O Circo de Pulgas da Amazônia

Essa pequena reportagem do Estadão é uma preciosidade. A densidade de informações desmistificadoras em tão poucas linhas fazem dessa matéria uma pérola de rara beleza. Vejamos.

A propaganda desse governo nos fez acreditar de que se tratava de um defensor incansável das pautas ambientais. Ao contrário da reencarnação de Nero que o antecedeu, Lula faria de tudo para evitar a degradação da Amazônia. Bem, na prática, a teoria é outra.

1) O IBAMA vai enviar um “projeto robusto” para usar recursos do Fundo Amazônia “até o fim do ano”. Claro, o detalhe é que os incêndios estão ocorrendo AGORA. O que o IBAMA sob o governo Lula fez este ano? Marina Silva estava mais ocupada em fazer palestras no exterior?

2) O IBAMA tem 2 (dois, um-dois) helicópteros disponíveis para combater os incêndios. Mas o “projeto robusto” conta com R$ 35 milhões do Fundo Amazônia. Deve dar para comprar mais uns dois helicópteros e ainda sobra uns trocos para veicular um par de anúncios auto-elogiosos do governo.

3) “O mundo inteiro não está preparado de maneira clara para as mudanças climáticas”. É mesmo? Ouvi aqui a confissão de que o grande governo ambientalista Lula está “despreparado”? Achei que despreparo era um qualidade exclusiva do governo Bolsonaro. Mas, pelo menos, no caso governo Lula, estamos de mãos dadas com o “mundo inteiro”. Não deixa de ser um consolo.

4) Já houve uma verba do Fundo Amazônia usada pelo IBAMA para combater incêndios. A julgar pelos resultados, faltou um “projeto robusto”, que virá até o final do ano, pode acreditar.

5) Os recursos doados pelos países ao Fundo Amazônia estão ainda em “fase de transferência”. Sabe como é, ainda não inventaram o PIX na Inglaterra, Alemanha, Suíça e outros países doadores. Então, essa coisa de transferência demora mesmo. Mas fica tranquilo, até as queimadas do ano que vem, o dinheiro chega.

6) No total, o governo já gastou esse ano quase R$ 260 milhões com combate a incêndios, bem mais, portanto, que os R$ 35 milhões do “projeto robusto” do IBAMA. Mesmo assim, estamos batendo recorde de queimadas. Vai realmente fazer muita diferença o “projeto robusto” do IBAMA.

Já chamei esse governo de Circo de Pulgas, coisas minúsculas sendo anunciadas como o Maior Espetáculo da Terra. Esse é só mais um exemplo.

Qual a semelhança entre um carro elétrico e a diarreia?

Sabe qual a semelhança entre um carro elétrico e a diarreia? O medo de não chegar em casa.

Ouvi essa piada ontem, e já purgado do meu sentimento de culpa por ter rido muito, deparo com essa reportagem, justamente sobre a falta de infraestrutura para abastecimento de carros elétricos. E não aqui, mas nos EUA e na Europa. As montadoras estão pedindo prorrogação das metas para o fim da produção de carros movidos a combustíveis fósseis porque 1) faltam postos de carregamento, 2) faltam baterias e 3) os preços começam a ficar muito altos com o início da retirada de subsídios. Em outras palavras, a demanda não está acompanhando o entusiasmo dos reguladores.

Claro, eu sei que as coisas não são 8 ou 80. Qualquer esforço na direção da descarbonização já está valendo. Mas a julgar pelos avisos apocalípticos que, vira e mexe, lemos de especialistas, a vaca já foi para o brejo.

O futuro é do carro elétrico, pois dá menos manutenção, é mais silencioso e polui menos. Mas a transição será muito mais lenta do que desejariam os apocalípticos, pois depende de muitos avanços tecnológicos que estão ainda em futuro não muito próximo. E a indústria automobilística já avisou que não vai carregar o piano sozinha enquanto aguardamos.

Mudanças climáticas: não é possível comer o bolo e ainda mantê-lo

Um artigo de hoje analisa o processo que seis jovens portugueses abriram contra os países europeus na Corte Europeia de Direitos Humanos, a respeito da insuficiência das medidas para conter os efeitos das mudanças climáticas.

