Eletrobras ou não Eletrobras, eis a questão

As pessoas físicas poderão comprar ações da Eletrobras com o seu FGTS. Vale a pena?

O primeiro raciocínio é que qualquer coisa maior que TR + 3% é melhor que o FGTS. E qualquer investimento rende mais que TR + 3%. Portanto, valeria a pena comprar ações da Eletrobras com o FGTS.

No entanto, ainda está fresca na memória de muitos a catastrófica capitalização da Petrobras em 2010. Na ocasião, os detentores de saldo no FGTS também puderam participar. E ninguém que tenha participado guarda boas lembranças desse investimento.

Voltando um pouco no tempo, no ano 2000 o governo também abriu a possibilidade de comprar ações da Petrobras com o FGTS. Naquela época, o valor de mercado da empresa era por volta de R$ 50 bilhões. Dez anos depois, por ocasião da megacapitalização do PT, a empresa valia R$ 400 bilhões. O capital havia se multiplicado por 8, refletindo a descoberta do pré-sal, além de políticas macroeconômicas que levaram o país e a empresa ao grau de investimento. Olhando pelo retrovisor, muitos projetaram para o futuro o mesmo que havia acontecido no passado. Além disso, o risco era baixo, pois “qualquer coisa rende mais que o FGTS no longo prazo”.

O que se viu nos anos seguintes foi um circo de horrores, que levou o valor de mercado da Petrobras a encolher até R$ 85 bilhões no início de 2016, véspera do impeachment. Ou seja, para quem entrou em 2000, o investimento rendeu em linha com o FGTS. Já quem entrou em 2010 viu evaporar 80% do seu investimento em pouco mais de 5 anos. Nem criptomoeda perde tanto em suas maiores crises.

Voltemos à questão da Eletrobras. A diferença, neste caso, é que a Eletrobras vai ser privatizada, ao passo que a Petrobras continuou sob o controle do Estado. Espera-se que a gestão privada não arruine a empresa como foi o caso da Petro.

Mas tem um detalhe importante nessa história. O setor elétrico é um dos mais regulados da economia. As empresas dependem do cumprimento de contratos de longo prazo com o governo. Ainda está fresca na memória os prejuízos causados às empresas do setor pela MP 579, de 2013, em que o governo Dilma arbitrou preços fora da realidade para a renovação de concessões, com o objetivo de reduzir as tarifas de energia. Ok, na época somente a Eletrobras topou os termos do governo, levando a empresa a prejuízos bilionários. Com uma Eletrobras privatizada, o governo teria que pensar em outros truques.

E é aí que mora o perigo. O governo do PT sempre se mostrou muito criativo na hora de tungar investidores. Qual seria o coelho que um novo governo do PT tiraria da cartola para “baixar os preços das tarifas de energia”? O deputado do PT Jean Paul Prates, cotado para ser o ministro das Minas e Energia de um eventual governo do PT, já afirmou que essa privatização da Eletrobras seria revertida em um governo Lula. Claro, trata-se de mais uma afirmação incendiária que não vai acontecer, assim como tantas outras saídas da boca do próprio candidato.

Esse é o problema da desconfiança. Se os investidores, inclusive os detentores do FGTS, tivessem absoluta certeza de que não seriam vítimas de manobras ”espertas” do governo de plantão, estariam dispostos a pagar muito mais pelas ações da Eletrobras, e o governo arrecadaria muito mais com a venda. No entanto, como cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça, os investidores descontam no preço o risco de novas intervenções.

Em plantas de fábricas, é comum encontrarmos uma placa com os dizeres “estamos trabalhando há X dias sem acidentes”. Precisamos de décadas sem “acidentes de percurso” para que nossos ativos deixem de ser descontados pelo chamado “risco Brasil”, que é o risco de políticas econômicas que destroem valor. Infelizmente, o governo do PT zerou a contagem da placa, enquanto o governo Bolsonaro, com suas constantes investidas contra a diretoria da Petrobras, está se esforçando por zerar novamente.

O FGTS e a política

A Caixa cobra 1% ao ano para gerir R$ 500 bilhões. Está propondo reduzir para 0,8%. Muito bonzinhos.

Faça uma concorrência qualquer, tosca mesmo, e vão chover propostas de administração com taxas de um décimo (ou menos) do que é cobrado hoje. Este é o tamanho da tunga que os cotistas do FGTS (nós) levamos ao conviver com o monopólio da Caixa.

