Qual a chance de um time brasileiro voltar a ser campeão mundial?

Muito se tem discutido sobre a diferença de nível entre o futebol dos clubes europeus e sulamericanos. Resolvi investigar a principal hipótese: dinheiro. Digo a principal porque acredito que não seja a única. Organização também conta, mas esta é mais difícil de medir. Dinheiro é mais fácil, e decidi “to follow the money”.

O site transfermarkt.com traz, entre outras muitas coisas, o valor de mercado dos jogadores de todos os principais times do mundo. Não deve ser algo exato, mas já dá uma ideia do que queremos pesquisar.

Em primeiro lugar, há dados somente a partir de 2004 para times europeus e desde 2007 para times sulamericanos. Somei o valor dos 10 jogadores mais valiosos de cada time, em euros (moeda usada pelo site), e corrigi os valores pela inflação da Zona do Euro.

Os 10 jogadores mais valiosos do time do Porto, que venceu o Once Caldas na final de 2004, valiam, em dinheiro de hoje, 163 milhões de euros. O Liverpool, que perdeu para o São Paulo a final de 2005, valia 212 milhões de euros, enquanto o Barcelona, que perdeu a final para o Internacional em 2006, valia 407 milhões de euros.

Mas é somente a partir de 2007 que conseguimos comparar os valores entre europeus e sulamericanos. Por exemplo, naquele ano, o Milan, que ganhou a final sobre o Boca Juniors, tinha um time que valia 221 milhões de euros, contra 63 milhões do time argentino, uma relação de 3,5 x 1.

Essa relação é a menor de toda a série. A segunda menor, coincidência ou não, ocorreu justamente em 2012, quando o Corinthians ganhou do Chelsea com um time 5,2 vezes mais barato. Este parece ser um limite para que o improvável aconteça. Temos uma evidência empírica dessa probabilidade ao analisar os 6 anos neste período em que times não sulamericanos eliminaram times sulamericanos e se classificaram para a final: em 2013, o Atlético-MG valia 4,7x mais que o Raja Casablanca, em 2016 o Atlético Nacional valia 2,2x mais que o Kashima Antlers, em 2018 o River Plante valia 4,2x mais que o Al Ain, em 2020 o Palmeiras valia 1,2x mais que o Tigres e em 2022, o Flamengo valia 3,4x mais que o Al-Hilal. A única exceção a esta regra foi o Internacional de 2010, que conseguiu a façanha de perder para o Mazembe, mesmo valendo 14,7x mais.

A questão é que, mesmo com os times sulamericanos (e, notadamente, os brasileiros) investindo muito mais ao longo dos anos, os times europeus elevaram demais a barra. Exemplos disso são os times do Flamengo em 2019 (98 milhões de euros) ou do Fluminense este ano (88 milhões de euros), que podiam ter alguma chance contra times europeus que investiam 400-500 milhões de euros, como o Manchester United em 2008, o Barcelona em 2009 e 2011 ou o Bayern em 2013. Ocorre que, a partir de 2014, com os galácticos do Real Madrid (que ganhou 4 títulos em 5 anos), a coisa mudou de patamar, com investimentos acima de 700 milhões de euros em todos os anos desde então, com exceção do Chelsea em 2021, que bateu o Palmeiras com um time de “só” 592 milhões de euros, 8,1x mais valioso do que o seu adversário. O Flamengo e o Fluminense, apesar de investimentos pesados, tinham times que valiam, respectivamente, 9,0 e 10,6 vezes menos que seus adversários, o Liverpool e o Manchester City. Aliás, este bateu o recorde em valores absolutos (mesmo atualizando os valores pela inflação), com os seus 10 jogadores mais valiosos somando 925 milhões de euros. Quase 1 bilhão!

Enfim, a barra subiu, e os principais times brasileiros só têm chance de voltarem a ser campeões se conseguirem investir pelo menos o dobro do que investem hoje em jogadores, de modo a voltar a reduzir a relação para 5x. Óbvio que não é condição suficiente, mas é mais do que necessária para atingir este objetivo.

De que é feito um craque

Ontem, escrevi um primeiro post sobre Pelé, ainda tomado pela emoção. Foi um texto intimista, com recordações pessoais. Hoje, dedicar-me-ei a escrever uma análise mais racional sobre o fenômeno Pelé.

