O imbróglio do petróleo

Vou tentar aqui explicar o imbróglio do petróleo.

O Brasil produz algo como 2,2 milhões de barris de petróleo/dia, e este é mais ou menos o consumo doméstico. Portanto, o país é autossuficiente em petróleo. Então, por que não podemos praticar o preço dos combustíveis que queremos?

Simples: porque, grosso modo, produzimos um tipo de petróleo que não conseguimos refinar. Então, temos que exportar parte do petróleo que produzimos e importar parte do petróleo que refinamos. Além disso, nossa capacidade de refino é limitada, de modo que precisamos também importar derivados, principalmente diesel.

Mas, e isso é o mais importante, mesmo que fôssemos autossuficientes em derivados, ainda assim deveríamos praticar os preços internacionais. Por que? Por uma questão de alocação eficiente de capital.

Vamos assumir que a Petrobras consiga fornecer todos os derivados para o consumo nacional. Estes derivados custam 30 para produzir, mas o preço internacional é de 100. O que aconteceria se a Petrobras vendesse esses derivados por 30 para o consumidor interno? Estaria deixando de exportar por 100 para o mercado externo. Esses 70 de diferença deixam de entrar no caixa da empresa para subsidiar os consumidores dos derivados. Não há um prejuízo contábil, mas há sim um prejuízo econômico. Se a empresa cobrasse 100 pelo combustível internamente, geraria 70 a mais de lucro, que poderiam ser distribuídos como dividendos para o governo. O governo, então, poderia decidir, com base em suas prioridades, o uso desse dinheiro. Por exemplo, investimento em educação ou saúde. Portanto, quando a Petrobras vende os derivados abaixo da paridade internacional, educação e saúde estão subsidiando os caminhoneiros e os donos de SUV.Claro, a conta não é exatamente essa. A Petrobras tem sócios privados. Mais ou menos metade desse lucro fica nas mãos dos sócios privados. Mas, mesmo assim, 35 deixam de ser aplicados em saúde e educação. Os outros 35 pertencem aos sócios privados, que têm direito à maximização do lucro da empresa, por terem investido no seu desenvolvimento. Isso é uma questão de governança. Como diz Salim Mattar em uma entrevista hoje, não está contente com isso, basta o governo fechar o capital da empresa e usá-la como bem entender.

Pois bem, espero que tenha ficado clara essa questão da paridade dos preços. Agora, vejamos a situação atual dos preços do petróleo no mercado internacional e os preços dos derivados, especificamente o diesel, no mercado local. Para tanto, fiz alguns gráficos que nos ajudarão a entender o que está acontecendo.

Comecemos pelo gráfico 1, onde podemos observar a evolução do preço do barril de petróleo em reais nos últimos 10 anos. Como está em reais, já inclui o efeito do câmbio.

Note que o preço do barril atingiu agora em fevereiro o mais alto valor (em reais) nesse período de 10 anos. Não que o preço internacional esteja muito alto. Atualmente está em US$ 59. No início da década estava acima de US$ 100. O problema é o câmbio: enquanto no início da década tínhamos um câmbio abaixo de R$ 2,00, hoje o câmbio está acima de R$ 5,00. Então, em reais, o preço do barril explodiu. Observe também que a última vez que o preço atingiu mais ou menos este patamar foi em meados de 2018, justamente na época em que os caminhoneiros entraram em greve. Nada confortável.

Agora, observe uma coisa interessante: em meados de 2013, o preço do petróleo também atingiu patamares elevados em reais. Mas porque não houve, naquela época, nenhum movimento de caminhoneiros? Para isso, vamos ver o Gráfico 2, que mostra a razão entre o preço internacional do petróleo e o preço doméstico do diesel. Quanto maior esta razão, mais defasado está o preço do diesel em relação ao preço internacional do petróleo.

Observe como há duas fases: até 2015, a política de preços não era vinculada aos preços internacionais. Então, a elevação do preço do petróleo não era repassada internamento. Abriu-se, assim, um rombo sem precedentes no balanço da Petrobras, que fez as perdas com a roubalheira do Petrolão parecerem troco de pinga. Até hoje a administração da Petrobras está tendo que lidar com a dívida gerada nesta época. A partir de 2016, a política passou a ser de acompanhar os preços internacionais, de modo a não piorar o endividamento da empresa. E estamos assim até hoje. Pelo menos estávamos.

