Histeria

Eliane Catanhêde resume bem a histeria que tomou conta dessa eleição. Não a conservadora, mas a dos jornalistas e intelectuais.

O artigo é todo ele uma ode ao autoritarismo. E o pior, a jornalista nem se dá conta disso!

Pelo raciocínio da jornalista, no qual é seguido por grande parte da elite bem-pensante brasileira, os evangélicos formariam uma espécie de gado no pasto, pronto a seguirem a orientação de seus pastores. Não teriam discernimento próprio, seriam massa de manobra.

Por que esse raciocínio tem viés autoritário? Porque parte do pressuposto de que é necessária uma autoridade que tome decisões em nome dos subordinados. Os votos na urna são mera formalidade, na medida em que Edir Macedo e os outros pastores já tomaram a sua decisão.

Eu sou firmemente democrata. Acredito no discernimento do povo. Tanto quando elegeu Dilma, quanto agora, quando, tudo indica, irá eleger Bolsonaro. Os pastores não lideram, estão a reboque do sentimento de seus comandados. Não fosse isso, Edir Macedo não teria apoiado Lula em seus dois mandatos.

No fundo, Eliane Catanhêde e seus colegas não admitem outro voto que não naqueles que representam “a luz”, “a verdade”, “o bem”. Luz, verdade e bem sob o critério deles, que fique bem entendido.

Essa histeria (para usar a mesma palavra) do WhatsApp vai na mesma linha. Mas isso fica para o próximo post.

A não tão sutil doutrinação

Estadão, coluna de Eliane Catanhêde: “… surge o primeiro movimento claro de reaglutinação de forças, e é à esquerda. As articulações projetam, inclusive, um novo personagem nesse atual cenário vazio, desolador: Guilherme Boulos. […] Como Stedile, é inteligente e tem liderança. A diferença é que Stedile parece paralisado num passado que desmoronou e Boulos acena com o futuro”. […] “Assim como a esquerda se rearticula, as demais forças também. Entretanto, a extrema direita defender a volta da ditadura militar não é articulação, é ameaça”.

Valor Econômico, sociólogo Sergio Abranches: “O Brasil, durante a maior parte do tempo, tinha uma esquerda e o resto se dizia de centro. Ninguém se assumia como de direita, no sentido de ser conservador, antifeminista, contra a liberdade de expressão generalizada. Isso é um fenômeno muito novo”.

Valor Econômico, reportagem sobre os 150 anos de Marx: “…filósofo e revolucionário do século XIX, inspiração para os movimentos de esquerda e assombração para os governos autoritários de direita,…”

O que há de comum nesses três trechos, escolhidos entre tantos outros em apenas um dia de jornal? Basta saber ler para notar a glamourização da esquerda e a satanização da direita.

Catanhêde eleva à condição de estadista um radical que queima pneus nas ruas e usa pobres coitados como massa de manobra, mas o antidemocrático é somente aquele que pede a volta da ditadura militar.

Sergio Abranches identifica a direita com a falta de liberdade de expressão, quando são os regimes de esquerda que, notoriamente, eliminam esse direito uma vez no poder.

A reportagem sobre Marx guarda o adjetivo “autoritário” para a direita, quando, mais uma vez notoriamente, os regimes de esquerda se destacaram (e ainda se destacam, vide Venezuela, Cuba e Coreia do Norte) como autoritários.

A doutrinação é sutil, mas poderosa. O tempo inteiro, estão tentando nos convencer de que a esquerda é “do bem” e a direita é “do mal”.

A reportagem do Valor, onde Sergio Abranches nos brinda com a observação acima, tenta entender a ascensão da “extrema direita”, representada por Bolsonaro. O adjetivo “extrema” é usado ao longo de toda a reportagem. Lanço aqui um desafio: encontre hoje, no jornal, o adjetivo “extrema” associado à esquerda. Boa sorte.

Tudo acaba em triplex no Guarujá

Eliane Cantanhêde informa hoje que parlamentares de partidos de esquerda estão articulando a formação de um novo (mais um!) grande partido de esquerda, sucessor do PT, cujo ciclo teria acabado. Seria a hora de “resgatar as teses da esquerda que afundam junto com a era petista”.

Me faz lembrar o que dizem sobre o fim da URSS: que o socialismo verdadeiro não foi realmente implementado na URSS, com suas classes dirigentes tendo desvirtuado os ideais socialistas.

Não conseguem ver que o ideal socialista traz em si o germe totalitário, e com ele, a corrupção absoluta. O Manifesto Comunista, de Marx e Engels, já dizia: “O proletariado usará sua supremacia política para arrancar, gradualmente, todo o capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante; e para aumentar as forças produtivas tão rapidamente quanto possível. Claro que, no início, isto não pode ser obtido exceto por meio de intervenções despóticas nos direitos de propriedade, e nas condições de produção burguesas”.

A utopia está em que, ainda segundo o Manifesto Comunista, “quando, no curso do desenvolvimento, as distinções de classe tiverem desaparecido, e toda produção estiver concentrada nas mãos de uma vasta associação de toda a nação, o poder público perderá o seu caráter político. […] No lugar da velha sociedade burguesa, com suas classes e seus antagonismos de classes, deveremos ter uma associação, na qual o desenvolvimento livre de cada um é a condição para o desenvolvimento livre de todos.”

Fica difícil entender como conjugar “intervenção despótica” com “desenvolvimento livre” no mesmo texto, e é justamente essa contradição insolúvel que torna o socialismo uma utopia: os “homens livres” em uma “sociedade livre” sempre ficam para depois, porque agora precisamos continuar “intervindo despoticamente” nas instituições burguesas.

O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente. O socialismo fracassou onde quer que tenha se tentado implementar seriamente porque precisa de homens incorruptíveis para a sua implantação. Homens utópicos, não reais. O estado é um ente abstrato, que é operado através de um governo, que é formado por homens. A concentração de poder no estado significa a concentração de poder na mão de poucos. E os revolucionários tornam-se a nova burguesia, a nova classe dominante, como magistralmente retratado na Revolução dos Bichos, de Orwell.

A criação de um novo partido de esquerda, para manter acesa a chama dos ideais socialistas, é só o reinício do ciclo: a busca da utopia, que acaba em um triplex com elevador no Guarujá.