candidato a vice fala “B”. Mas, principalmente, porque Alckmin já se lambuzou de petismo nesses últimos meses, e o “eleitor de centro” já perdeu o que lhe tinha de respeito. Assim, um “ajuste no discurso” vai soar mais falso que uma nota de 3 reais.
O grande mérito dessa reportagem é por a nu o objetivo da presença de Alckmin na chapa de Lula: servir como uma espécie de “verniz de responsabilidade” que oculte o “lulismo” de Lula. Não à toa, os conselheiros do PT querem que Alckmin mostre-se menos lulista, de modo a nos fazer crer que Lula não será Lula na presidência. Assim é se assim lhe parece.
Reportagem chama a atenção para o crescimento do consórcio como forma de financiamento, na medida em que as taxas de juros aumentam. Muitos entram nessa porque é ”mais barato que um financiamento” ou porque “têm dificuldade de poupar se não tiver um boleto pra pagar”.
Com relação ao primeiro ponto, é bom ter em mente que o consórcio também é um tipo de financiamento. Mas, ao contrário do financiamento bancário, em que o banco empresta o dinheiro, no consórcio quem empresta o dinheiro é o consorciado. É incrível, inacreditável mesmo, que, em uma extensa matéria sobre o assunto, não se toque neste ponto, que é fundamental. O consorciado assume o risco de crédito de pessoas para as quais os próprios bancos não quiseram emprestar, tais como “endividados e inadimplentes”. Existe um fundo de reserva para pagar pela inadimplência (e que sai do bolso do consorciado), mas nada garante que será suficiente. Muitos entram em um consórcio de um grande banco achando que, por ter um grande banco por trás, não há esse risco. Pois há sim: se a inadimplência aumentar, é o consorciado que deverá pagar no lugar daqueles que não pagaram.
O consorciado só se livra parcialmente desse risco quando obtém o bem, seja por lance, seja por sorteio. Neste ponto, ele passa de financiador a financiado. Para estes que recebem o bem antes, pelo menos se livram do risco de não receber o bem. Para os que vão receber o bem no final, o consórcio serve como uma “poupança forçada”. A diferença para uma “poupança normal”, é que você paga juros para poupar ao invés de receber os juros, e corre o risco de crédito dos outros consorciados ao invés de correr o risco de crédito do banco onde você faz a poupança. A indisciplina, de fato, custa muito caro.
Não me entendam mal. Acho que cada produto financeiro tem o seu público, e será adequado para as necessidades específicas de cada indivíduo. Meu único ponto é que os produtos financeiros devem ser adequadamente explicados, para que cada um tome a decisão que melhor lhe convier, da maneira mais bem informada possível. E não me parece que os riscos do consórcio estão adequadamente explicados.
Para quem tem olhos de ler, este pequeno artigo do cientista político Carlos Pereira serve para desmistificar a tal “frente democrática” que se formou para derrotar Bolsonaro nas eleições. Pelo menos, no que se refere a uns tais “pendores anti-democráticos” que seriam exclusividade do atual presidente.
Carlos Pereira descreve uma série de elementos que servem para identificar um “backsliding democrático”:
1) Demonização dos políticos e dos partidos, e ligação direta com o povo;
2) Reformas constitucionais que reforcem o poder unilateral do presidente;
3) Enfraquecimento dos órgãos de controle e, principalmente, do judiciário;
4) Controle da mídia.
Desses fatores todos, Bolsonaro elegeu-se com o figurino do primeiro, mas não levou dois anos para cair no colo do Congresso. Não moveu uma palha para mudar a Constituição em favor de de uma concentração de poder, o judiciário está onde sempre esteve e a mídia continua aí, firme e forte.
Por outro lado, Carlos Pereira cita o exemplo de países que sofreram o “backsliding democrático”, todos na América Latina: Venezuela, Equador e Bolívia. Coincidentemente, todos regimes que contam com a simpatia do democrático Partido dos Trabalhadores.