O barulho em torno do preço do diesel é compreensível. No gráfico 3 podemos observar os preços do diesel na refinaria nos últimos 10 anos. Nominalmente (linha laranja), o preço depois do último reajuste é o mais alto da série histórica. Ajustado pela inflação (IPCA – linha azul), o preço atual se compara com o praticado em 2018/2019. Portanto temos, historicamente, um preço bastante puxado. A má notícia é que talvez não pare por aí.

Estamos em meio a uma recuperação da atividade econômica global, que deve ganhar força com o avanço da vacinação. É de se esperar que o preço do petróleo se recupere também. Aliás, já está se recuperando. Em 2018, por exemplo, o barril ultrapassou US$ 70, o que significaria mais um aumento de 15% em relação aos preços atuais, se o câmbio não ceder. Por isso, uma forma de controlar o preço do diesel internamente é trabalhar para que o Real se valorize, encaminhando as reformas que trarão alívio para as contas públicas. Infelizmente, medidas como a mudança intempestiva na direção da Petrobras trabalham na direção oposta, transmitindo insegurança e afetando negativamente o câmbio.

Em economia não há muita mágica nem fórmulas mirabolantes. É preciso fazer a lição de casa. Caso contrário, ficamos reféns dos humores internacionais. Quer dizer, reféns sempre seremos, porque estamos inseridos no contexto global. Mas sofreremos mais se não fizermos o que precisa ser feito.

A Porta da Esperança

Os dois últimos governos correram para atender as reivindicações dos caminhoneiros: tabela para o frete, financiamento do BNDES, cartão de congelamento de preço do combustível por 30 dias.

Bem, a tabela é de impossível aplicação, o financiamento esbarra no risco de se emprestar dinheiro para os caminhoneiros e o congelamento perdeu o sentido no momento em que os preços do petróleo estão caindo.

Mas resta uma reivindicação não atendida: o refinanciamento das dívidas. Aí entra essa entidade mágica chamada Caixa Econômica Federal. Ou simplesmente, “A Caixa”.

A Caixa é uma espécie de Porta da Esperança de todos os que precisam de dinheiro de alguma forma. Desde financiamentos subsidiados até cortes nas taxas de juros, a Caixa parece um manancial de dinheiro de graça para todas as necessidades.

Agora são os caminhoneiros, que esperam purificar suas dívidas nas águas mágicas da Caixa.

E querem saber? Tá certo! Se é para a Caixa agir como um banco qualquer, qual o sentido de sua existência? A Caixa só faz sentido se for para criar dinheiro fora da aporrinhação que é aprovar despesas via Orçamento Público.

Algum chato sempre vai lembrar que esse dinheiro não existe, que em algum momento terá que ser pago, de uma forma ou de outra. Basta não dar ouvidos, e acreditar que basta “vontade política”.

A Caixa nunca será privatizada.

Frota própria

Não foi por falta de aviso.

A situação dos caminhoneiros não melhorou após a adoção da tabela de fretes. Na verdade piorou, pois aumentou a oferta de frete, com a aquisição de caminhões para frotas próprias. Deve ter mais caminhoneiro autônomo sem frete do que havia um ano atrás.

Foi um jogo perde-perde: perderam os caminhoneiros, pois houve aumento da oferta de frete, e perderam as empresas, pois tiveram que lançar mão de uma solução menos ótima (por ser menos flexível) para o seu problema de transporte.

Como todo tabelamento de preços, essa tabela de frete nasceu morta, pois os agentes econômicos se adaptam. Não há corporativismo que mude leis básicas da economia.

A minha corporação

O que é uma corporação? Podemos definir uma corporação como um conjunto de pessoas com interesses comuns, e que defendem esses interesses de maneira organizada junto ao Estado, extraindo desse benesses negadas ao restante da sociedade. Concordamos?

Desde a distribuição daquele texto do técnico da CVM, as corporações passaram a ser, juntamente com a classe política, o mal a ser combatido no Brasil.