Como jurista, o autor tem o cacoete, comum aos juristas, de que a lei cria a realidade. Eu, como engenheiro e militante no mercado financeiro, já acho que a realidade econômica acaba se sobrepondo às leis positivas. Vide, a propósito, a carta de boas intenções que é a nossa Constituição.

A ideia do processo é, nas palavras do autor do artigo, balancear a busca pelo desenvolvimento e as necessidades ambientais da geração atual e também das gerações futuras. É, em outras palavras, dizer que a geração atual goza das benesses do desenvolvimento, enquanto caberá às gerações futuras lidar com as consequências desse desenvolvimento, na forma de catástrofes climáticas.

Vamos fazer um rápido exercício de futurologia reversa para entender o absurdo dessa proposição. Digamos que os bisavós desses seis jovens, com rara premonição, tivessem entrado com uma ação semelhante há um século, e tivessem tido sucesso, levando os governos europeus a forçarem drasticamente a diminuição do uso de combustíveis fósseis. Pergunto: qual seria o grau de conforto desses seis jovens hoje? Teriam tempo para litigar na corte europeia, ou estariam mais preocupados com a sua própria sobrevivência? A resposta parece-me óbvia.

O ponto é que esses jovens herdaram a crise climática E um nível de desenvolvimento e riqueza absurdos criados na base do petróleo. Sempre faço essa pergunta quando trato desse tema: qual o nível de desconforto que esses jovens aceitariam para colaborarem com a sua causa? Qual o grau de desconforto que jovens mais pobres teriam que suportar para que essa agenda fosse implementada? Não, infelizmente não é possível comer o bolo e ainda mantê-lo.

Os jovens têm instrumentos mais eficientes para brigarem por sua causa, além de litigâncias inócuas em cortes europeias. O primeiro é o boicote. Convido todos os jovens a boicotarem o maior número possível de produtos e serviços que, de alguma forma, tenham tido algum contato com combustíveis fósseis em sua cadeia de produção e transporte. Boa sorte!

O segundo é político: votar em parlamentares que tenham essa agenda como prioridade. Assim, não precisariam ingressar em corte alguma para verem seus pleitos atendidos. Ah, que curioso, os partidos verdes têm perdido relevância… Talvez por isso os jovens tenham decidido pela via jurídica. Parece um pouco como os partidos nanicos daqui, que correm para pedir penico ao STF quando não têm suas pautas atendidas. Com a diferença de que a Corte Europeia dos Direitos Humanos não apita nada.

A diferença entre preço e valor

Editorial do Estadão repercute os resultados de uma pesquisa da consultoria Oliver Wyman com 206 empresas multinacionais, publicada há alguns dias no mesmo jornal, que revela que 59% dessas empresas aloca menos do que 5% de seus investimentos em “ações de combate e prevenção da crise climática”. O jornal parece escandalizado com o tanto de empresas que dão pouca importância para o assunto. De minha parte, fiquei espantado que 41% das empresas aloquem mais do que 5% dos seus investimentos em algo relacionado diretamente ao tema. Isso, na minha opinião, já é um indício de que há uma mudança em andamento.

Mas o ponto do editorial a que eu gostaria de chamar a atenção é outro. O trecho é o seguinte: “o comportamento do consumidor continua vinculado ao valor monetário”. Essa frase contém um problema conceitual que eu procuro esclarecer a zero de jogo no meu livro Descomplicando o Economês. O problema é o seguinte: o preço das coisas é apenas uma medida, a tradução, do VALOR que as coisas têm para as pessoas. Por isso não adianta dar mais dinheiro na mão das pessoas se não foi criado mais valor na economia. Dinheiro é apenas um papel pintado que representa a soma de todo o valor criado na economia.

Pois bem. Ao dizer que o consumidor está vinculado ao “valor monetário” das coisas, ou seja, ao preço das coisas, o editorial confunde dinheiro com valor. Com algum fio de esperança, o editorialista afirma que esse comportamento pode mudar. A julgar pela menção ao “valor monetário”, entendo que a esperança é de que o consumidor possa estar disposto, um dia, a pagar mais pelo mesmo valor percebido. Não, isso não vai acontecer. Seria o mesmo que apostar na extinção do homo economicus e sua substituição por uma espécie de homo altruisticus.