Há que se reconhecer que o PT, quando no poder, a exemplo do atual presidente, também não se movimentou em direção a uma autocracia. Podemos ficar discutindo durante anos se o PT não fez o mesmo que seus colegas da Venezuela por não querer ou por não poder. É, diga-se de passagem, a mesma acusação que os “democratas brasileiros” fazem a Bolsonaro, acusando-o de crime de intenção. O fato é que, nem um nem outro se movimentaram na direção de concentrar poder. O mensalão e o petrolão foram formas de comprar o Congresso, não de concentrar poder. Aliás, só existiram porque o presidente era fraco, não forte.
O articulista se pergunta porque em alguns países os autocratas obtém sucesso e em outros não. Aventa algumas hipóteses, mas não conclui. Na minha humilde opinião, a nossa democracia está e continuará aí, firme e forte, porque temos um Centrão político. Um Centrão não ideológico, pragmático, fisiológico. Um Centrão que representa o pensamento e o modus operandi do brasileiro médio. Para esta larga faixa do espectro político, não interessa a centralização do poder em um único partido. O Centrão vive do caos democrático, onde muitas vozes defendem pontos de vista diferentes o tempo todo. É nesse ambiente que o Centrão maximiza os seus ganhos.
Descansem, pois, os espíritos timoratos. Qualquer que seja o próximo presidente, a nossa democracia não corre risco. Continuaremos essa mesma maçaroca democrática de sempre, graças à eterna vigilância do Centrão.
Pedro Doria continua muito preocupado com a nossa democracia. Segundo o articulista, estamos ameaçados pelas fake news, que distorcem a vontade do eleitor. E as empresas de tecnologia não estariam fazendo nada a respeito, pois “não teriam qualquer compromisso com os valores democráticos”.
É curioso. Em redes bolsonaristas, a reclamação é a inversa: o Facebook estaria a serviço dos globalistas, perseguindo as “páginas de direita”.
Não é possível que as duas coisas estejam acontecendo ao mesmo tempo. Ocorre que cada um enxerga a realidade de seu particular ponto de vista, e é capaz de jurar que aquela é a verdadeira realidade. Mas, no caso, gostaria de estabelecer uma diferença fundamental entre os dois pontos de vista, independentemente de quem esteja certo sobre o que o Facebook esteja realmente fazendo. A diferença está naquilo em que cada parte DESEJARIA que o Facebook estivesse fazendo.
Pedro Doria representa uma linha que defende que o Facebook e outras redes sociais precisariam trabalhar como censores. Há algum tempo, escrevi um artigo refletindo sobre como esse problema é delicado (Redes sociais e a busca do censor ideal). Os bolsonaristas, por outro lado, querem campo livre para propagar suas “fake news”, o que, por suposto, significa campo livre para o adversário também propagar suas próprias “fake news”.
O TSE já se colocou como árbitro dessa questão espinhosa, que vem sendo objeto de análise desta página há algum tempo. Para Pedro Doria, isso não é o suficiente. As redes também precisariam atuar. Em meu artigo, reproduzo uma fala de Angela Merckel, que chama a atenção para o perigo de termos empresas privadas arbitrando o conteúdo de discursos privados. Alinho-me à ex-chanceler alemã neste ponto: o que menos precisamos é o Zucka com o poder de dizer o que podemos ou não dizer. Não para Pedro Doria. Em sua democracia, é super-natural que tenhamos um censor privado.
“Censura” é daquelas palavras proibidas, que um verdadeiro democrata não deveria nunca pronunciar, a não ser acompanhada da expressão “nunca mais”. Pedro Doria é esperto, e não usa a palavra maldita em seus textos. Mas o que propõe tem rabo de censura, focinho de censura e cheiro de censura. O seu conceito de democracia é peculiar.
