Batendo na pessoa certa

Até um relógio parado acerta a hora duas vezes ao dia. É o caso da colunista Eliane Catanhêde, que já mereceu alguns posts carinhosos nessa página, mas que desta vez acertou, ao fazer o diagnóstico de que bater em Lula é a chance de Moro (e, de resto, de qualquer candidato da chamada “3a via”) de chegar ao 2o turno.

Já tive oportunidade de escrever várias vezes aqui: bater em Bolsonaro, como insistiu Alckmin em 2018 e insistem todos os “defensores da democracia” até aqui, é inútil. Esse campo pertence à esquerda. A única chance é bater em Lula, para tirar de Bolsonaro a coroa de único antipetista de verdade da praça. E Moro tem esse figurino natural, dado que foi o juiz que colocou Lula na cadeia.

Hoje, Moro estreia uma coluna quinzenal no site O Antagonista (link nos comentários). A estratégia é a mesma já percebida por Catanhêde: bater em Lula. Não há uma mísera menção a Bolsonaro. Moro não se coloca como um típico 3a via, equidistante do demônio e de belzebu. A sua estratégia é mostrar que pode ser o antipetista que as viúvas de Bolsonaro (aqueles que votaram no capitão e se arrependeram) estão à procura.

É claro que ser antipetista não se restringe a bater em Lula. É preciso ter uma agenda antipetista, conservadora e liberal. Isso se verá ao longo da campanha. Mas esse primeiro passo parece promissor, diferente de tudo o que os chamados candidatos da 3a via estão fazendo.

Sempre haverá um núcleo duro, que vê no capitão o Messias que veio salvar o Brasil. Estes não votariam em outro candidato nem que Jesus Cristo disputasse a eleição. Mas há uma massa de simpatizantes do capitão que poderiam migrar para uma candidatura Moro se este ganhar terreno nas pesquisas ao longo dos próximos meses e mostrar que pode agregar mais contra Lula em um 2o turno.

Sergio Moro, hoje, tem a grande vantagem, sobre todos os outros candidatos da chamada “3a via”, de ter um patrimônio eleitoral inicial não desprezível, algo como 8% das intenções de voto, a depender da pesquisa. Este primeiro passo acertado lhe dá uma segunda vantagem. Vamos ver se isso se traduz em aumento das intenções de voto nas próximas pesquisas.

PS.: ainda estou longe de ter candidato. Isto que vai acima é apenas uma análise, não uma torcida.

Digna de dó

Os analistas e colunistas políticos ainda estão lambendo as feridas dos últimos dias 7 e 12. Hoje, temos a inefável Eliane Catanhêde dando lições de moral ao MBL/Vem Pra Rua e ao PT. Sua tese: está na hora da união das oposições a Bolsonaro, o inimigo comum. É hora de deixar ojerizas de lado e não é hora de pensar nas eleições. Há que reconhecer que a colunista não está sozinha nesse tipo de “raciocínio”.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, Catanhêde afirma que a manifestação do dia 12 foi esvaziada porque o PT não participou. Esta seria uma demonstração inequívoca de como a desunião prejudicou o objetivo, que é tirar Bolsonaro. Só tem um detalhe errado nesse “raciocínio”: a realidade. Se somarmos a manifestação de petistas no próprio dia 7 com a manifestação do dia 12, não deve resultar em mais do que 10% da manifestação bolsonarista. Catanhêde deve ter problemas com matemática.

Em segundo lugar, uma manifestação da “terceira via” não pode, por construção, abraçar-se a Lula. Senão, não é terceira via, faz parte da órbita do PT. A ideia por traz do “todos contra Bolsonaro” é tirá-lo do segundo turno, sobrando Lula e um candidato da chamada terceira via. O problema está, novamente, na matemática: virar votos suficientes de pessoas que iriam votar em Bolsonaro no primeiro turno para um candidato que se abraça com Lula. Haja esperança.

Digamos, por hipótese e no limite, que Bolsonaro fosse afastado do cargo e se tornasse inelegível. Será que seus eleitores iriam escolher algum candidato da “terceira via”, que ocupou o mesmo palanque de Lula, no primeiro turno? Ou será que votariam em outro outsider que emulasse o capitão? Que tal Eduardo Bolsonaro para presidente?

É neste ponto que, na minha avaliação, erram analistas como Catanhêde: não existe isso de “as eleições nós vemos depois”. Lula não desceu do palanque um segundo sequer durante a sua presidência. Desde o início, ao chamar de “herança maldita” o legado de FHC, Lula fez campanha eleitoral. Ele sabe como ninguém que todos os atos de políticos compõem um quadro que será cobrado em eleições futuras pelos eleitores. Não existe isso de “pensar no Brasil”. Tanto é assim que é pouco provável que todos esses candidatos da chamada “terceira via” abrirão mão de suas respectivas candidaturas na hora do vamos ver. Todos estão em campanha eleitoral.

Em uma coluna que vai ficar para a história, Catanhêde sugeriu a Lula que tivesse a grandeza de desistir da candidatura à presidência, colocando-se como candidato a vice. Lula, com toda a delicadeza que lhe é peculiar, sugeriu que ela parasse de escrever bobagens. Quem disse que não dá para concordar com Lula em alguma coisa?