O que define um craque? Certamente as suas habilidades, mas não só. Um artista de circo bem treinado conseguiria, por exemplo, fazer mais embaixadinhas do que Pelé, provavelmente com mais graça e beleza. Sim, o craque precisa ser hábil na arte, mas trata-se de requisito longe do suficiente.

Quando moleques jogam bola na rua, a primeira coisa que fazem é dividir os times. Normalmente são os dois melhores que escolhem os times e, alternadamente, selecionam os jogadores. O critério? Aqueles que, no entender de quem está escolhendo, vão ajudar a vencer a partida. Este é o critério de qualquer seleção: vencer. Um artista de circo pode ser muito habilidoso com a bola, se não conseguir colocá-la dentro da rede, de nada adianta.

Quem já teve a oportunidade de assistir a algum documentário com uma coleção de gols do Rei, certamente notará o seu foco total no objetivo do jogo: o gol. Pelé era um predador 100% focado na sua presa, a rede adversária. A maior parte dos seus gols foram feios, feitos do jeito que dava. Mas, mesmo nos gols de placa, a plasticidade do gol era uma consequência não intencional do movimento para se atingir o objetivo. Se analisarmos cada golaço de Pelé, veremos que não há nenhuma firula a mais. Todo o desenho do lance é o necessário e o suficiente para fazer o gol. Pelé era a personificação da eficácia.

Além disso, o craque é capaz de modificar a realidade à sua volta. Em sua biografia de Steven Jobs, Walter Isaacson nos conta que as pessoas que conviviam com o fundador da Apple eram unânimes em dizer que Jobs tinha uma espécie de ”campo de distorção da realidade” em torno de si. Ele não só via o mundo de maneira diferente, mas o seu campo de distorção fazia com que o mundo ficasse diferente para os que conviviam com ele. No futebol, a mesma coisa: o craque parece cercado por uma espécie de “campo de distorção”, e é capaz de mudar a realidade do jogo de acordo com a sua vontade. As assistências de Pelé no gol de Jairzinho contra a Inglaterra, e nos gols de Jairzinho e Carlos Alberto contra a Itália, na Copa de 70, são exemplo desses lances em que os adversários ficam perdidos diante de uma realidade completamente diferente da que tinham só um segundo antes. O craque é aquele muda o jogo em um lance.

O conjunto dessas características não seria suficiente, no entanto, se não servisse para atingir o objetivo de qualquer time: títulos. Messi é um dos grandes do futebol mundial de todos os tempos, não há dúvida. Mas se não vencesse uma Copa do Mundo pela e para a sua seleção, ficaria abaixo de Maradona. O gol é o resultado da eficácia do jogador. O título é o resultado da eficácia do time. O craque é aquele que conjuga as duas coisas.

Mas essas características definidoras do craque estão presentes em outros jogadores de todos os tempos. O que faz, então, Pelé estar acima de todos eles? Sim, ele tem mais gols e títulos que qualquer um. Mas não me parece, aqui, que a realeza de Pelé se baseie exclusivamente nas estatísticas. Pelé já era chamado de rei do futebol muito antes dos 1.000 gols e dos três títulos mundiais. Há algo mais.

Esse algo mais se divide em duas partes, uma racional e a outra irracional. Comecemos pela racional: gestão de carreira. Instintivamente ou não, Pelé geriu sua carreira em campo também de maneira magistral. Despediu-se dos gramados no auge, evitando transformar-se em um “ex-jogador em atividade”, lamentável figura que frequentemente vemos desfilar pelos times brasileiros. A lembrança que guardamos é a melhor possível. Sua fase posterior, no Cosmos de Nova York, pode ser comparada mais à sua carreira como ator de filme do que como jogador de futebol.

A parte irracional refere-se a algo chamado “carisma”. É difícil definir o que vem a ser carisma, mas Pelé certamente contava com essa característica. De alguma maneira, seu rosto, seu sorriso, sua postura, a forma como falava e se comunicava, sua abertura franca aos fãs, tudo isso fazia um conjunto irresistível. Há figuras humanas que nos atraem e nem sabemos o porquê. Pelé é uma delas.

