A propaganda fraudulenta é a alma do negócio inexistente

Os governos petistas são imbatíveis em termos de propaganda. Fazem do limão uma limonada, é preciso reconhecer. Para isso, contam com a pronta ajuda da preguiçosa imprensa tupiniquim, sempre disposta a servir de assessoria de imprensa para o governo. Já vimos acontecer no caso da “ofensiva diplomática na Ucrânia”. Agora, trata-se da “reabertura da fábrica da Ford em Camaçari”.

Tudo começou com um tuíte do ministro do trabalho, Luís Marinho, sobre quem apostei que seria uma dos mais folclóricos da esplanada de Lula. Acho que vou ganhar a aposta. Seu tuíte diz o seguinte: “Governo @lulaoficial negocia a retomada da FORD na Bahia, com isto, reaquecendo importantes polos industriais do Nordeste”, seguido de um link para uma matéria da Veja. O tuíte teve respostas entusiasmadas, inclusive de um tuiteiro pedindo a volta da fabricação do Ka e do Ecosport.

A matéria da Veja, no entanto, fala de uma “negociação com chineses” para a compra da fábrica. Convenhamos, MUITO diferente de uma “retomada da FORD na Bahia”, como tuitado.

Alguns veículos de imprensa, no entanto, nem se deram ao trabalho de clicar no link.

O Antagonista, por exemplo, repercute a fala de Luiz Marinho: “O ministro do trabalho, Luiz Marinho, afirmou nas redes sociais que o governo Lula negocia a retomada das atividades da fábrica da Ford na Bahia”. Ilustrando a nota, um grande símbolo da Ford.

O UOL, idem: “Ministro diz que governo negocia retomada da fábrica da Ford na Bahia”. Há uma “errata” na matéria, que corrige a chamada, afirmando que se trata da montadora chinesa BYD, em negociação com o governo da Bahia.

Mas a coisa não para por aí. Na verdade, essa montadora chinesa, BYD, já estava em negociação com o governo da Bahia desde, pelo menos, outubro do ano passado, como atesta matéria de um site especializado em veículos elétricos, InsideEVs: “BYD prepara instalação de fábrica de carros elétricos e baterias na Bahia”.

Em novembro, matéria do Estadão confirma: “BYD, marca chinesa de veículos elétricos e baterias, vai produzir no Brasil”.

Ou seja, toda essa festa do ministro é notícia amanhecida.

Você acha que a coisa para por aí? Não!

Em janeiro de 2022, uma outra montadora chinesa de veículos elétricos, a GWM, anunciou a aquisição da planta da Mercedes na cidade paulista de Iracemápolis, segundo matéria do Poder360.

A Infomoney informa, agora em fevereiro, que a fábrica deve lançar o primeiro carro no mercado brasileiro, ainda importado, em março.

Pois bem. Matéria da TV Cultura informa que a GWM “chega” ao Brasil agora em fevereiro de 2023! E liga a notícia com a viagem de Lula à China!

Não foi preciso muito para que tuiteiros petistas repercutissem a matéria, como se a fábrica da GWM (que nem está produzindo nada ainda, vai começar a produzir só em 2024) fosse uma grande conquista do governo Lula.

Dei uma googlada para ver se alguém do governo Bolsonaro, ou o próprio, havia feito alguma festa com o anúncio da compra da fábrica da Mercedes pela GWM, em janeiro do ano passado. Não encontrei nada. Bolsonaro era bem ruim de marketing, como sabemos.

Então, ficamos assim: uma montadora chinesa que já havia comprado uma fábrica no Brasil no ano passado, e outra fábrica chinesa que já estava em tratativas com o governo da Bahia também no ano passado, ambas são conquistas do governo Lula. Assim é se assim lhe parece.

Por que a Ford está saindo do Brasil?

Em 1990 (século passado, portanto) fui admitido no programa de trainee do Lloyds Bank. Não era minha intenção trabalhar em banco quando me formei em engenharia, mas era o emprego possível em um país destroçado pelo Plano Collor.

E que emprego! Não dava para reclamar. Não podia haver maior símbolo de solidez. Um dos maiores bancos do Reino Unido, o Lloyds Bank tinha, à época, nada menos que 127 anos de presença no Brasil. Depois do Banco do Brasil, era a casa bancária mais antiga em atividade no país.

Ao longo da década de 90, eram comuns os boatos de saída do banco do país. A argumentação da diretoria era sempre a mesma: com 127, 130, 135 anos de presença no Brasil, o banco saberia sobreviver aos problemas do nosso país e não tinha a mínima intenção de interromper essa história.

