Escravo por livre e espontânea vontade

Eugênio Bucci, que faz parte daquele universo mágico chamado “petismo ilustrado”, nos brinda hoje com um artigo desancando os “conglomerados digitais”, que estariam nos “escravizando” para extrair e comercializar nossos dados. E não estaríamos recebendo um tostão furado por isso!

O professor Eugênio faz uma confusão danada.

Primeiro, porque coloca no mesmo balaio empresas como Facebook e Google de um lado e Microsoft e Amazon do outro. Parece que o critério foi tão primitivo quanto “tudo o que funciona no computador e está entre as 10 empresas mais valiosas da bolsa”. Ora, Microsoft e Amazon não trabalham no ramo de “extrair dados” para “vendê-los”, ainda que efetivamente usem dados dos seus usuários para vender os seus produtos. Mas grandes empresas varejistas, desde bancos até lojas de materiais de construção, fazem a mesma coisa! Usam dados dos seus clientes para vender-lhes seus produtos! Ou você acha que seus dados no Bradesco, na C&A ou no MasterCard estão lá à toa, sem trabalhar para essas empresas?

Facebook e Google têm outra natureza: são empresas que vivem de vender os dados de seus usuários para fins de publicidade. Nesse sentido, são semelhantes aos jornais e revistas onde o professor Eugênio extrai o seu ganha pão. A imprensa nada mais é do que vender o olhar dos seus leitores, ouvintes e telespectadores para fins de publicidade. É o exato mesmo que fazem Google e Facebook. Mas, a exemplo de várias outras áreas, os “conglomerados digitais” conseguem fazê-lo de maneira muito mais eficiente. Será essa a bronca do professor Eugênio?

Parece-me que o grande problema do professor Eugênio não são realmente os dados. Seu artigo tem o tom de “olha aí, otário, o que estão fazendo com você!” para disfarçar sua verdadeira preocupação: o poder de espalhar “fake news” e, assim, envenenar a democracia elegendo governantes autoritários. Seria mais honesto dizer “perdemos o controle e deixamos que se elegesse o Trump e o Bolsonaro”.

Sobre “fake news”, lembrei de uma história. Tenho um colega de trabalho baiano, cuja família mora no interior da Bahia. Durante a campanha eleitoral de 2014, ele foi passar as férias com a família. Voltou dizendo que Aécio não tinha chance no Nordeste. Carros de som passavam na rua, dizendo que o Aécio ia acabar com o bolsa família. O que faz o desespero desse pessoal é que acabou o monopólio das “fake news”. Entrou um contendor no jogo disposto a usar as mesmas armas que o PT usou desde sempre, tendo como aliado uma tecnologia que atinge milhões de maneira muito mais eficiente. Não é à toa que o PT só ganhou nos grotões.

Olha professor Eugênio, não sou escravo. Escrevo no FB como uma espécie de higiene mental, compartilhando meus pensamentos com quem queira, livremente, escuta-los. Zuckerberg nos proporcionou uma ferramenta de influência, mesmo que seja em relação a meia dúzia de gatos pingados. A mágica está em que qualquer um escreve, e seu círculo de leitores será do tamanho da qualidade do que escreve e não da boa vontade de um editor.

Não estou aqui condenando a imprensa editorial, longe disso. O jornalismo profissional, com todos os seus defeitos, continua sendo essencial para a democracia. O que temos agora, no entanto, é a convivência com outra forma de se espalhar e debater ideias, mais descentralizada. Ambas devem conviver em um ambiente democrático.

Ao citar Elizabeth Warren em sua análise, o professor Eugênio deixa claro qual é o verdadeiro problema: o capitalismo, que cria “conglomerados” que dominam as vidas das pessoas e não deixam o Estado fazer esse controle. Há um ranço contra essas empresas que não fazem coisas concretas (tipo roupas e carros) e valem trilhões na bolsa. Warren quer terminar com isso. Afinal, onde já se viu ganhar dinheiro fazendo coisas que as pessoas querem comprar?

A natureza do escorpião

De vez em quando, até Eugênio Bucci escreve coisas interessantes. É o caso desse artigo.

Segundo o professor da ECA, a única chance das esquerdas no Brasil é libertarem-se do seu passado, jogando ao mar os dirigentes que cometeram crimes, em uma autocritica pública. Escrevi mais ou menos a mesma coisa há alguns dias, quando comparei os petistas aos escravos do faraó, que entram na tumba com o seu chefe para morrerem juntos.