Esse, na minha opinião, é o conjunto de características que fizeram de Pelé o que ele foi. Surgirá outro igual? Provavelmente não. São muitas coincidências felizes em uma só pessoa. E, mesmo que surja alguém, a competição será sempre desleal, pois estaremos comparando a realidade atual, sempre sujeita à crítica, com uma lenda do passado, já purgada de todos os seus defeitos. Pelé seguirá inigualável, enquanto o futebol for o esporte mais popular do planeta.

Doces memórias

Meu pai era carioca, torcedor do Flamengo. Em um dia no início da década de 60, ele foi ao Maracanã assistir a um jogo contra o Santos. Foi um massacre: 7 x 1. Ele contava que, ao final da partida, o público presente no estádio levantou e aplaudiu de pé o espetáculo que acabara de assistir. Desde então, além dos jogos do Flamengo, ele também ia aos jogos do Santos no Maracanã, só para ver Pelé e companhia jogar.

Quando se casou com minha mãe, que morava em São Paulo, meu pai se mudou para cá, e elegeu o Santos como seu time de coração. Sempre que podia, nos levava para ver os jogos do time. Lembro, ainda pequeno, de assistir a um jogo do Santos com Pelé em campo. Não lembro de muita coisa, a não ser meu pai chamando a atenção para aquele jogador: “ali é o Pelé!”

Pelé, além de um gênio da bola, me traz à lembrança doces memórias de meu pai. Agora, meu pai, quem sabe, poderá pedir para bater uma bolinha com ele. Estou certo de que seria o seu desejo.

Devedores eternos

Assisti ao jogo na companhia de meu filho e seus amigos, todos na faixa de 21-22 anos. Ainda não viram o Brasil levantar o caneco. Eu, com meus quilômetros rodados, não estava dando tanta importância para a derrota, até que vi meu filho e seus amigos realmente, profundamente transtornados.

Lembrei da minha primeira grande frustração em copa do mundo. Foi em 1982. Tinha então 16 anos, que é a idade em que o garoto que gosta de futebol se entrega de corpo e alma à sua paixão. Lembro como se fosse hoje do gol de Falcão, a porta de saída de um labirinto de angústia e sofrimento que foi aquele jogo contra a Itália. E lembro do gosto amargo da macarronada que minha mãe preparou para o almoço daquele dia.

O gol de Neymar deve ter tido o mesmo efeito para o meu filho e seus amigos que o gol de Falcão em 1982. Transportei-me no tempo e consegui entender os seus sentimentos.

Tentei consolá-los, dizendo que eu mesmo só vi o Brasil campeão com 28 anos de idade. O que foi uma pena. Não deve haver sensação melhor no mundo do que ver a seleção campeã quando se é adolescente ou muito jovem. Na medida em que ficamos mais velhos, a experiência da vida nos impede cada vez mais de nos entregarmos de corpo e alma a uma paixão, ainda mais esportiva. Curtimos, vibramos, mas é muito diferente.

Neymar é um devedor eterno desta geração de garotos, assim como Zico é um devedor da minha geração. São gênios do futebol, mas devedores. A sua dívida é impagável, pois o tempo passa e não volta.

O futebol é isso

Se o jogo seguisse 0 x 0 até o fim, amarrado, sem graça, e tivéssemos perdido nos pênaltis, estaríamos chateados, mas conformados com a nossa incompetência.

Mas a forma com que perdemos esse jogo foi cruel, uma brincadeira de mal gosto do destino. Neymar fez um golaço, tabelando duas vezes e driblando o goleiro. Foi um gol do desafogo, do alívio, da classificação. Um lampejo de gênio e um gol que lembrou porque a seleção brasileira é temida.

O gol da Croácia, um acidente de trabalho mais do que qualquer outra coisa, veio como o final inesperado de um filme que já se encaminhava para o desfecho óbvio e desejado pelo público. Um pouco como Hunphrey Bogart deixando Ingrid Bergman ir embora no final de Casablanca.

O futebol é isso.

Ainda o VAR

O meu texto de ontem sobre o VAR suscitou oposição de duas naturezas: técnica e moral. Ambos os tipos de crítica me fizeram pensar e me levaram a escrever esse segundo texto.