O presidente da Caixa quer nos convencer que, quebrando o monopólio, os preços vão aumentar, não diminuir. Seria um case a ser estudo nos cursos de microeconomia, onde o aumento da competição aumenta os preços.

Como qualquer bom político que quer manter o seu naco de poder, Guimarães usa o Norte/Nordeste como escudo para manter um privilégio inaceitável. A ausência de agências dos grandes bancos nas cidades da região poderia ser facilmente contornável com uma parceria do tipo “banco postal”, ou mesmo com a própria Caixa. Ainda sobraria muita taxa de administração.

A defesa que Pedro Guimarães faz do monopólio da Caixa no FGTS e o tipo de argumento que usa não deixa margem a dúvidas: o presidente da Caixa está preparando a sua entrada na política. E os cotistas do FGTS? Que continuem pagando pela ineficiência.

Monopólio da Caixa

São tantos os absurdos que vemos por aí que não dá para acompanhar todos. O monopólio da Caixa na gestão do FGTS é um deles.

A Caixa cobra 1% ao ano para gerir o fundo. Um por cento! Para um fundo de mais de meio trilhão de volume! Faça uma concorrência qualquer no mercado, e choverá bancos dispostos a fazer o mesmo serviço por um centésimo desse valor.

Esse 1% ao ano é um imposto escondido, que arrecada R$ 5 bilhões por ano. A Caixa teve lucro de R$13 bilhões em 2018, recorde histórico. R$ 5 bilhões foram devidos a essa tungada no dinheiro do trabalhador. Ou seja, para fazer o seu trabalho “social”, a Caixa usa dinheiro do próprio trabalhador. Tira de um bolso sem fazer alarde e devolve para o outro bolso com banda e fanfarra. No meio, uma burocracia indemissível.

A Caixa não é o problema em si. A Caixa é só o sintoma do problema. Um problema que tem um nome: estado-dependência. A Caixa existe somente para dar a sensação de que o Estado está tomando conta de “sua gente”. Não importa que o dinheiro usado seja tungado do mesmo trabalhador que está sendo “ajudado”. O que importa é que a Caixa continue existindo para “diminuir as desigualdades do país”. O brasileiro merece a Caixa.

PS: acabo de ler em outra matéria que o total de subsídios para o programa Minha Casa Minha Vida para a baixa renda é de R$2,7 bilhões para 2020. Metade da taxa de administração paga para a Caixa “cuidar” do FGTS. O que está errado não está certo.

Rombos never die

A ideia é usar os recursos do FGTS como uma poupança previdenciária. É uma excelente ideia, a não ser por um pequeno detalhe: não sei quanto a vocês, mas eu já considero o meu saldo do FGTS como uma poupança previdenciária. Usarei aquele dinheiro como reserva para a minha aposentadoria.

O problema dessa ideia se vê no trecho da matéria destacado abaixo: poderíamos migrar para o sistema de capitalização sem custo fiscal. Afinal, tem o dinheiro do FGTS!

Apenas para relembrar, migrar para o sistema de capitalização envolve um custo fiscal pelo seguinte: a aposentadoria de quem saiu do mercado de trabalho é financiada por quem ainda está trabalhando e contribuindo para o INSS. Assim, se esse pessoal da ativa parar de contribuir e passar a colocar o seu dinheiro em um sistema de capitalização (onde cada um é dono de sua própria poupança), a aposentadoria dos atuais aposentados precisará ser financiada com outras fontes de recursos. Este é o custo fiscal.

A ideia brilhante de usar o FGTS para financiar a transição é a seguinte: você que está aposentado, não tenho mais como te pagar a aposentadoria. Mas não se preocupe: vou pegar esse dinheiro aqui do FGTS para cobrir o rombo. Lá na frente, quando não houver mais aposentados pelo regime atual, acabará o problema, pois cada um terá a sua própria poupança previdenciária no regime de capitalização.

Seria uma excelente ideia, não fosse um detalhe: estamos transferindo o rombo do INSS para o FGTS. Lá na frente, quando você for sacar o FGTS, faltará dinheiro, pois foi usado para pagar as aposentadorias. Só estamos transferindo o rombo de um bolso para o outro. Rombos never die.