Era uma vez um país em que não havia violência no,esporte. Os jogadores não eram ameaçados pelas torcidas organizadas, torcidas conviviam na mais pura harmonia nos estádios, você podia vestir uma camisa de time na rua sem medo.
Até que as trevas caíram. A partir de 2019, uma nuvem tóxica provinda de Brasília envolveu os torcedores brasileiros, que passaram a se comportar como nunca antes, brigando e matando-se uns aos outros em estádios, invadindo e pixando CTs e, o pior, lançando mão de ataques racistas e homofóbicos contra os jogadores.
Esta é a leitura que o ex-comentarista da Globo, Walter Casagrande Jr. faz da realidade brasileira.
Mas, para o alívio do Casão e de todos nós, a julgar pelas pesquisas, esse período tenebroso tem data marcada para acabar. A partir de 01/01/2023, o Brasil voltará a ser como antes, e os torcedores, livres do maléfico feitiço que os transformou em zumbis violentos, poderão confraternizar-se em uma nova Terra, onde o leão se deitará com o cordeiro e a paz prevalecerá. Glória a Deus!
PS.: será que o Casagrande ficaria muito chocado com a informação de que as torcidas organizadas, de onde sempre sairiam e continuam saindo os responsáveis pela violência no futebol, normalmente apoiam o PT nas eleições?
Este post tem tudo a ver com o anterior, sobre as dificuldades que os ambientalistas colocam em relação à construção de linhas de transmissão de energia. Na verdade, é sobre a questão de fundo que organiza todo o pensamento ambientalista: a humanidade é a grande inimiga do planeta, e sua busca incessante por crescimento econômico e lucros é um pecado que será punido, mais ou mais tarde, com a ira de Gaia, a Mãe Natureza. Trata-se da versão científica do Juízo Final, com a diferença de que mesmo os “bons” serão punidos junto com os “pecadores”. Afinal, estamos todos no mesmo barco planetário.
O tema deste artigo é a tese do “decrescimento econômico”. Segundo essa tese, não basta “crescer de maneira sustentável”. Em um planeta com recursos finitos, mesmo esses recursos sendo consumidos de maneira mais lenta, um dia acabarão. A figura utilizada por um dos economistas citados é a de um trem que vai a alta velocidade na direção errada. Não basta reduzir a velocidade, pois a direção continuará errada. É preciso inverter a direção.
Bem, se o efeito do crescimento contínuo é a exaustão dos recursos naturais, o efeito do decrescimento continuo é, no fim da linha, a volta da humanidade às cavernas. O crescimento do PIB nada mais é do que a medida monetária do aumento do padrão de vida da população global. Vivemos hoje com um nível de conforto médio inimaginável para o homem comum do início da Revolução Industrial. O consumo de recursos naturais foi (tem sido) o preço pago para manter e aumentar este conforto.
Sabemos que diminuir o padrão de vida é das tarefas mais difíceis. Uma pessoa que perde o emprego e é obrigada a reduzir o seu padrão de consumo, sofre muito, por mais alto que seja o seu padrão anterior. O ser humano se acostuma muito rapidamente às coisas boas. Por isso, é mais fácil demonizar “os CEOs” e “a busca incessante por lucros”. Em resumo, culpar o “capitalismo selvagem”.
Na verdade, como sabemos, os CEOs das empresas respondem a incentivos. Os incentivos são dados pelos investidores das ações das empresas, que se valorizam na proporção de seus lucros. E os lucros, vejam só, ocorrem quando as empresas conseguem atender satisfatoriamente à demanda dos clientes. Então, na ponta final desse sistema que está levando o planeta Terra à destruição está, veja só, você, que sempre busca produtos e serviços melhores e mais baratos. E os CEOs, que são pagos para atender a esta demanda, levam a culpa.