Saí do Lloyds Bank em 2000 e, em 2003, o Lloyds Bank saiu do Brasil, vendendo seus ativos para o HSBC e colocando um epílogo em 140 anos de história. O HSBC, alguns anos depois, venderia seus ativos para o Bradesco, seguindo o mesmo caminho.

Dizem que o melhor negócio do mundo é um banco bem administrado e o segundo melhor, um mal administrado. Não é bem assim. Bancos, como qualquer negócio, precisa ser bem administrado. E, como qualquer setor da economia, segue um determinado ciclo de vida. No caso, a indústria bancária no Brasil, principalmente no varejo bancário, entrou em sua fase de maturidade nos anos 90-2000. Nessa fase do ciclo, as empresas que têm a pretensão de sobreviver precisam ganhar escala e investir muito, principalmente em tecnologia, para simplesmente permanecer no jogo. O Lloyds Bank avaliou que não valia a pena e resolveu abandonar a mesa. HSBC e Citibank tomaram a mesma decisão alguns anos depois.

Assim como a queda de um avião é o resultado de uma cadeia de acontecimentos que resulta no acidente, uma decisão empresarial é normalmente o resultado de uma série de fatores e decisões anteriores. No caso do Lloyds Bank, a indústria bancária avançou para a consolidação e o banco decidiu não acompanhar. Claro que o ambiente de negócios complexo e volátil teve o seu papel, talvez em um ambiente melhor a decisão tivesse sido diferente. Talvez.

Todo esse filme me passou pela cabeça quando a Ford anunciou a sua decisão de sair do país depois de mais de 100 anos de atividades. Assim como os bancos, as montadoras também têm essa aura de que têm margens de lucro absurdas, pois os carros no Brasil “são muito caros”. O fechamento da Ford não orna com essa percepção.

Claro, o ambiente de negócios complexo e volátil deve ter tido o seu papel na decisão. Mas a Ford está inserida em uma indústria em profunda transformação e, pelo menos no Brasil, estava perdendo terreno há anos. A decisão de sair do Brasil é fruto dessa conjunção de fatores, difícil apontar o dedo para um só. Mas, claro, não deixa de ser impactante.

Fica aqui minha solidariedade às famílias dos funcionários da Ford, alguns dos quais são meus clientes e amigos.

Negócio imperdível

O BNDES não quis emprestar R$2 bilhões para o seu CAOA comprar a fábrica da Ford.

Haveria outras alternativas. Por exemplo, há outros bancos na praça que poderiam emprestar o dinheiro. Ou, o seu CAOA poderia emitir debêntures no mercado e captar o dinheiro diretamente do grande público.

O problema dessas outras alternativas provavelmente estaria na taxa de juros / prazos compatíveis com o risco de crédito do grupo CAOA. Taxas altas e prazos não muito longos. O BNDES é aquela mãe que empresta dinheiro para o filho a juros e prazos camaradas. Parece que acabou o dinheiro da mãe.

Fosse um negócio realmente imperdível, não faltaria financiamento em um mundo de taxas de juro zero e excesso de liquidez. Talvez a compra da fábrica da Ford não seja um negócio imperdível. Talvez por isso a Ford tenha fechado a fábrica. São só conjecturas.

Caridade com o chapéu alheio

Parece que a fábrica da Ford vai fechar mesmo, apesar de toda espuma criada pelo Doria.

A coisa, como sempre, dependia de uma ajudinha do governo, no caso, via BNDES. Aparentemente, acabou o “dinheiro barato” para sustentar projetos inviáveis.

Nunca tivemos taxas de juros tão baixas no país. A CAOA poderia vir a mercado e tomar os recursos necessários. Provavelmente não faz isso por ser um grupo com risco de crédito alto, e as taxas que pagaria refletiriam esse perfil mais arriscado. A não ser que o BNDES desse a molezinha.

A disciplina do BNDES na concessão de crédito é uma boa notícia, ainda que nunca seja uma boa notícia o fechamento de vagas de trabalho. Mas o sindicato da categoria poderia ter pensado nisso antes, e ter negociado uma redução de salários de até 30% com a própria Ford, como agora está combinado com a CAOA. Tarde demais.

A lógica do capitalismo

(Antes de começar este post, quero deixar claro que não tenho nada contra os funcionários da Ford, e me solidarizo com eles e suas famílias nesta hora difícil. O que vai a seguir é apenas uma tentativa de explicar como funciona o capitalismo).

Este assunto do fechamento da fábrica da Ford é fascinante. Quem leu Atlas Shrugged, de Ayn Rand, não pode deixar de lembrar do livro cada vez que lê sobre esse assunto.