Seria muito bom se fosse verdade. De fato, as corporações sequestram o Estado brasileiro para os seus próprios interesses. Esse é um mal que vem de longe.

Mas na primeira oportunidade que o governo teve de enfrentar uma corporação, fugiu da raia. Ou melhor, tratou a corporação como aliada, mostrando que há “corporações do bem” e “corporações do mal”.

Refiro-me aos caminhoneiros. Os caminhoneiros, como categoria, formam uma corporação, que conseguiu sequestrar o país em uma greve criminosa (criminosa porque impediu quem queria trabalhar de trabalhar), extraindo do Estado benesses negadas ao restante da sociedade.

Então, a depender da cor e dos instrumentos de pressão da corporação, o governo apoia ou ataca. Os caminhoneiros, no caso, contam com um aliado no Palácio. Faltou humildade ou faltou coragem?

A lei da gravidade da economia

“A livre iniciativa e a livre concorrência não possuem valor absoluto na ordem jurídica e podem ser relativizados para a salvaguarda de outros valores constitucionalmente protegidos”.

Entre estes outros “valores constitucionalmente protegidos”, segundo a PGR, estão a “dignidade humana” e a “valorização do trabalho”.

Com base nisso que vai acima, estão liberados todo e qualquer tabelamento de preços e salários. Afinal, quem disse que apenas os caminhoneiros estão tendo sua “dignidade humana” vilipendiada, ou tendo o seu trabalho “desvalorizado”?

Não existe “meia” livre iniciativa, assim como não existe “meia” gravidez. No momento que se assume que o Estado pode regular a lei da oferta e da demanda, está aberta a caixa de Pandora do autoritarismo. Ou, no mínimo, a criação de distorções do sistema de preços, que resultam, invariavelmente, em menor crescimento econômico. A história está repleta de exemplos.

Volte para a primeira frase e troque “livre iniciativa” por “lei da gravidade”. A lei da oferta e da demanda é a lei da gravidade da economia.

O Brasil das corporações

Esta fala que vai abaixo foi cometida pelo inefável Ciro Gomes. Elogia a pressão dos caminhoneiros e sugere que os brasileiros façam o mesmo para defender a universidade pública, a Petrobras, a Embraer.

O que Ciro está sugerindo é que cada categoria que tenha alguma força de barganha tome a nação como refém e exija do governo como resgate alguns benefícios negados ao restante da sociedade. Negados não, subtraídos, pois se alguém está levando um benefício artificial, pode contar que quem está pagando é quem não tem poder de barganha.

Ciro defende apaixonadamente o Brasil das corporações.

Todos bloqueiam, mas alguns bloqueiam mais do que os outros

Imagine você se lideranças do MST e do MTST estivessem anunciando bloqueio de estradas para reivindicar qualquer coisa.

Bolsonaro, seus filhos, militares, lideranças do governo, redes sociais, todos juntos estariam, com razão, repudiando o movimento e prometendo o uso da força para coibir algo claramente ilegal.

Os caminhoneiros estão ameaçando bloquear estradas.

Então?

O caminhoneiro quer frete

O governo anunciou ontem uma série de medidas que, em tese, atendem às reivindicações dos caminhoneiros. Hoje, matéria do Estadão descreve a reação dos caminhoneiros. Se eu pudesse resumir em uma frase, seria “o governo só pode estar de brincadeira”.

Em determinado momento, algum sindicalista diz: “há um excesso de 300 mil caminhões. O que o pessoal quer é frete”. Aqui está o ponto central do imbróglio.

O Brasil tem 12 milhões de desempregados. O caminhoneiro com seu caminhão não se considera um desempregado. Mas deveria. É o mesmo fenômeno: não há trabalho.

Pra que serve financiamento, tabela de frete, área de descanso etc, se não há frete?

Os caminhoneiros entenderam a série de medidas como uma cortina de fumaça para disfarçar a impotência do governo. Assim como o mercado financeiro entendeu como uma cortina de fumaça as declarações de “independência” da Petrobras, mas voltar o reajuste que é bom, nada.

Churchill, quando anunciou a guerra, não dourou a pílula nem lançou mão de cortinas de fumaça. Prometeu apenas “sangue, suor e lágrimas”.

Mas Churchill era um estadista, não um populista.