A tese do “decrescimento do PIB”, além disso, é injusta. Países mais pobres, que não chegaram ainda a um padrão de vida decente, seriam os primeiros prejudicados por uma recessão global permanente. Se a diminuição do padrão de vida é ruim para os mais ricos, chega a ser cruel para os mais pobres. Não à toa, a tese é defendida por economistas de países mais ricos.
Se alguém fizesse a previsão, há dois séculos, de que o planeta seria capaz de sustentar uma população de quase 8 bilhões de almas com um padrão de vida muitas vezes superior ao que vigia à época, seria considerado um visionário utópico, com um otimismo desligado da realidade. Isso porque temos imensa dificuldade de antecipar tecnologias. Da mesma forma, prever o que acontecerá com o planeta daqui a dois séculos com base na tecnologia atual é um exercício fútil. Aqueles que advogam a tese do “decrescimento econômico” subestimam a incrível capacidade humana de fazer mais com menos, capacidade esta levada ao máximo com os incentivos do capitalismo. Trata-se de uma visão pessimista da humanidade. No limite, segundo essa visão, seria melhor que não existíssemos.
O colunista Thomas Friedman, do NYT, é insuspeito no que se refere à pauta ambientalista. É crente das mudanças climáticas provocadas pelo Homem e, portanto, da mudança urgente da matriz energética. Portanto, tem autoridade para descascar os ambientalistas puros, que pretendem mudar a matriz com um “apertar de botão”, segundo expressão por ele utilizada no artigo.
Friedman crítica principalmente a falta de entendimento dos ambientalistas no que concerne à necessidade da construção de linhas de transmissão entre as fazendas eólicas e de energia solar até os centros consumidores de energia. A única forma de produzir energia no lugar em que vai ser consumida é através da queima de combustíveis fósseis, pois somente nessa forma é possível transportar energia em forma sólida ou líquida com caminhões e trens. Um dia, quem sabe, teremos baterias tão eficientes que será possível carregar uma do tamanho de um container e carregá-la de caminhão para suprir as necessidades de uma cidade por muito tempo. Ainda estamos distantes, muito distantes, desse dia.
Até que esse dia chegue, linhões serão necessários para transportar a “energia limpa” produzida. Mas, nos EUA, Bernie Sanders e seus companheiros votaram contra uma legislação que tinha como objetivo agilizar o licenciamento ambiental para a instalação de linhas de transmissão. O articulista conta o caso de um empresário que levou nada menos que 17 anos para conseguir as licenças necessárias para construir um linhão de sua fazenda éolica no Wyoming até onde a eletricidade seria consumida, Las Vegas.
Quem lê essa página vai lembrar de algo muito semelhante: a epopeia do linhão Manaus-Boa Vista, projeto que está parado por um contencioso com uma tribo indígena que conta com duas mil almas em um território equivalente ao estado de Sergipe. Coincidentemente, reportagem de ontem aborda o problema pela enésima vez nos últimos 10 anos.
Como o linhão atravessa a reserva indígena, precisa do “de acordo” dos índios. Enquanto isso, nada feito, e a energia de Roraima continua sendo suprida com a queima de combustíveis fósseis. Os ambientalistas, que se colocam em defesa dos índios, provavelmente acreditam que a ”energia limpa” será entregue nas casas de Roraima de disco voador. (Escrevi extenso artigo sobre este tema, aqui).
O caso de Roraima não é exceção, é regra. Assim como nos EUA, o licenciamento ambiental no Brasil é um pesadelo. Como Thomas Friedman, não sou contra a que se respeite o meio-ambiente no momento da construção de grandes obras de infraestrutura. Mas, enquanto a classe média continuar, no dizer do articulista, a “consumir vorazmente energia” (o que inclui os ambientalistas aboletados em seus confortáveis apartamentos e carros), será preciso fazer escolhas. E, uma delas, é tornar mais flexível a legislação para a construção de linhões de transmissão ou aceitar a queima de combustível fóssil para a geração de energia. Não escolher entre as duas coisas é viver no mundo da utopia.