Em editorial, o Estadão comenta o fiasco das intitulações de ensino superior no Brasil, estampado nas notas do ENADE. Quase 30% dos alunos de ciências tecnológicas, administração, economia, direito e outras ciências humanas tiraram notas consideradas “ruins” ou “péssimas”. O diagnóstico do editorialista é de que é necessária uma reformulação do ensino superior. Eu já acho que o problema não tem nada a ver com o ensino superior. Se me permitem usar uma expressão chula, o buraco é bem mais embaixo.
A avaliação de alunos tem dois componentes: o conhecimento do aluno e o nível da prova. Se quase 30% não passaram no ENADE, mas, mesmo assim, se graduaram, isso significa que o sarrrafo das universidades é mais baixo que o do ENADE. O ENADE poderia mostrar resultados bem melhores se uma das seguintes duas coisas ocorresse: 1) a prova do ENADE fosse mais fácil ou 2) a exigência das universidades para que os alunos se graduassem fosse maior.
Se queremos excelência, a primeira alternativa, que é o pacto pela mediocridade, deveria ser descartada. Na segunda alternativa haveria menos graduandos, mas com notas mais altas, melhorando automaticamente a nota média do ENADE. O problema dessa alternativa é que esses 30% de alunos que tiveram notas ruins já pertencem aos 45% de alunos que ingressam no ensino superior e não desistem no meio do caminho, segundo o Mapa do Ensino Superior. Ou seja, descartar esses alunos significaria aumentar a evasão do ensino superior dos horríveis 55% atuais para escandalosos 70%.
Daí o meu diagnóstico de que o buraco é bem mais embaixo. É simplesmente utópico querer que as universidades desentortem um pepino que já vem torto do ensino médio e que, por sua vez, já vem torto do ensino fundamental. A verdade nua e crua é que grande parte dos brasileiros chega ao ensino superior analfabetos funcionais. A não ser que as faculdades cobrissem o currículo que deveria ter sido coberto nos ensinos fundamental e médio, não há muito o que fazer.
A nossa triste realidade é que há um pacto pela mediocridade em todo o sistema básico de ensino brasileiro, em que os alunos vão passando de ano tão facilmente quanto viram a folhinha, e o resultado na ponta é que, na real, 70% dos ingressantes no ensino superior sequer deveriam estar lá.
Não tenho os dados, mas sou capaz de apostar que os alunos que tiveram nota excelente no ENADE contaram com as melhores escolas nos ensinos fundamental e médio, tendo a faculdade uma influência marginal nessa nota. O próprio vestibular já é uma peneira que vai definir as melhores universidades, por selecionar os alunos que tiveram educação básica decente. As tão celebradas cotas em universidades públicas também selecionam os melhores alunos dentre os cotistas, normalmente vindos de escolas técnicas ou bolsões isolados de excelência no ensino básico. Comemoramos que metade dos alunos em universidades públicas vem de escolas públicas, quando essas escolas públicas capazes de colocar alunos em universidades públicas, mesmo com cotas, são a exceção, não a regra no Brasil.
A regra é que 70% dos alunos que ingressam no ensino superior vem de escolas públicas de péssima qualidade. Essa é a tragédia que continua o seu desenrolar trágico nos porões do ensino fundamental.