Reportagem de ontem informa que a desigualdade de renda permanece mesmo naqueles municípios onde há grande investimento público. Estou estupefacto: quer dizer então que a desigualdade não se resolve na base da canetada governamental? Quem diria…
No meu livro Descomplicando o Economês há uma tabela com os dez países menos desiguais e os dez países mais desiguais do mundo em termos de índice de Gini. Adivinha em qual dessas tabelas o Brasil está.
O mais incompreensível é que isso aconteça mesmo com uma boa parte dos gastos do governo sendo direcionados para a assistência social, a começar da Previdência, passando por educação e saúde, até chegar no Bolsa Família turbinado. Por que, afinal, depois de décadas de políticas social democratas de distribuição de renda, o nosso índice de Gini não se mexe em relação à média global? Por que continuamos a ser um dos países mais desiguais do mundo?
Os economistas Gustavo Loyola e Marcelo Nery arriscam algumas hipóteses. Loyola afirma que investimentos públicos muitas vezes não são direcionados para aliviar as necessidades dos mais pobres, como educação e saúde, mas para construir equipamentos para os mais ricos, como aeroportos. Já Nery chama a atenção para o fato de que a mesma mão que dá o Bolsa Família retira o benefício através dos impostos indiretos. Ambos analisam facetas diferentes do mesmo problema: o poder das elites de manterem suas posições.
Seriam as elites brasileiras tão piores do que as de outros lugares do mundo a ponto de estarmos entre os 10 países mais desiguais do mundo? Não acho que seja assim. E aqui entra a minha tese sobre este assunto.
Se analisarmos o ranking da desigualdade de renda, vamos observar que os países menos desiguais, com índice de Gini menor que 0,3, estão no leste europeu (antigos satélites e repúblicas da União Soviética), alem sos países escandinavos e Japão. A seguir, com Gini entre 0,3 e 0,4, estão os países da Europa Ocidental. Com Gini entre 0,4 e 0,5, temos os EUA e os países mais desenvolvidos dentre os emergentes, como Chile. Por fim, com Gini acima de 0,5, temos os países mais desiguais do mundo, como os africanos e o Brasil-sil-sil. O que nos diz esse quadro?
Minha tese é a seguinte: o nível de desigualdade de renda tem mais a ver com a formação do país e a homogeneidade de seu povo do que com características econômicas. É mais uma questão sociológica do que econômica. Países escandinavos e do leste europeu são muito mais homogêneos do que os da Europa Ocidental, que receberam muito mais imigrantes. Além disso, o socialismo imposto de cima para baixo no leste europeu certamente teve o seu papel, em um movimento que dificilmente seria tolerado em países com tradição democrática.
Já os EUA, apesar de sua riqueza, têm a marca da escravidão, e um contingente imenso de imigrantes, o que o torna um ponto fora da curva dentre os países mais ricos. No entanto, levam uma vantagem sobre o Brasil, que também teve escravidão e imigrantes: nunca teve uma Corte, que criou a ideia da fidalguia. Nos EUA, há elites como aqui, mas não com a ideia de uma espécie de direito divino aos privilégios.
A discussão sobre a reforma tributária é um laboratório sociológico nesse sentido. As elites se agarram aos seus privilégios, como por exemplo, a OAB pressionando para que os escritórios de advocacia continuem a ter tributação especial. No Brasil, o imposto sobre consumo (a mão que tira o que a outra mão deu) é proporcionalmente muito maior em relação ao imposto sobre a renda do que em países onde as elites têm menos poder. Aqui, a própria previdência social beneficia os mais ricos, ao privilegiar os trabalhadores com carteira assinada, além dos funcionários públicos. Aliás, a reforma da previdência foi também um laboratório que revelou o quanto as elites são capazes de preservarem seus privilégios, caminhando apenas milímetros na direção de uma distribuição mais justa da renda.
Somos um país pobre e desigual. A pobreza é um problema econômico, que se resolve com mais crescimento. Já a desigualdade é um problema sociológico, que só se resolve se e quando as elites políticas e econômicas decidirem que enough is enough e assumirem a sua responsabilidade.
PS.: quem são as elites? Resposta: as elites são sempre os outros.