O que pode acontecer, sim, é o consumidor começar a ver algum VALOR no combate às mudanças climáticas que vem embutido nos produtos que compra. Seria mais um atributo de valor, assim como qualidade, disponibilidade e marca. O fato é que a imensa massa dos consumidores é pobre, e ainda vê a preocupação ecológica como um luxo. Ou seja, preocupado em sobreviver com o mínimo, o consumidor médio não está disposto a pagar por esse “valor adicionado”.

A única forma de mudar esse comportamento é, de alguma maneira, trazer as preocupações climáticas do topo para a base da pirâmide Maslow. Ou seja, transformar o apocalipse ambiental de um luxo para uma ameaça vital, que significasse vida ou morte. O esforço de propaganda tem sido grande nessa direção, mas esbarra em dois problemas: 1) a maioria das pessoas vê as catástrofes naturais como algo… natural, que sempre ocorreu. As estatísticas demonstrando que essas catástrofes estão mais frequentes são de difícil entendimento e percepção para o homem comum; 2) o homo economicus busca a satisfação, em primeiro lugar, de suas próprias necessidades. Se sobrar algum dinheiro, vai se preocupar com os outros. E a preocupação com as mudanças climáticas se relaciona mais com a preservação da humanidade do que consigo mesmo. Está mais para filantropia do que para sobrevivência pessoal. Por isso sua posição na pirâmide de Maslow.

O editorial defende que, enquanto não ocorre essa “mudança de mentalidade” do consumidor, é necessária alguma ação governamental. Como qualquer um que tenha entendido o que vai acima sabe, a única forma que o governo tem de intervir nas escolhas do homo economicus é colocando o dinheiro do orçamento público para pagar esse adicional monetário que não representa valor adicional para o distinto público. Ou seja, pegar dinheiro de um bolso do contribuinte e botar no outro, via subsídios de produtos ecologicamente corretos. É a única forma de fazer o consumidor pagar por este “valor adicionado” sem saber que está pagando.

A pesquisa mencionada acima mostra que nem tudo está perdido. Afinal, 41% das multinacionais pesquisadas já direcionam mais do que 5% de seus investimentos em ações relacionadas às causas climáticas. É mais do que eu esperaria, dada a percepção que tenho sobre o interesse do ser humano médio pelo assunto.

Quem paga a conta do desaquecimento global?

Os especialistas estão realmente assustados com as altas temperaturas. Um deles afirmou: “as mudanças climáticas são reais e a gente precisa agir”.

No mesmo jornal, algumas páginas adiante, um exemplo de ação na direção desejada pelos especialistas: querosene de aviação verde (SAF). Colei a reportagem inteira, por ser muito esclarecedora.

Alguns pontos que me chamaram a atenção:

para produzir o SAF são necessárias enormes quantidades de matéria-prima e água doce que, como sabemos, é escassa;

– a possibilidade de sintetizar o combustível (o eSAF) exige quantidades enormes de energia. Para produzir todo o eSAF para abastecer a frota da Lufthansa seria necessário usar metade da eletricidade produzida hoje na Alemanha;

– hoje, somente 0,15% do combustível usado na aviação é SAF. Tudo o que é produzido é consumido;

O presidente da Emirates expressou o pensamento-chave desse imbróglio: “a descarbonização do planeta custará trilhões de dólares e temos de encontrar o dinheiro para realizar as mudanças”. Pois é, no final sempre chegamos à questão de quem pagará a conta.

Ao que parece, a União Europeia está caminhando na direção de obrigar as companhias aéreas a usarem o SAF. Obviamente, no atual estágio de desenvolvimento e até onde a vista alcança, isso significa custos mais altos e passagens aéreas bem mais caras. Ou seja, no final, quem vai pagar será o consumidor, aliás, como deve ser. O resultado desse movimento será a redução da demanda pela expulsão dos mais pobres deste mercado. Voltaremos à elitização das viagens aéreas, com menos voos e, como consequência, menor produção de gases de efeito estufa. Talvez seja este mesmo o objetivo.

Os bárbaros são os outros

Fernando Gabeira ganhou meu respeito por ser um dos raros intelectuais de esquerda que não varreu para debaixo do tapete os desmandos dos governos do PT, tanto no campo econômico quanto no penal. Em vários artigos, Gabeira não se furtou a dar nome aos bois. Por isso, sempre leio com interesse suas colunas, até para entender a cabeça da esquerda, digamos, ilustrada.