Só tem um probleminha com a ideia do artigo: é desconsiderar a natureza do PT e de seus satélites. O culto à personalidade e o terror da nomenklatura fazem parte constitutiva de partidos desse tipo.

Quem assistiu A Morte de Stálin sabe do que estou falando. Apesar do tom burlesco e farsesco, o filme retrata muito bem a atmosfera da Rússia stalinista. E Krushev somente teve peito para fazer uma critica aos anos de Stálin quando estava, ele próprio, bem aboletado no poder.

É assim que funciona. Não existe isso de “autocritica”. Os dirigentes do partido sempre estão certos e dizer o contrário é um crime contra o partido. Criam-se todas as narrativas necessárias para manter o líder e a nomenklatura em seus devidos lugares.

Em partidos normais da democracia, quando um líder é pego com batom na cueca, cai imediatamente no ostracismo, por mais que seus colegas de partido tentem disfarçar. Aécio Neves é o caso clássico. Alguém imagina “vigílias” na frente da prisão de Aécio? Pois então.

Bucci sugere que o “déficit democrático” do PT seria resolvido com uma autocritica pública, jogando seus dirigentes ao mar e reciclando suas lideranças. Seria verdade se fosse possível. Mas o caráter stalinista do partido já ficou mais do que comprovado. Outro líder somente surgirá quando o atual se for. E o próximo líder sim, fará a “autocritica” do partido, mas somente para preservar o próprio poder. Essa é a lógica.

Bucci está pedindo que o PT mude de natureza, que se transforme em uma espécie de PSDB sem tipos como o Doria. Não vai acontecer. O escorpião tem sua própria natureza, nasceu com ela, vai morrer com ela.

O moderado

Quando você for ler um artigo de Eugênio Bucci, saiba disso que vai abaixo.

Em tempo: Dilma foi “vendida” no mercado eleitoral como “a gerentona competente”. Lembre-se disso quando tentarem vender Haddad como “o moderado”.

Consenso inexistente

Eugênio Bucci nunca me decepciona. Dessa vez não foi diferente.

No final de um artigo em que desanca Bolsonaro por suas falas no momento do impeachment e contra a deputada Maria do Rosário, o professor da ECA-USP falseia a história para que caiba em sua narrativa.

Ao defender a ditadura militar, Bolsonaro estaria atingindo o alicerce mesmo da frágil democracia brasileira, a saber, o consenso de que houve tortura e ditadura praticadas pelo Estado brasileiro.

É uma bela narrativa. Pena que seja falsa.

O consenso que permitiu a volta do regime democrático foi uma anistia ampla, geral e irrestrita para ambos os lados da contenda. A anistia foi o que permitiu serenidade de ânimos para que pudéssemos seguir em frente. Foi diferente, por exemplo, na Alemanha, onde a condenação ao nazismo permitiu o ressurgimento do país aos olhos do mundo e de si mesmo.

Seria como se outro dissesse que a democracia brasileira repousa sobre o consenso de que a esquerda brasileira queria implantar uma ditadura comunista no Brasil, e que qualquer dissenso sobre isso seria uma grave ameaça às nossas instituições.

Quero deixar claro que, assim como Bucci, acho as falas de Bolsonaro inaceitáveis. Isso é uma coisa. Outra coisa é dizer que houve consenso sobre aquele período tenebroso da história. Tanto não houve, que Bolsonaro tem 30% de intenções de voto, mesmo falando tudo o que ele fala. Ou, talvez, por tudo o que ele fala.

Houve uma anistia ampla, geral e irrestrita, que é a forma brasileira de resolver conflitos. Mas esse assunto insiste em não morrer, e por culpa única e exclusivamente das esquerdas, que insistem em Comissões da Verdade e punições, em clara afronta ao consenso primordial, qual seja, a anistia.

Bolsonaro é apenas a reação encarnada à tentativa de empurrar goela abaixo da sociedade um consenso que não houve.

As duas grandes muralhas

Eugênio Bucci comete hoje um artigo no Estadão que explica muito do que vimos no Roda Viva esta semana.

Ele começa o artigo afirmando que “Dois limites comprimem a democracia brasileira. Duas muralhas móveis, cada uma de um lado, vão se aproximando uma da outra, como nestas máquinas de compactar detritos. Combinadas, as duas podem transformar o projeto democrático que se desenhou para o Brasil a partir da Constituinte federal de 1988 num pacote de lixo concentrado.”

