O limite para a má gestão sempre chega

A Economist desta semana traz uma pequena matéria sobre as agruras da Bolívia. O Banco Central do nosso vizinho começou a vender dólares diretamente para o público, porque, aparentemente, as verdinhas acabaram nas casas de câmbio. E o BC parou de publicar estatísticas sobre as reservas internacionais, sinal claro de que estão chegando ao fim. Os bonds bolivianos no mercado externo estão pagando apenas 48 centavos por dólar.

A revista lista três fatores para os bolivianos terem chegado nesse estágio:

1) Apostaram que o boom de commodities iria durar para sempre;

2) Atrelaram sua moeda ao dólar e assim ficaram e

3) Foram hostis ao capital estrangeiro, nacionalizando boa parte da infraestrutura do país.

Claro, existem os fatores de curto prazo: taxas de juros altas no mundo e a guerra na Ucrânia são dois deles. Mas estes fatores atingiram igualmente outras economias, sem os mesmos efeitos. O presidente argentino (que desistiu de disputar a reeleição), põe a culpa dos problemas da economia argentina na maior seca do século, além dos dois fatores listados acima. A questão é que toda economia, mais cedo ou mais tarde, sofre choques externos. Se a lição de casa é feita, esses choques externos podem ser absorvidos. É a diferença entre uma família que tem reserva de emergência de outra que não tem. Acidentes acontecem, o que muda é como estamos preparados para enfrentá-los.

Gostaria de chamar a atenção para o timing da coisa: Evo Moralez assumiu a presidência da Bolívia em 2006, surfou a onda das commodities até 2011 e, desde, então, a Bolívia vem em uma longa descendente. Toda crise financeira se desenvolve lentamente e, depois, de repente.

As consequências da má administração de uma economia não aparecem imediatamente. Há maneiras de ir levando com a barriga, até que, de repente, não há mais. Por isso, acho meio ridículo apontarem a bolsa ou o câmbio em determinado dia como prova de que tal e qual medida do governo foi bem ou mal recebida pelo mercado. Não é assim que a coisa funciona. Más políticas serão punidas pelo mercado, mais cedo ou mais tarde. Pode levar anos, mas as consequências sempre vêm depois, como diria o conselheiro Acácio.

No Brasil, já tínhamos caído no precipício (ia dizer que estávamos à beira, mas 8% de queda de PIB em dois anos é um precipício), quando nosso sistema político arrumou um jeito de colocar o país nos trilhos novamente. Hoje, temos um novo governo de esquerda e, como diz a Economist, as dificuldades da Bolívia devem servir como um aviso para a América Latina. Nossa situação é muito mais confortável do que a da Bolívia, tanto em termos de reservas internacionais quanto em termos de política cambial, mas nada é tão bom que sempre dure. Políticas ruins nos levarão novamente para o buraco, mesmo que demore anos. Então, só nos restará o Centrão para nos colocar novamente nos trilhos.

Evo Morales golpista

Vamos deixar claro: foi Evo Morales que tentou mais um golpe na Bolívia. O exército só disse “enough is enough”.

Evo passou uma legislação em 2009 permitindo somente dois mandatos consecutivos. Só havia duas leituras possíveis: ou ele poderia concorrer somente mais uma vez (como fez FHC aqui), ou não poderia concorrer novamente, dado que a legislação sob a qual ele se elegeu não permitia reeleição. O tribunal constitucional (controlado obviamente por Evo) inventou uma terceira interpretação: a nova legislação inaugurava uma nova era, então Evo poderia concorrer mais duas vezes, o que de fato ocorreu.

Em 2016, já ao final de seu 3o mandato, Evo patrocinou um referendo para aprovar reeleições infinitas. Perdeu, mas o tribunal constitucional cancelou o resultado do referendo, dizendo que impedir a reeleição era um “atentado contra os direitos humanos”. Como se vê, não é só o nosso STF que é criativo.

Com o direito achado na rua de concorrer mais uma vez, Evo foi para a sua 4a eleição consecutiva. A contagem de votos foi interrompida quando totalizavam 83% dos votos apurados e indicavam um 2o turno, e foram retomados quando totalizavam 95% dos votos, indicando vitória de Evo no 1o turno. Relatório da OEA afirma que é “estatisticamente impossível” que isso tenha acontecido. Houve fraude, em uma eleição da qual Evo nem tinha o direito de participar.

Evo é o golpista. Que fique muito claro.

Qual a diferença entre Evo e Maduro?

Por que Evo aceitou renunciar após somente alguns dias de protestos, enquanto Maduro continua firme e forte à frente do governo venezuelano?

A resposta parece simples: Evo perdeu o apoio do exército, enquanto Maduro não só tem o apoio das Forças Armadas como controla forças paramilitares. Estas são até piores, pela sua capilaridade.

Evo está pagando o preço de não ter montado um Estado policial. A tecnologia, típica de Estados totalitários, foi importada de Cuba, e tem como objetivo tocar o terror naqueles que são contra o regime. Precisa ter coragem para se juntar a manifestações contra o governo, sabendo que seu vizinho pode denunciá-lo à polícia do regime.

Maduro não seguirá o rumo de Evo, a não ser que a Venezuela receba uma “ajudinha” externa.