Quem viver, verá

Conforme o esperado, e apesar do esperneio do presidente, a meta de inflação foi mantida em 3%, com bandas de 1,5% para cima e para baixo. A única coisa que mudou é que, a partir de 2025, a meta não precisará mais obedecer o ano calendário, será contínua. Antes de explicar o que isso significa, há que reconhecer que o presidente Lula, apesar de ser boquirroto, não é tolo. Manteve a meta em 3%, apesar de querer aumentá-la. O copo meio cheio, aqui, é reconhecer que as ponderações de Campos Neto surtiram efeito junto ao Planalto.

O que significa essa mudança de metodologia. Para falar a verdade, de prático, não significa nada. Explico.

Hoje, apesar da meta se referir ao ano calendário, o Copom já toma a sua decisão com base em um horizonte móvel de 12 a 18 meses à frente, que é o tempo necessário para que uma decisão hoje afete a inflação no futuro. A economia é um grande transatlântico, e se o comandante quiser desviar de um iceberg, precisa começar a virar o leme muito antes. Então, na prática, o horizonte de decisão já é contínuo. O que vai mudar é que o BC não precisará mais prestar contas anualmente como é hoje, e não ficou claro como será essa prestação de contas no novo sistema, se é que haverá alguma. Mas a prestação de contas está longe de obrigar o BC, não há penalização por não ter cumprido a meta em determinado ano. Então, o que realmente continuará valendo é o horizonte contínuo.

O inefável ministro da Fazenda, no entanto, apresentou a mudança como algo revolucionário, na melhor tradição do circo de pulgas que é este governo, em que cada micro iniciativa é anunciada como o “maior espetáculo da Terra”. Nas palavras do ministro, “a mudança do regime de meta é fundamental para o futuro do país”. Nada menos.

Há que se perguntar porque desse ânimo todo. É fácil de entender. Haddad e sua patota acreditam piamente que, com esse “horizonte contínuo” o BC poderá suavizar a sua atuação ao longo do tempo, não precisando apertar tanto a política monetária quando houver choques. Ora, o Banco Central JÁ FAZ isso hoje. Não por outro motivo, Campos Neto vai perder a meta de inflação esse ano pelo terceiro ano seguido. O BC não é escravo do ano calendário. Se o fosse, a taxa de juros seria muito, mas muito maior do que é hoje.

O que Haddad espera, de verdade, é poder empurrar com a barriga indefinidamente a convergência da inflação para a meta. Aparentemente, ele está confundindo não ter uma meta para o ano calendário com não ter meta alguma. Tombini fez isso: a inflação ficou consistentemente acima da meta ao longo de todo o seu mandato, a ponto de desancorar as expectativas mais longas da inflação, o que exigiu uma política monetária muito mais dura (Selic a 14,25%) quando precisou trazer a inflação de volta para a meta.

A meta contínua só vale a partir de 2025. Perguntado porquê, Haddad saiu-se com essa: “É quando começa o mandato de um novo presidente, decidimos alterar o regime para horizonte contínuo a partir dessa data”. Além da personalização de uma instituição que não deveria depender das pessoas, Haddad, com essa decisão, revela o seu lado Roberto Carlos: “daqui pra frente, tudo vai ser diferente…”. Ou seja, a partir de 2025, com o novo presidente e a nova regra, o BC estará à medida do que Haddad pensa da política monetária: linha auxiliar da política fiscal, ambas remando com força rumo ao abismo.

A má notícia para o ministro da Fazenda é que se o mercado começar a desconfiar que um novo Tombini assumiu o comando, a coisa pode realmente ficar feia. O resultado será um maior custo para trazer a inflação para a meta. Aliás, Lula, hoje mesmo, disse que “o Brasil não precisa ter meta de inflação tão rígida”. É a senha. Quem viver, verá.

O fim do cheque especial

Há alguns dias, escrevi um post defendendo a proibição do cheque especial como modalidade de crédito. Comparei o cheque especial a uma espécie de dose de uma bebida alcoólica para um alcoólatra: o melhor seria a total abstinência, uma espécie de “lei seca”.

Obviamente, não acredito nessa solução. O “mercado paralelo” de crédito substituiria o cheque especial com taxas ainda mais altas. O alcoólatra não se deixa segurar pela falta do produto nas prateleiras oficiais.

E não é que o CMN resolveu acabar com o cheque especial? Não com essas palavras, mas na prática é o que provavelmente vai acontecer. Vejamos.

Há basicamente duas hipóteses: ou o preço da linha estava errado e o BC, em sua onisciência, determinou agora o preço “certo”, ou o preço estava correto. Na primeira hipótese, os bancos vão continuar oferecendo a linha e obtendo lucros “corretos” com o cheque especial. Na segunda hipótese, o produto vai faltar nas prateleiras, como acontece com qualquer tabelamento de preços. Façam suas apostas.

A tarifa que os bancos vão poder cobrar está longe de compensar o teto de juros. Primeiro, porque será descontada dos juros sobre a linha utilizada. Segundo, porque quem não utiliza a linha não vai querer pagar a tarifa. É o meu caso, por exemplo. A primeira coisa que vou fazer é pedir para reduzir minha linha do cheque especial para R$500, limite no qual não há cobrança de tarifa.

Campos Neto, presidente do BC, nega que tenha sido um tabelamento, dado que os bancos vão poder cobrar tarifa sobre os limites não utilizados. Tarifa esta também tabelada, diga-se de passagem. Campos Neto subestima a inteligência do seu público.

Falta concorrência no mercado bancário brasileiro. O tabelamento não vai ajudar. Pelo contrário, vai atrapalhar. Eventuais concorrentes com capacidade de cobrar juros mais baixos já poderiam ter entrado quando os juros do cheque especial estavam a 12%. A 8% esta possibilidade diminui.

Dilma Rousseff, a presidente mais intervencionista da história recente, tentou usar os bancos públicos para baixar as taxas de juros, mas não teve a ousadia de tabelar as taxas de juros de linhas de crédito. O cheque especial é só o primeiro da fila. Depois vem o cartão de crédito e as linhas sem garantia, todas muito caras. O BC, pressionado pelos congressistas, estabelecerá o “preço correto” para todas essas linhas. Meu conselho para você, que vive no cheque especial ou no rotativo do cartão de crédito: comece a procurar um agiota para substituir essas linhas de crédito.