Obviamente uma dessas “muralhas móveis” é Bolsonaro. Aliás, Bolsonaro seria apenas um sintoma de algo mais grave: “a cultura antipolítica e antidemocrática mobilizada por essa candidatura”. Como se essa “cultura antipolítica e antidemocrática” tivesse surgido de Marte, não fosse fruto do estupro coletivo da democracia comandado pelo presidiário de Curitiba.

E por que Bolsonaro seria “anti-democrático”? Simples: porque não condena a ditadura militar. A ditadura seria a referência, para o Brasil, do que não é democrático. Funcionaria como o nazismo para a Alemanha: os alemães se auto-referem ao nazismo para construir sua própria identidade pós-guerra. É curioso como a referência é a ditadura militar e não, por exemplo, a ditadura de Getúlio Vargas, ou o apoio a ditaduras como a cubana ou a venezuelana. Mas segue o jogo.

Com esse mindset, fica então claro porque a insistência, no Roda Viva, de perguntas sobre a ditadura militar. Esses jornalistas se veem como um bastião da luta pela democracia, e querem desconstruir Bolsonaro no lugar onde eles acham estar a batalha de vida ou morte. Nós, pobre mortais que precisamos pagar os boletos vencidos, ficamos sem entender muito tudo aquilo. Obrigado, Eugênio, por nos explicar.

Fui lendo o artigo, ansioso à espera da segunda “muralha móvel que vai transformar nossa democracia em lixo”. Achei que fosse falar de Lula e do PT. Afinal, é sob o comando de Lula que o PT vem desrespeitando as instituições democráticas brasileiras. São os petistas que chamam um Congresso eleito pelo povo e que segue a lei de “golpista”. É Lula e seus asseclas que desafiam diariamente o judiciário brasileiro. É o PT que quer patrocinar o “controle social da mídia”, eufemismo para censura. Foi Lula que comandou o Mensalão e o Petrolão, dois movimentos que desvirtuaram a democracia representativa como nunca antes na história desse país. Fui ingênuo. Não há uma linha sobre Lula ou o PT. A segunda “muralha móvel” seria a “privatização do espaço público promovida pelos monopólios globais da era digital”. No caso, o Facebook. E os adeptos da primeira muralha estariam se aproveitando da segunda muralha para fazer o serviço de transformar a democracia em lixo. Ele não disse, mas certamente viu com bons olhos a retirada de páginas de apoio a Bolsonaro da rede.

Bucci se mostra o que todo “democrata gramsciano” é: um autoritário. Mário Covas dizia que o povo sempre vota certo, é preciso que os políticos entendam a mensagem que o povo passa nas eleições. Essa é a essência do espírito democrático. Quem disse que o tal “projeto democrático que se desenhou para o Brasil a partir da Constituinte federal de 1988” é o único possível? Visão autoritária, que despreza o voto e sabe o que é melhor para o povo do que o próprio povo.

Bolsonaro vai disputar as eleições dentro do jogo democrático. Se ganhar, terá que governar dentro dos parâmetros democráticos. Se mijar fora do penico (como, aliás, o PT tentou), as instituições democráticas o expelirão.

Ver Bolsonaro como a única ameaça à democracia no Brasil diz muito sobre o tipo de democracia que Bucci e seus coleguinhas querem para o País.

A análise isenta de um petista

Este é Eugenio Bucci, mais um intelequitual “não petista e não lulista”, defendendo o indefensável hoje no Estadão.

Este é só um trecho. O artigo todo é um monumento à desfaçatez.

Começa por cobrar dos juízes uma visão mais, digamos, “política” da história toda. Depois, relembra o impeachment de Dilma por “filigranas contábeis ultracomplexas” para dizer que a justiça começou a perder credibilidade aí. Como se o impeachment tivesse sido julgado pelo TRF-4 ou pelo STF e não pelo Congresso!

A seguir, diz que há “dois pesos e duas medidas” pois Temer continua aí com crimes muito mais graves e claros. Novamente, como se Moro e o TRF4 tivessem algo a ver com Temer! Eles adorariam julga-lo, tenho certeza. Em seguida, veio esse trecho aí embaixo.

Sério mesmo que um cara inteligente como Eugenio Bucci acha que o povo não entende que é impossível uma empreiteira instalar uma cozinha Kitchen de 140 mil e um elevador privativo em um apartamento não vendido?