A Ford é uma empresa organizada para produzir e vender carros. Para isso, precisa investir pesado em máquinas e conseguir convencer os consumidores potenciais a pagar um preço pelos seus produtos que: 1) pague os salários 2) pague os impostos e 3) remunere o capital do acionista pelo risco do empreendimento.

Pois bem: uma alternativa é eliminar o empresário da jogada. Desta forma, o capital não precisaria ser remunerado, eliminando, assim, um “parasita” do sistema.

Como se faz para eliminar o empresário? “Democratizando” o capital. Isso já seria possível hoje: bastaria que os funcionários da Ford se cotizassem e comprassem a fábrica da Ford. Obviamente, trata-se de uma possibilidade apenas teórica, dado que os funcionários não possuem o capital para isso.

Mas digamos, apenas para forçar o argumento, que um governo autoritário expropriasse a fábrica da Ford e concedesse a fábrica para os funcionários. Tudo certo? Não, aí é que se iniciariam os problemas. Hoje, a Ford tem 80% de capacidade ociosa. Como os funcionários fariam para pagar os seus salários se a fábrica gera prejuízo? De onde sairia o dinheiro?

É exatamente por isso que, nos sistemas comunistas, os meios de produção pertencem ao Estado, não aos trabalhadores. Assim, se o empreendimento der prejuízo, o Estado banca o salário dos trabalhadores no lugar do empresário. Não há como os meios de produção pertencerem ao proletariado, como promete o comunismo no final do arco-íris. Isso somente seria possível se os empreendimentos não dessem prejuízo nunca. Ou seja, se o investimento em produção de bens e serviços não corresse risco.

O Estado comunista procura, de fato, eliminar o risco, planejando todo o consumo dos indivíduos. Retirando o poder de escolha das pessoas, elimina-se o risco dos empreendimentos. Mas isso só é possível sob um Estado totalitário. Ou seja, o Estado continua sendo necessário.

Ao contrário do empresário, o Estado comunista não fecha fábricas que dão prejuízo. Mantém empreendimentos-zumbi, que vão minando a produtividade da economia. No final, o sistema sucumbe sob o peso de um capital humano e físico ocioso, empregado na produção de bens que ninguém quer comprar. É mais ou menos o que aconteceu no colapso da União Soviética. E é mais ou menos o que acontece quando o governo incentiva setores “escolhidos”, ao invés de incentivar horizontalmente a economia e deixar o consumidor decidir o que quer ou não comprar.

Com todo respeito ao drama dos funcionários da Ford, o fato é que manter eternamente aberta uma fábrica que dá prejuízo não faz parte das regras do jogo. O acionista precisa investir o seu capital em meios de produção que sejam mais produtivos. E essa produtividade é medida pelo lucro, que é um sinal de que o que está sendo produzido é útil e desejado pelos consumidores.

PS.: como nota humorística final, a inefável presidente do PT, Gleisi Hoffmann vai pedir que Bolsonaro converse sobre a Ford com Trump. Fico imaginando o papo com o presidente “America First” sobre uma empresa americana manter uma fábrica com prejuízo no Brasil para manter o emprego de brasileiros. Essa Gleisi é uma graça.

Vivendo do passado

Dirigentes sindicais do passado mostram um dos motivos pelos quais a Ford chegou onde chegou.

Ao invés de tratar do interesse direto dos trabalhadores, Vicentinho criticou a reforma da Previdência e Luís Marinho criticou seu adversário político, João Doria. A lembrança do Lula Livre não podia ficar de fora.

Os sindicatos serviram como braços de um partido e deixaram os interesses dos trabalhadores em 2o plano. Apoiaram um partido que foi o principal responsável pelo buraco em que se meteu a economia brasileira, onde o fechamento da fábrica da Ford é apenas uma das inúmeras consequências. E agora, aparecem de cara limpa, posando de “defensores dos interesses dos trabalhadores”. E tem gente que ainda cai nessa.

O drama da empresa brasileira

São muitas histórias tristes por trás do fechamento da fábrica da Ford. É a mãe que paga a faculdade das filhas porque o marido, caminhoneiro, teve o seu caminhão roubado. É o pai do filho autista, que depende do convênio médico da empresa para o tratamento do filho. Sim, os dramas pessoais são imensos.

Assim como são os dramas dos quase 12 milhões de desempregados brasileiros, que caminham feito zumbis em busca de um trabalho. 12 milhões que não têm a sorte dos empregados da Ford, cujo caso mobiliza um batalhão de políticos em busca de uma “solução negociada” (leia-se, subsídios).