Ideia genial

Eliane Catanhêde teve uma ideia genial: Lula abriria mão da cabeça de chapa e, do posto de candidato a vice-presidente da República, costuraria um grande entendimento pacificador nacional.

Bem, não sei direito por onde começar. São vários erros diversos e combinados em uma única “ideia”. Mas vamos tentar.

O primeiro erro é achar que Lula e o PT vão abrir mão da cabeça-de-chapa. Mesmo em situações em que o PT não tem a mínima chance eleitoral, o partido não abre mão de ter os cordões do poder em suas mãos. A composição ocorre somente com os outros partidos sendo vassalos de seu projeto de poder. Imagine em uma situação como a que se coloca, com Lula tendo efetivas chances de eleição.

O segundo erro é supor que Lula e o PT estão dispostos a “pacificar” o cenário político nacional. Como se não tivesse sido Lula a apontar a “herança maldita” de FHC e ter inventado o “nós contra eles”. Não, Lula e o PT são sectários, a única paz que lhes interessa é o da submissão.

Por fim, causa espécie que um político que esteve preso com prova provada de seus crimes, com sentença confirmada por 3 instâncias da justiça brasileira, e que só está solto com base em “provas” obtidas ilegalmente, ainda seja tratado como um contendor legítimo na arena política, e não como um pária.

Esse tipo de “raciocínio” da jornalista nos diz algo muito importante: Lula não está solto porque alguns ministros do STF resolveram assim. O STF é apenas o operador político de uma vontade da inteligentzia brasileira, que nunca engoliu o fato de que Lula é um larápio como outro qualquer, e não o herói de seus sonhos juvenis de justiça social. Nada é por acaso: Lula está de volta porque assim quiseram pessoas como Catanhêde, que sonham com um Brasil pacificado, próspero e livre de arreganhos autoritários.

São essas mesmas pessoas que não conseguem entender como uma figura como Bolsonaro conseguiu se eleger presidente.

Um nome de centro. Qualquer um.

Eliane Catanhêde é colunista política. Não é analista nem muito menos cientista política. É colunista. E, sendo colunista, tudo o que escreve tem fonte, tenha sempre isso em mente.

Não é à toa que o nome de Luiza Trajano aparece nesta coluna. Noutro dia, o nome da fundadora da Magazine Luiza apareceu em uma outra notinha como vice dos sonhos de Lula.

Luiza Trajano está se preparando para entrar no jogo da sucessão de 2022. A colunista descarta Eduardo Leite, por ter “pouca experiência política” mas acolhe o nome de Trajano como uma alternativa séria. No fundo, o que Catanhêde e todos os jornalistas e analistas buscam desesperadamente é uma alternativa “de centro” viável.

Por algum motivo misterioso, Trajano teria chances reais em um campo onde nomes muito mais consistentes como Doria, Huck, Moro e até Eduardo Leite já não têm chances. O desespero obnubila o raciocínio das pessoas.

Leitura rasa

Eliane Catanhêde faz, ao meu ver, uma leitura rasa da eleição na Câmara. Segundo sua análise, e que traduz um sentimento comum, Arthur Lira seria eleito para “trancar” qualquer pedido de impeachment.

Rodrigo Maia está sentado sobre 61 pedidos de impeachment há vários meses. Ele não é um aliado de Bolsonaro, eleito com o propósito de “trancar” pedidos de impeachment. O que o impediu de dar curso a pelo menos um deles? As condições políticas.

A eleição de Lira, se ocorrer, será um sintoma, não causa da não tramitação de um processo de impeachment. Não é que a maioria dos deputados esteja doida para iniciar um processo de impeachment, mas o presidente da Casa a ser eleito vai segurar o processo. Lira será eleito PORQUE a maioria da Casa não quer o impeachment. Pelo menos, não por ora.

A eleição de Lira é garantia de blindagem se e quando as condições políticas estiverem dadas para um processo de impeachment? Duvido muito. O Centrão fazia parte da base de sustentação do governo Dilma, e foram os primeiros a pularem do barco quando sentiram que o vento havia virado. Não será diferente.

Quando muito, a eleição de Lira significará o fim das desculpas esfarrapadas do Planalto para a inação na agenda econômica. Vamos ver.

Campanha em roupagem de análise

Eliane Catanhêde escreve artigo em que cita “pesquisa caseira” do senador Ciro Nogueira em duas micro cidades do Piauí, que teriam detectado forte crescimento de Luciano Huck.

No final, recomenda que os jornalistas não menosprezem as chances do apresentador, como fizeram com Bolsonaro. Mas, o que pode parecer um “mea culpa”, na verdade não passa de torcida.

A afirmação de que “a massificação de uma inverdade – a de que só Bolsonaro bateria o PT” é em si uma inverdade, além de desnudar a cegueira que ainda acomete a classe.