Depois, vem o trecho em que Eugenio se contradiz: se o apartamento nunca foi ocupado por Lula, a história com o sítio é outra coisa, pois era casa de veraneio da família. Mas Eugenio não se dá por vencido: o caso em foco no TRF4 era o triplex, não o sítio. E sobre o triplex “não há provas”. Ora, ele inicia o artigo cobrando dos juízes uma visão, digamos, mais holística da coisa toda, mas quer que os juízes usem viseiras quando se trata de crimes absolutamente correlatos!

No parágrafo seguinte, cobra punição também para outros ex-presidentes que teriam levado vantagens ainda maiores. Não se dá ao trabalho de nomeá-los, porque certamente levaria um processo. A justiça funciona com provas, não na base de bravatas.

Para coroar, critica a rapidez do TRF4, afirmando que pode passar a impressão de que a justiça tem lado.

Aliás, essa é a grande desonestidade desse artigo: nunca é Eugenio Bucci que acusa ou desconfia. É o “povo”, que não entende as filigranas jurídicas. Um “fosso” estaria sendo criado entre a justiça e o “povo”, ameaçando a legitimidade das eleições e a os fundamentos da democracia. Ele, Bucci, estaria ali como um analista “isento”, somente alertando para os perigos da condenação de Lula “sem provas”. Bem, ele deve estar se referindo ao povo que ele conhece, aquele da Fefeléti. O povo mesmo sabe quanto custa fazer uma reforma em um imóvel, e que ninguém dá nada de graça para ninguém.

Os fanáticos do profeta

Há algum tempo venho querendo escrever sobre isso, mas outros assuntos mais urgentes atropelaram.

Trata-se da pergunta de Eugênio Bucci a João Doria no Roda Viva. Foi a primeira pergunta do programa. Mais do que uma pergunta, Bucci tirou satisfação de Doria. Será que o prefeito de São Paulo não tem sido muito duro com Lula e com o PT? Afinal, apesar de seus erros, têm também os seus acertos, e representam (ou representaram) a esperança de milhões de brasileiros.

A resposta de Doria foi a óbvia, e o vídeo está rodando por aí. Nada justifica a roubalheira e a maior recessão do Brasil.

Eugênio Bucci retomou o assunto em artigo no Estadão na quinta-feira, reforçando o argumento com a publicidade das delações da Odebrecht. Afinal, se todos roubaram, menos justificado ainda o ódio dirigido especificamente a Lula e ao PT. Todos mereceriam a execração.

O argumento estaria correto, a menos de um detalhe, que não tem nada de pequeno: Lula e o PT se auto-proclamam os porta-vozes dos pobres, os únicos que buscam os verdadeiros interesses do povo. No dizer de Doria, na sua resposta a Bucci, “pretendem deter o monopólio da virtude”.

Quem não se lembra? Bastava criticar alguma política pública, e você era acusado de não gostar que pobre “andasse de avião”, ou que “o filho da empregada frequentasse a mesma universidade que os ricos”, ou ainda, que “a elite ficou incomodada com a ascenção dos mais pobres”.

Pior do que esse discurso, no entanto, é o tratamento de profeta que Lula recebe. Pessoas supostamente inteligentes, diante de evidências cada vez mais evidentes, preferem atacar a Lava-Jato a admitir que seu profeta talvez não seja, assim, tão santo.

Se um dia Aécio Neves ou Alckmin forem depor ao juíz Sergio Moro, juntarão, quando muito, meia dúzia de curiosos. Já Lula e o PT estão convocando os seus discípulos para defender o seu profeta. Tudo bem que está cada vez mais difícil de encontrar discípulos que atendam ao chamado sem um pão com mortadela, mas me refiro aqui aos intelectuais de miolo mole, que fazem de graça.

Esta é a diferença: o problema de Aécio ou de Alckmin com a justiça é problema deles. O problema de Lula com a justiça é problema de seus discípulos. Discípulos do profeta, que o defendem como se defendessem suas próprias vidas. Imagine se Aécio consegue subir hoje em um carro de som na Paulista e ser aplaudido. Mas Lula consegue. Esta é a diferença.

Eugênio Bucci termina o seu arrazoado com uma chamada ao diálogo. Sim, o diálogo é possível entre duas pessoas racionais, que concordam em respeitar algumas regras básicas, como a honestidade intelectual e o respeito aos fatos. Não é o caso, quando o outro lado é formado não por pessoas racionais, mas por fanáticos do profeta.