Este artigo, que coloca o furacão Milei no contexto da ascensão da “extrema direita” no mundo, é alarmista até o último fio de cabelo. Aponta, em resumo, duas ameaças existenciais para a humanidade, que seriam objetivos explícitos da tal “extrema direita”: o fim da democracia e o negacionismo das mudanças climáticas. A isso, Gabeira dá o nome de “barbárie”, nada menos.

Como antídoto, e em linha com sua leitura honesta da realidade, Gabeira recomenda uma “ampla revisão dos erros explorados pela extrema direita”. Infelizmente, o jornalista não nos ilumina com a sua sabedoria, especificando quais seriam esses “erros” que deveriam ser “revisados”, a não ser um genérico “resgatar os que foram deixados para trás pela globalização”, o que não deixa de ser uma crítica velada não à esquerda, mas ao neoliberalismo. Aliás, Gabeira sequer se deu ao trabalho de nomear o sujeito dos erros. Afinal, quem cometeu os erros que nos deixaram às portas da barbárie?

Bem, vou tentar preencher essa lacuna deixada pelo colunista, e que tornaria seu artigo muito mais útil e interessante. Por que, afinal, Trump, Bolsonaro, Le Pen, Netanyahu, Meloni, Milei obtiveram uma fatia relevante e, em alguns casos, majoritária, do eleitorado? Minha avaliação pessoal é de que há um erro de fundo das esquerdas e que dá margem a uma reação contrária e em direção oposta: o sentimento de “superioridade moral”.

O sentimento de superioridade moral perpassa todos os posicionamentos da esquerda, desde o identitarismo, passando pelo uso de máscaras durante a pandemia até a denúncia do aquecimento global e a defesa da democracia. Todos temas tratados desde um ponto de vista moral, em que os “bons” se contrapõem aos “malvados”. O próprio artigo de Gabeira transpira essa atitude, chamando de “bárbaros” todos aqueles que não comungam de seus pontos de vista.

É claro que há radicais com quem não se consegue conversar. Mas os há em ambos os lados do espectro político, e não me consta que Gabeira tenha chamado de “barbárie”, por exemplo, a proposta de Constituição que foi engendrada pelos esquerdistas radicais no Chile. De alguma maneira, aquilo não se constituía em uma “ameaça existencial”, era só, no máximo, uma piada de mau gosto.

Para piorar a situação, à pose insuportável de superioridade moral junta-se a hipocrisia: fica realmente difícil engolir que Lula, para quem a democracia seria relativa, seja o condutor da luta pela democracia no Brasil. E essas hipocrisias abundam em todos os campos: aliados de causas identitárias que vivem só do discurso, combatentes do aquecimento global que não dão a mínima para como os mais pobres vão bancar a tal transição energética, e assim por diante. Sendo escolhas morais, dispensam qualquer discussão adicional, basta posicionar-se no campo dos “bons”.

Gabeira é inteligente e lúcido. Espero ainda ler um artigo seu apontando os erros que levaram à ascenção da “extrema direita”. A começar com um mea culpa, que é chamar minorias relevantes da população (e, em alguns casos, maiorias) de bárbaros. Não existe apenas uma forma moralmente superior de resolver os problemas do mundo. Quando a esquerda civilizada entender isso, conseguirá isolar os poucos realmente radicais da direita.

Que tal ligar o ar-condicionado?

Um editorial do Estadão chama a atenção para a onda de calor que ora assola o hemisfério norte, e reafirma o que parece ser um consenso científico: essas ondas de calor se repetirão em intervalos cada vez menores. E eu afirmo: essa é uma boa notícia.

Um problema é tão mais grave quanto mais inesperado for. Na medida em que ondas de calor se tornarem mais frequentes, ter-se-ão tornado um problema esperado. E tudo o que é esperado pode ser prevenido usando-se tecnologia. Vejamos pelo outro lado: no inverno, o hemisfério norte sofre com frio desumano. Mas os países da região estão amplamente preparados para isso, com suas casas, escritórios e centros de compra devidamente protegidos por calefação. Isso acontece porque o frio é um problema esperado. Na medida em que o calor também o for, a tecnologia humana encontrará uma forma de convivência.

O mesmo ocorre com outros potenciais problemas, como a viabilidade da agricultura e o nível do mar, se e quando esses fenômenos ocorrerem. No início causará problemas, mas depois a tecnologia os resolverá.

