Medindo as convicções democráticas

Ouvi dizer que esse mesmo arrazoado de Felipe Neto vem sendo usado por jornalistas, como Natuza Neri. Faz sentido?

O artigo 19 do marco civil da internet reza o seguinte:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Seguem-se 4 parágrafos com detalhamento sobre como e em que condições se deve dar a ordem judicial.

Ou seja, o artigo 19 do MCI garante justamente a não responsabilização solidária dos provedores por danos decorrentes de conteúdo de terceiros, o que, convém destacar, tem o objetivo de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura. O que tem a ver uma coisa com a outra, poderá perguntar o leitor. Respondo: no momento em que os provedores tornam-se responsáveis pelo conteúdo de terceiros, haverá uma tendência natural de auto-proteção por parte desses mesmos provedores, que ficarão hipersensíveis a qualquer conteúdo que possa ser considerado nocivo pelo órgão regulador ou pela justiça. Isso poderia resultar em uma ameaça à liberdade de expressão por parte dos provedores, pois, em seu afã de se auto-protegerem, poderiam hipercensurar os conteúdos da rede. O espírito desse parágrafo é justamente evitar que ocorra algo do tipo.

O que propõe o PL 2360? Em seu artigo 6, o PL diz o seguinte:

Art. 6º Os provedores podem ser responsabilizados civilmente, de forma solidária:

I – pela reparação dos danos causados por conteúdos gerados por terceiros cuja distribuição tenha sido realizada por meio de publicidade de plataforma; e

II – por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros quando houver descumprimento das obrigações de dever de cuidado, na duração do protocolo de segurança de que trata a Seção IV.

Já tive oportunide de falar sobre esse tal “protocolo de segurança” em um post ontem. O fato é que, na prática, este artigo REVOGA O ARTIGO 19 DO MCI.

Então, o que Felipe Neto está dizendo é mais ou menos o seguinte: se você não der um tiro na cabeça agora, eu te mato. Obviamente, os provedores não vão dar um tiro em suas próprias cabeças, vão esperar que o STF os mate, desfilando seus doutos argumentos sobre o por quê o artigo 19 do MCI seria inconstitucional, quando seu objetivo é justamente proteger uma cláusula pétrea da Constituição, qual seja, a liberdade de expressão.

Mas o lado mais meigo desse argumento de Felipe Neto é a ameaça autoritária: se o PL não for aprovado pelos deputados, então a fúria do STF cairá sobre nossas cabeças. Como se os deputados só tivessem à disposição uma só opção, votar “sim”. Não sei porquê, lembrei da ameaça de fechamento do Congresso por parte do governo Costa e Silva quando os deputados se recusaram a cassar um colega por críticas à caserna.

Está aí como, em um único tuíte, medimos as convicções democráticas de nossos democratas.

PS.: Felipe Neto não entende de leis, entende de tuítes. Se ele escreveu isso aí, foi porque alguém assoprou. Quem será?

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