O prefeito de São Bernardo entrou com uma ação no Ministério Público do Trabalho, exigindo “esclarecimentos” da empresa. Ora, a Ford não tem “obrigação” de criar empregos. A companhia tomou uma decisão empresarial: cansou de queimar dinheiro do acionista em uma operação que perdeu mais de R$ 4 bilhões nos últimos 3 anos. Os dramas pessoais são duros, mas a conta não deveria cair nas costas da empresa.

A Ford, assim como milhares de empresas de todo Brasil, responsáveis pela demissão de milhões de pessoas, tem dificuldade de lidar com o sistema tributário mais insano do mundo, que serve para sustentar uma casta de funcionários públicos que não podem ser demitidos nem ter seus salários diminuídos e uma corja de políticos que buscam se promover nas costas das desgraças da população. Não conseguem lidar com uma justiça do trabalho surreal, onde qualquer “juiz do trabalho” (outra excrescência brasileira) pode colocar por terra qualquer negócio.

Claro, podem existir incompetência do empresário, uma mudança significativa de mercado, uma recessão, que explicam o fim de uma empresa. Isso faz parte do jogo e empresas fecham no mundo inteiro. Mas a dificuldade de se fazer negócios no Brasil sem dúvida joga um papel fundamental na mortalidade das empresas e, por consequência, na destruição de empregos.

O empresário brasileiro, aquele que cria os empregos, é um sujeito de fé. Acredita que mesmo com as bolas de ferro da carga tributária, da justiça trabalhista e da burocracia, ainda assim vai conseguir gerar valor para o acionista. Muitos ficam pelo caminho, deixando um rastro de milhões de desempregados. A Ford é só a ponta do iceberg.

Os amigos do rei

Há alguns dias postei um conjunto de notícias mostrando que o agribusiness sobrevive de subsídios governamentais.

Agora “descobrimos” que a indústria automobilística só sobrevive no Brasil também com base em subsídios.

O governo tem seus motivos para manter setores inteiros sobrevivendo na base de subsídios, pagos com o dinheiro dos impostos. Desde a preservação de empregos “de qualidade” até o troca-troca de votos no Congresso, passando por uma etérea “dinamização da economia”, o que quer que isso signifique.

Não sou contra a que se baixem impostos. Mas que seja para todos, horizontalmente e não para um punhado de eleitos. Por que a agricultura ou a indústria automobilística pagam menos imposto, enquanto o seu Zé paga mais no seu bar?

A dura realidade é que falta dinheiro para manter hospitais, fazer saneamento básico e investir no ensino básico. Não tem “bancada da saúde pública” ou “bancada do saneamento”. A verdade é que o orçamento da União é destinado a quem tem o lobby mais influente, e é usado para manter vivas atividades econômicas que destroem valor. Sim, porque se uma atividade econômica só consegue gerar lucros na base do subsídio, está, no final do dia, destruindo valor.

O “crony capitalism” ou “capitalismo de compadres” é tudo, menos capitalismo.

Crony capitalism em estado puro

O Rota 2030 é aquele programa que dá incentivos fiscais para a indústria automobilística. Está para ser aprovado no Congresso, mas surgiu uma treta de última hora.

O caso é o seguinte: a Fiat produz em Pernambuco, enquanto a Ford produz na Bahia. O senador Armando Monteiro, de Pernambuco, propôs uma emenda que prorroga um determinado benefício ao setor. Mas, segundo a Ford, essa prorrogação beneficia mais a Fiat do que a Ford. Por isso, os parlamentares da Bahia estão contra.

Então, ficamos assim: os parlamentares em Brasília estão decidindo não só quanto vão tungar dos brasileiros para beneficiar os fabricantes de carros, como também qual montadora sai em vantagem. Não consigo pensar em nada mais “crony capitalism” do que isso.

Segundo a reportagem, os incentivos fiscais à indústria automobilística chegarão a US$ 7,2 bilhões em 2019. Isso é cerca de um quarto do que se gasta com Bolsa Família.

Proponho perguntar aos nordestinos se preferem ter um aumento de 25% em seus benefícios ou continuar dando dinheiro para a suposta geração de alguns milhares de empregos em meia dúzia de cidades da região.

O Brasil fazendo escola

A Ford vai deixar de oferecer o Focus Active no mercado norte-americano por conta das tarifas de importação.

Daqui a pouco, os consumidores americanos vão começar a sentir o que é viver no Brasil, um país campeão de “proteção” à sua indústria: produtos caros e com pouca variedade.