Acredito ser este um approach muito mais realista do que a tentativa histérica de fazer girar a roda da civilização para trás, clamando pelo corte da emissão de gases de efeito estufa. É tão insano quanto discutir formas de conter um tsunami ao invés de organizar a fuga. Como eu disse em meu post de ontem, estamos muito longe da tecnologia que nos permita substituir o carvão e o petróleo como fontes de energia. No entanto, já dominamos a tecnologia do ar-condicionado há um século, e sabemos como criar culturas transgênicas mais resistentes ao calor.

Isso, claro, não significa que não devamos explorar novas fontes de energia economicamente melhores que o petróleo. Não tenho dúvida de que, no dia em que o hidrogênio verde for mais barato do que o ouro negro, não precisaremos de cúpulas governamentais para fazer a substituição. Até lá, melhor ligar o ar-condicionado.

Uma solução para a ecoansiedade

Quando eu era um “jovem adulto”, o medo do fim do mundo estava ligado a uma potencial guerra nuclear. O filme The Day After, de 1983, impressionou-me profundamente, a ponto de sentir uma certa ansiedade a respeito. Na época não costumavam dar nomes pra essas coisas, mas seria uma espécie de “bombanxiety”.

Ontem assisti ao Oppenheimer, que trata justamente desse tema. Mas, arrisco dizer, o filme chegou com uns 40 anos de atraso. A cena final, com os foguetes levando ogivas nucleares, já não causa comoção. A possibilidade de uma guerra nuclear já não dispara mecanismos de ansiedade na juventude. Hoje, as mudanças climáticas assumiram o lugar de porta do inferno.

A boa notícia é que, ao contrário da hecatombe nuclear, que dependia da decisão de governantes, a reversão das mudanças climáticas está em nossas mãos, inclusive dos jovens. Para evitar a catástrofe, basta que, digamos, os 20% mais ricos do planeta diminuam seu consumo em, digamos, 20%. Como os 20% mais ricos devem representar algo como 80% do consumo do planeta, teríamos uma redução de consumo de energia da ordem de 16%. Acho que seria o suficiente para reverter, ou pelo menos atrasar, as mudanças climáticas.

Ah sim, essa sugestão vai contra a percepção comum de que a “solução” para as mudanças climáticas estaria nas mãos dos governos, assim como eliminar os mísseis nucleares. Isso tem um fundo de verdade, na medida em que os governos têm a capacidade de coordenação necessária para induzir a redução de consumo sugerida acima. O único problema é que esse tipo de indução costuma ser pouco popular. Que governo democrático faria isso? Muito melhor vender a ideia de que são petrolíferas as culpadas pelas mudanças climáticas.

O fato é que ninguém quer dar a má notícia: não temos, hoje, tecnologia para manter o atual nível de consumo sem emitir gases de efeito estufa. Fontes de origem limpa são agregadas todos os anos, mas são suficientes somente para, mal e mal, fazer frente ao aumento marginal do consumo. Seria ainda pior sem essas fontes, mas está longe de resolver o problema.

Então, a única saída é diminuir drasticamente o consumo de tudo, com os mais ricos puxando a fila. Quem sabe se os jovens tivessem consciência de que a reversão das mudanças climáticas está em suas mãos, bastando andar menos de carro e comprar menos roupas, a ecoansiedade não desaparecesse?

O problema é o consumo

Há cerca de dois meses, o secretário-geral da ONU, António Guterres, proferiu discurso furibundo, propondo a responsabilização das petroleiras pelo aquecimento global. As empresas seriam obrigadas a pagar uma indenização global, a exemplo das empresas de tabaco, que acabaram com a saúde de milhões. Analisei a genial ideia neste post aqui.

Hoje, em entrevista de página inteira no Valor, o ministro do meio-ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, que está em visita ao Brasil, coloca as coisas em seus devidos lugares. O problema não está na produção, mas no consumo. Óbvio.

Talvez por ser um representante de um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, o ministro vê a questão do ponto de vista do produtor: como inviabilizar a produção, se não há substituto viável para o consumo? O caos se seguiria, conclui, em um raciocínio que o secretário-geral da ONU foi incapaz de fazer.

Barth Eide afirma que, até o momento, não houve verdadeiramente substituição de fontes de energia, mas simples acréscimos. Ou seja, os combustíveis fósseis continuam sendo queimados como no passado, e as novas fontes de energia só serviram para mal e mal saciar a fome adicional de energia de um mundo que consome cada vez mais.