Comecemos pela oposição técnica, a mais simples. Essa argumentação não entra no mérito da intenção do jogador, focando apenas no erro do árbitro. Segundo essa crítica, o VAR seria útil para eliminar erros grosseiros da arbitragem, protegendo o investimento de times profissionais vítimas desses erros.

Bem, se fosse só isso, não estaríamos discutindo o VAR aqui. No início da implementação da tecnologia, até pensava assim, mas desconfiava que a busca da justiça perfeita nos levaria a mais injustiças. E é o que vem acontecendo. Não são apenas erros grosseiros que o VAR corrige. Como a regra é clara, decisões do VAR em lances em que o impedimento precisa ser calculado com fórmulas que nem a NASA deve ter, acaba prejudicando o time em que o jogador está ”impedido”. De fato, o sujeito está 0,1 mm à frente e, portante, segundo a regra, está impedido. Mas essas correções de erros “não grosseiros” acabam por criar injustiças do outro lado. Para que o VAR funcione, seria preciso criar regras específicas para o seu uso, e não usar as regras normais, usadas por juízes de carne e osso. Transferir ao VAR decisões que nem o mais capacitado dos juízes teria condições de tomar parece tremendamente injusto.

Então, para resumir este primeiro ponto: sim, o VAR é útil para eliminar erros grosseiros, desde que se limite a esses. O desafio de se definir o que vem a ser um “erro grosseiro” está posto.

O segundo tipo de oposição, o moral, é mais interessante, pois leva em consideração a intenção do jogador. Há aqui, portanto, além da defesa da justiça, um julgamento moral do bandido, quer dizer, do jogador que infringiu a regra de propósito, esperando ludibriar o juiz. Para acrescentar o insulto à injúria, usei o exemplo de Maradona, um cara amigo de Fidel Castro e que teve sérios problemas com drogas. Pensando no fato de que muitos não conseguem separar o homem do jogador, deveria ter usado o exemplo de Pelé, que usava o truque, muitas vezes com sucesso, de se agarrar com o zagueiro na área para simular um pênalti. A malandragem (ou o roubo) é a mesma, mas talvez o personagem certo criasse menos oposição.

Mas, vejamos o ponto, que, sem dúvida, é muito bom: é moralmente correto comemorar um gol roubado porque o juiz não viu a infração? Os torcedores mais fanáticos costumam dizer que “roubado é mais gostoso”, principalmente quando estão convencidos de que o adversário já foi muito beneficiado pelos juízes no passado. Afinal, ladrão que rouba ladrão…

Este é um bom ponto, porque comemorar a malandragem não parece ser muito civilizado. Não posso deixar de concordar. Sempre admirei aquele gol de Maradona como se admira o truque de um mágico, não como uma ode à malandragem. Eu estava assistindo àquele jogo, vi o lance e não achei nada anormal em um primeiro momento. Como se fosse possível um jogador de 1,65 ganhar pelo alto de um goleiro de mais de 1,80. Mas Maradona passou a impressão, à primeira vista, de que aquilo era possível. Depois, claro, no replay, a coisa ficou clara, como quando o mágico explica como fez o truque.

Maradona, com sua genialidade, construiu o roteiro do crime perfeito. Em filmes como Golpe de Mestre (Oscar de melhor filme de 1974), torcemos pelos bandidos, sem que isso signifique aval moral ao crime. Trata-se de entretenimento.

Claro que um jogo de futebol, apesar de também ser entretenimento, não é um show de mágica ou um filme de Hollywood. Existe um protocolo de honra, que deve ser obedecido. Assim, atitudes anti-desportivas, como a de Maradona, são, sem dúvida, reprováveis. Por isso, reconheço que o VAR seria importante para reparar essa injustiça.

O VAR, se existisse em 1986, teria colocado as coisas em seus devidos lugares: o gol seria anulado, Maradona, provavelmente, teria sido expulso por atitude anti-desportiva, e seríamos privados do mais belo gol de todas as copas, o segundo contra a Inglaterra. Mas a justiça teria sido feita, a mágica teria sido desfeita, o crime perfeito não teria sobrevivido à tecnologia. O mundo teria se tornado, sem dúvida, um lugar um pouco mais justo. Mais chato, mas mais justo.