Se algo ocorreu, foi justamente o inverso: a tentativa de nos convencer de que somente Bolsonaro perderia de Haddad no 2o turno. Essa foi a tática de campanha de Alckmin, além do que diziam todos os analistas (incluindo Catanhêde) e todas as pesquisas. Era óbvio, para quem tinha dois olhos para ver, que o voto anti-PT e anti-sistema era majoritário, mas continuaram insistindo nessa lenda urbana até o dia em que saiu a primeira pesquisa para o 2o turno. Ao atribuir a vitória de Bolsonaro a uma campanha de desinformação, Catanhêde, na verdade, está afirmando que os jornalistas e analistas não erraram, foram apenas vítimas da massificação de uma inverdade. O que faz com que o chamado a “não desprezar Huck” soe mais como campanha do que como análise. Afinal, se os “especialistas” não erraram, qual o objetivo de chamá-los a não errar novamente, a não ser um pretexto para levantar a bola de Huck?

Catanhêde e seus colegas continuam a fazer campanha, não análise.

Os métodos que nunca foram aplicados

Eliane Catanhêde escreve hoje uma coluna que sintetiza bem a gritaria que se instalou na inteligentzia nacional ao ver um de seus heróis ser chamado de “energúmeno” por ninguém menos que o presidente da República. Até acho que o presidente não deveria se prestar a esse papel, tem a tal liturgia do cargo, etc. Mas sua intervenção foi útil pelo menos para deixar claro porque estamos onde estamos.

Paulo Freire desejava o bem, que se traduz na igualdade entre as pessoas. Pronto. É o que basta para ser idolatrado. Se os seus métodos funcionam para atingir o objetivo, isso é mero detalhe, irrelevante mesmo.

Mas Catanhêde vai além, e repete a falácia dos socialistas: o socialismo não deu certo não porque não funcione, mas porque os seus princípios foram jogados fora. O “verdadeiro” socialismo funciona, é que nunca foi implementado. Da mesma foram, a educação brasileira está uma lástima não porque se tenha aplicado os métodos de Paulo Freire, mas justamente porque não os aplicaram! “Jogaram fora”, diz a colunista, em uma voz passiva que lhe permite não determinar quem é esse sujeito tão sórdido que descartou os ensinamentos de tão egrégio ener…, quer dizer, educador.

Não sou pedagogo, então não vou aqui me meter a discutir sobre os méritos ou deméritos do método de Paulo Freire. A única coisa que sei é que ele é o Patrono da Educação em uma nação de analfabetos funcionais, que está na rabeira da fronteira tecnológica. Isso diz alguma coisa.

Falando sério sobre distribuição de renda

Eliane Catanhêde dá a sua dose de contribuição para o debate sobre o IDH. Destaquei sua opinião porque representa a média do que se ouve falar por aí: o Brasil é um país rico, mas injusto. O problema é distribuir essa riqueza mais igualmente.

Que a distribuição de renda no Brasil é uma vergonha não se discute. Ninguém em sã consciência é contra redistribuir riquezas. O problema é a premissa anterior, a de que somos um país rico. Ouço essa afirmação muitas vezes: com tantas riquezas minerais, florestas, produção agrícola, mar, etc, o Brasil é muito rico. Só [preencha com o que preferir aqui] impede o país de deslanchar. A desigualdade é a última moda em “causas para o nosso subdesenvolvimento”.

Não, o Brasil não é um país rico. Nem no século XVI se media riqueza pelos recursos naturais, quanto mais hoje, em uma sociedade tecnológica. Somos um país remediado, que faz questão de redistribuir migalhas enquanto castas públicas e privadas sugam o orçamento público sob os mais diversos argumentos de “direitos adquiridos”. Ninguém quer ceder um milésimo de sua posição para melhorar as condições do todo.

Como jornalista, Eliane não deve ser CLT. Portanto, paga menos imposto do que minha empregada doméstica. O que ela não paga de imposto é compensado com impostos sobre bens de consumo, que minha empregada compra. Injustiça na ida e na volta. Vamos começar a falar a sério sobre redistribuição de renda?

Rabo abanando o cachorro

Eliane Catanhêde ataca novamente.

Segundo a jornalista, a China desbancou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil porque Celso Amorim promoveu uma política externa Sul-Sul.

Relevando o fato curioso e irrelevante de que a China está ao Norte da linha do equador, Catanhêde simplesmente desconsidera que a China cresceu a dois dígitos por mais de 20 anos, com forte concentração em investimentos em infraestrutura, demandando todo o minério de ferro do mundo e mais um pouco. E adivinha qual o maior exportador de minério de ferro do mundo?

Além disso, a China virou o maior consumidor de soja do mundo, pois não é fácil prover proteínas para a maior classe média emergente do mundo. E adivinha quem é o maior exportador de soja do mundo?

Ao atribuir à política externa de Lula um fenômeno que é global (a China passou a ser o maior parceiro comercial de grande parte dos países do mundo), Catanhêde só está repetindo bovinamente uma “verdade” muito cara ao lulopetismo: a de que o mundo e o Brasil como eram no final da década passada foram invenções de Lula. Neste mundo, o rabo abana o cachorro sem a mínima cerimônia.