Os mais cínicos poderiam pensar que o ministro norueguês esteja, no final do dia, defendendo uma fonte importante de receita de seu país. Mas eu acredito que, de fato, há aqui uma preocupação genuína com o futuro do planeta. A diferença é que a abordagem é adulta, não a juvenil típica de quem quer resolver os problemas do mundo na base da vontade e do desejo.

A solução para a crise climática é sempre dos outros

O colunista do Washington Post está preocupado com o aquecimento global, e sugere uma série de medidas práticas que poderiam desacelerar imediatamente o processo. Sua tese é de que, ao focar em “energias alternativas” que não existem hoje, estaríamos perdendo um tempo precioso. No caso, o ótimo seria inimigo do bom, e estaríamos em melhores condições com medidas simples. As medidas propostas por Zakaria são as seguintes (mesmo não sendo colunista famoso de jornal famoso, comento cada uma delas em seguida):

1. Conversão de usinas termelétricas a carvão para gás natural. Segundo Zakaria, o gás natural emite metade do dióxido de carbono do carvão.

Meu comentário: gás natural tem um problema: é preciso construir gasodutos até a usina. Ou liquefazer para o transporte via terrestre, e regaseificar em uma unidade própria para isso. Ou seja, é necessário algum investimento. Fora a questão do custo, há o problema geopolítico. A Europa, que voltou a usar carvão, que o diga.

2. ”Regulações inteligentes e rígidas” que deem uma solução técnica para a produção de metano na agricultura, em aterros sanitários e, vejam só, na extração do gás natural, a solução apontada no item acima.

Meu comentário: não há o que comentar quando a sugestão se reduz a “regulações inteligentes e rígidas”.

3. Reativação e construção de usinas nucleares.

Meu comentário: essa sim é uma solução estrutural. Zakaria diz que “devemos continuar trabalhando em novos projetos de reatores menos propensos a derretimentos”. Ok, mas a julgar pelas suas próprias palavras no início, não devemos esperar o ótimo para implementar o bom. Energia nuclear já! Claro que Zakaria, assim como cada um de nós, provavelmente não se vê morando ao lado de uma usina nuclear. Afinal, o problema da energia precisa ser resolvido, desde que o risco fique longe.

4. Plantar 1 trilhão de árvores. Parece que essa é a ideia de um par da Greta, o menino Félix Finkbeiner. Aos 9 anos, o “jovem ambientalista” (na definição de Zakaria) propôs que cada país plantasse 1 milhão de árvores e, aos 13, propôs na ONU o plantio de 1 trilhão de árvores no mundo inteiro.

Meu comentário: Eu realmente fico curioso como se dão esses processos midiáticos em que alguém tem uma ideia qualquer, mas que se transforma em algo repercutido por um colunista do Washington Post. Se cada árvore ocupar um metro quadrado, estamos falando de uma área equivalente ao Egito somente em árvores. Ou, de outra forma, são 1.250 árvores por habitante do planeta. Fica o desafio de encontrar essa área ADICIONAL que não sejam desertos quentes ou gelados, ou não sejam usados para agricultura, ou não estejam ocupados por cidades. Boa sorte.

É a isso que se resume “as soluções para reverter a crise climática”.

Meu comentário final: Zakaria começa seu artigo afirmando que o grande risco do aquecimento global é a fome nos trópicos e, por consequência, grandes fluxos migratórios para as regiões temperadas, EUA e Europa. Ou seja, Zakaria não esconde que sua preocupação é com um bando de famélicos batendo à porta de seu confortável apartamento, aquecido no inverno e refrigerado no verão com a energia que está aquecendo o planeta. Em nenhum momento de seu artigo Zakaria sugere algo que mude o seu próprio conforto. A solução está sempre “fora”, em algo que “os outros” poderiam estar fazendo e não estão. E, ironia das ironias, combater o aquecimento global tem como objetivo que hordas de pobres não venham atrapalhar o seu próprio conforto, que é, em última análise, o que vai provocar a corrente migratória.

Com o perdão da palavra, estou de saco cheio desses “ambientalistas” que não abrem mão do conforto que o aquecimento global lhes proporciona.

PS.: não vou entrar no mérito sobre quanto a ação humana é ou não responsável pelas mudanças climáticas. Meu objetivo foi só apontar a contradição.