A pretensa justiça do VAR

Quem me acompanha aqui há algum tempo, sabe que sou absolutamente contra o uso do VAR no futebol. Mais do que qualquer argumento, fico com a evidência: o gol da “mão de Deus” de Maradona contra a Inglaterra na Copa de 86 teria sido anulado pelo VAR, o que nos privaria de um dos momentos mais sublimes do futebol de todos os tempos. Gols como aquele fazem do futebol o que ele é: paixão, discussão, blefe. Futebol é um jogo de truco, não de bridge.

Alguns dirão que só falo isso porque não sou inglês. Pode ser. Mas a Inglaterra não seria campeã do mundo em 1966 se houvesse VAR, com um gol decisivo que não entrou. As injustiças são aleatórias, assim como na vida.

Aliás, a palavra “justiça” é a que norteia toda a defesa do uso do VAR. Em tese, com a ajuda da tecnologia, as decisões seriam “justas” e acima de qualquer discussão. Obviamente, não é o que se tem visto. O que nasceu como uma forma de evitar “erros grosseiros”, é usado para detectar “erros” que nem o Robocop seria capaz de ver. Desde linhas de impedimento até a definição de ultrapassagem da bola pela linha de fundo (como vimos ontem no jogo Japão x Alemanha), passando pela marcação de pênaltis, a “justiça” do VAR tem sido contestada por torcedores e jogadores. O que nasceu para estabelecer “justiça” tornou-se mais um elemento de injustiça.

E este é o ponto fundamental de toda essa discussão: a busca da “justiça perfeita” é inútil e vã. Os seres humanos somos falhos por natureza, não existe a perfeição. A tentativa de ser “mais justo” com o auxílio da tecnologia só introduz injustiças de outra ordem. Quer coisa mais injusta do que exigir dos jogadores que joguem contra uma máquina, que decidirá se a protuberância dentro do seu calção está à frente do zagueiro na imagem 3D?

Aqui volto ao ponto inicial: o gol da “mão de Deus” foi fruto de uma ilusão de ótica genial, que somente um dos mais geniais jogadores de futebol de todos os tempos seria capaz de realizar. Mas isso só foi possível porque os jogadores, que são seres humanos, estão lidando com outro ser humano, o juiz, e não com uma máquina. A “justiça” no futebol está em que seres humanos julgam seres humanos. Os erros fazem parte do jogo, assim como fazem parte da vida. O futebol é o que é porque imita a vida. E a vida é “injusta” por natureza.

A paz retornará

Era uma vez um país em que não havia violência no,esporte. Os jogadores não eram ameaçados pelas torcidas organizadas, torcidas conviviam na mais pura harmonia nos estádios, você podia vestir uma camisa de time na rua sem medo.

Até que as trevas caíram. A partir de 2019, uma nuvem tóxica provinda de Brasília envolveu os torcedores brasileiros, que passaram a se comportar como nunca antes, brigando e matando-se uns aos outros em estádios, invadindo e pixando CTs e, o pior, lançando mão de ataques racistas e homofóbicos contra os jogadores.

Esta é a leitura que o ex-comentarista da Globo, Walter Casagrande Jr. faz da realidade brasileira.

Mas, para o alívio do Casão e de todos nós, a julgar pelas pesquisas, esse período tenebroso tem data marcada para acabar. A partir de 01/01/2023, o Brasil voltará a ser como antes, e os torcedores, livres do maléfico feitiço que os transformou em zumbis violentos, poderão confraternizar-se em uma nova Terra, onde o leão se deitará com o cordeiro e a paz prevalecerá. Glória a Deus!

PS.: será que o Casagrande ficaria muito chocado com a informação de que as torcidas organizadas, de onde sempre sairiam e continuam saindo os responsáveis pela violência no futebol, normalmente apoiam o PT nas eleições?

O VAR não é justo

O comentarista esportivo Robson Morelli pergunta se “é justo” o Palmeiras ter sido eliminado da Copa do Brasil por um erro de arbitragem. No caso, por um erro dos árbitros do VAR.

Quem me lê há algum tempo sabe que sempre fui contra o uso do VAR. Eventualmente, um sensor na bola para indicar se ultrapassou a linha do gol poderia se justificar, e olhe lá. Meu racional é o seguinte: o VAR, além de tornar os bandeirinhas mais inúteis que cobradores de ônibus, traz uma falsa sensação de “justiça” que, de resto, nunca vai existir em um jogo jogado por seres humanos. O VAR veio para acabar com as polêmicas do futebol, e o que temos são polêmicas de outra ordem.