Essa discussão sobre o regime de capitalização é bastante útil, pois explicita o rombo atuarial do atual sistema previdenciário. Não tem jeito, não tem mágica: o Estado brasileiro ainda vai precisar se endividar muito e aumentar muito imposto para cobrir esse rombo. Ou, diminuir o benefício. Usar o FGTS é uma forma mágica de fazê-lo sem que o público perceba.

Sacar o FGTS: vale a pena?

O FGTS sempre foi conhecido como o pior investimento do Brasil. Rendendo TR + 3% ao ano, perdia sempre de lavada para qualquer outro investimento de baixo risco, como a Poupança ou Fundos DI. Mas, com a Selic a 6,5%, a coisa mudou de figura. Vejamos.

Com esse nível de Selic, a Poupança rende 70% da taxa básica. 70% de 6,5% dá 4,55%. Cerca de 50% a mais que o rendimento do FGTS, mas não o dobro como era antigamente.

Já um fundo DI com 1% de taxa de administração vai render 5,5% antes do imposto de renda. Depois do imposto de 22,5% (para resgates antes de 6 meses), o retorno líquido fica em 4,26%. Ainda superior aos 3% do FGTS, mas muito distante daqueles rendimentos de dois dígitos de um passado não muito distante, quando a Selic estava em 14%.

Mas a taxa Selic vai cair. O BC deve começar a cortar a Selic agora em julho, mas ainda não sabemos para quanto. Digamos que, após alguns cortes, a Selic chegue a 5,5%.

Com esse nível de taxa básica, a Poupança vai render 3,85% e um fundo DI com 1% de taxa de administração vai render 3,49%. Ainda mais próximos dos 3% do FGTS.

Mas tem um detalhe adicional: o FGTS vai passar a distribuir 100% dos seus lucros para as contas dos trabalhadores. Com essa distribuição, é bem possível que o FGTS renda mais que a Poupança ou os Fundos DI do mercado.

Moral da história: não vale a pena se dar ao trabalho de sacar do FGTS para investir na Poupança ou em um fundo DI, pois o rendimento será praticamente o mesmo. Vale a pena sim se você quiser colocar seu dinheiro em modalidades mais arriscadas de investimento com retornos maiores, ou se tiver dívidas para pagar ou se simplesmente quiser gastar o seu rico e suado dinheirinho.

Caridade com o chapéu alheio

Vou tentar explicar a pedalada em gestação para capitalizar a Caixa com recursos do FGTS.

Em resumo: a Caixa tem uma dívida para com o FGTS. A proposta, depois de alguns malabarismos, é transformar esta dívida em capital. Ou seja, o FGTS viraria sócio (em certo nível) da Caixa.

Para entender o tamanho da encrenca, e porque essa operação é mais um degrau no poço sem fundo em que estamos descendo, é preciso se perguntar: por que a Caixa precisa dessa capitalização?

Vou aqui desconsiderar roubalheiras e ineficiências administrativas. Minha avaliação é de que o principal motivo pelo qual a Caixa precisa dessa capitalização monstro (R$ 15 bilhões) é porque faz empréstimos a taxas de juros que não remuneram o risco.

A Caixa é a principal operadora de recursos do FGTS. Ou seja, usa o funding do FGTS para fazer empréstimos imobiliários, a uma certa taxa teto. É a principal operadora porque esta taxa teto, na maior parte do tempo, não remunera o risco da operação. Mas como se trata de uma “política social”, a Caixa está aí para isso mesmo: para perder dinheiro em troca de “benefícios sociais”.

Como se trata de “welfare state”, os recursos para que a Caixa pudesse operacionalizar essa “política social” deveriam vir do Orçamento Público, devidamente aprovado no Congresso. O destino para essas verbas, assim, competiria com as outras inúmeras necessidades da sociedade.

Ocorre que o dinheiro do Orçamento acabou. Ao invés de discutir isso, procura-se subterfúgios e pedaladas para continuar a fazer “política social” sem dinheiro. No caso, com o dinheiro da poupança dos trabalhadores, o FGTS.

O Conselho Curador do FGTS, que, em tese, representa os donos desse dinheiro, deverá decidir se o Fundo aceita tornar-se sócio da Caixa. Imagino a resposta que daria cada trabalhador que tem no FGTS uma poupança para tempos difíceis.