Estou assistindo a um seminário patrocinado pelo Banco Central, reunindo vários banqueiros e ex-banqueiros centrais do mundo inteiro.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve a oportunidade de fazer a abertura. Veio com aquela conversinha mole, de que política monetária e política fiscal devem trabalhar em harmonia, são como que os dois braços da política econômica do governo.
Em seguida, começa o primeiro painel, com a participação, entre outros, do ex-presidente do BC argentino durante o mandato de Maurício Macri, Federico Sturzenegger. Recomendo fortemente que assistam à sua curta apresentação, entre os minutos 0:55 e 1:12 (o link está no final do post). Além de ser muito espirituoso (como, em geral, os argentinos são), Mr. Sturzenegger só trouxe verdades. Inclusive, quando falou do desastre que significou a mudança da meta de inflação, momento em que lamentou que Haddad tivesse já abandonado o evento.
Mas o ponto a que queria chamar a atenção na fala do ex-presidente do BC argentino ocorreu logo no início, em que ele refutou a imagem usada por Haddad. Na verdade, disse o ex-banqueiro central, a política fiscal são os dois braços, enquanto a política monetária é o coração do corpo. Confesso que raras vezes ouvi uma imagem tão perfeita.
Dizer que política monetária e política fiscal são os dois braços de um corpo supõe, de maneira implícita, que há um cérebro que comanda os seus movimentos. Ou seja, os braços se movem voluntariamente, obedecendo a um comando central. No caso do Brasil, este cérebro seria, obviamente, os poderes da República, presidente e congressistas.
Não, esta imagem está irremediavelmente errada. A atuação do Banco Central se aproxima à dinâmica do coração, um órgão que funciona sem que o cérebro interfira (ainda bem!). O coração bate mais forte ou mais fraco a depender da demanda do corpo: se o corpo está em repouso, o coração pode bater mais lentamente, se o corpo está acelerado (se os braços estão se movimentando muito), o coração precisa acelerar seus batimentos para prover o sangue necessário à atividade. Não é o cérebro que, voluntariamente, ordena que o coração faça uma coisa ou outra, mas antes o coração está “programado” para que, de maneira AUTONÔMA, responda aos estímulos do restante do corpo (desculpem-me os médicos se a imagem não é perfeita, só quis dizer que o coração não faz movimentos voluntários).
Assim também com o Banco Central: a política monetária somente reagirá aos estímulos do restante da política econômica, principalmente a política fiscal. Não há nada que o Banco Central possa fazer, a não ser garantir que o restante do corpo funcione bem. E o pressuposto para o bom funcionamento do corpo é uma moeda estável. Então, o BC fará o que for necessário para manter a estabilidade da moeda, respondendo de maneira proporcional aos estímulos que vêm do restante do organismo econômico. Note que o BC, a exemplo do coração, não “decide” voluntaria e discricionariamente qual será o nível da taxa de juros. O BC praticará a taxa de juros NECESSÁRIA para manter o restante do corpo econômico funcionando com uma moeda estável.
Claro que, assim como o coração, o BC tem um limite, a partir do qual já não consegue cumprir a sua missão. Quando isso acontece, a política monetária deixa de ter efeito, e a moeda se desestabiliza, desestabilizando todo o organismo econômico.
Como disse Federico Sturzenegger, às vezes é mais fácil aprender com o que deu errado. E muita coisa deu errado na Argentina. Vai lá, assiste, serão os 17 minutos mais bem empregados do seu dia hoje.