Alguns defendem que o VAR, pelo menos, elimina os erros mais “grosseiros”, aquelas injustiças graves e que passaram despercebidos pelo árbitro de campo. Ok, pode ser. Mas não é isso o que vemos. A unha mal feita do dedão do pé, captado pelas linhas de “paralaxe”, já é o suficiente para anular um gol que, aos olhos falhos de qualquer ser humano, seria perfeitamente legítimo. E, além disso, descobrimos, horrorizados, que o juiz do VAR também é um ser humano e, portanto, erra na sua interpretação.

Robson Morelli sugere “desligar os aparelhos”, no que concordo em gênero, número e grau. São inúteis. Só não concordo com sua conclusão. Sim, foi justa a eliminação do Palmeiras, em uma justiça que somente os boleiros entendem. O verdão teve 90 minutos para fazer o placar necessário, e depois teve os pênaltis para tentar consertar o que não fez no tempo regulamentar. Reduzir tudo a um só lance e afirmar que a eliminação foi toda “culpa do VAR”, é reduzir todo um jogo a um único lance. Isso sim, não é justo.

40 anos da tragédia do Sarriá

Outro dia fiquei surpreso ao ser lembrado, por matérias em jornais, que fazia exatos 20 anos que havíamos sido pentacampeões. Simplesmente não guardei a data. Assim como não guardei a data de outras emoções no futebol, positivas ou negativas, que tive durante meu mais de meio século de vida. Só uma data, no entanto, resta indelével na minha memória futebolística: 05/07/1982.

No dia 5 de julho de cada ano, a memória daquele jogo me vem à mente. Ao contrário dos outros jogos do Brasil na Copa, havia decidido assistir a este com minha família, ao invés de com meus amigos. Certamente foi esse detalhe que fez toda a diferença. Cada um terá a sua própria explicação esotérica para o inexplicável, a minha é essa. Só assim para entender como aquele time mágico pode ter perdido para uma tosca Itália, que havia se classificado aos trancos e barrancos na fase de grupos.

Raras vezes vi um time que jogasse como uma companhia de balé em perfeita performance no palco, como aquela seleção. Tenho lembrança do Santos de Neymar e Ganso em 2010, e cada torcedor terá a lembrança de um ano de ouro de seu time de coração. Mas não, nada se compara à química absolutamente mágica de três gênios do futebol, que colocariam Neymar no bolso: Zico, Sócrates e Falcão. E todos os outros coadjuvantes, à exceção, talvez, do goleiro, seriam titulares hoje em suas posições. E sobre o técnico, não há o que comentar.

Aquele time imbatível perdeu. Alguns dizem que poderia ter jogado com a regra debaixo do braço, já que o empate era suficiente para a classificação. Eu já acho que aquele dia era da Itália. Paulo Rossi fez 3 gols, e faria tantos quantos fossem necessários para arrancar aquela vitória improvável. Futebol é essa coisa misteriosa, em que os deuses entram em campo para derrubar as mais profundas convicções. Ex-post são muitas as explicações para o ocorrido. Nenhuma delas realmente convence. Foi, porque tinha que ser.

O futebol é um esporte de resultados. O derrotado normalmente cai no esquecimento. A seleção de 82, por algum estranho motivo, quebra essa regra. A Itália foi a campeã, mas é da seleção brasileira que se tem lembrança. O Brasil já saiu derrotado de muitas Copas e, de todas essas seleções derrotadas, mal se tem lembrança. Eu não consigo repetir a escalação da seleção de 2018, mas, com algum esforço, a seleção de 82 brota da minha memória, como figurinhas de um álbum de recordações amargas e doces a um só tempo. Não, futebol não é só resultados.

Depois de Sarriá, a seleção já foi campeã duas vezes. Vibrei muito com os gols de Ronaldo contra a Alemanha há 20 anos, mas nada se compara à minha emoção com o gol de empate de Falcão. Na minha memória seletiva, a Copa de 82 acaba ali, naquela sensação indescritível. Obrigado Zico, Socrates, Falcão, Telê e companhia.