De onde vêm os empregos

Tenho uma revelação a fazer, e que pode chocar os espíritos mais cândidos: os empregos não são trazidos pela cegonha e nem nascem dos repolhos. Não. Os empregos nascem de um ato pecaminoso: a busca especulativa pelo lucro.

Desculpem-me usar palavras fortes, como lucro, especulação e empresário, mas hoje estou disposto a revelar tudo, a verdade nua e crua. Preparados? Então, vamos lá.

Um empresário tem uma ideia. Por ser um empresário, essa ideia transforma-se em uma empresa. Isso distingue os empresários dos inventores ou cientistas. Estes também têm muitas ideias, mas que não se transformam em empresas. Ficam lá, no mundo das ideias, até que um empresário resolve trazê-las para o mundo real.

Essa é a gênese de qualquer empresa, desde uma padaria até a General Motors. Sim, as empresas também não são trazidas pela cegonha, tampouco nascem de repolhos. É preciso que um empresário coloque em prática uma ideia. Como? Arriscando capital, o seu próprio ou o de terceiros. Qualquer empresa não passa de uma atividade especulativa.

Arriscar capital significa que o capital pode se multiplicar ou pode virar pó. Uma empresa precisa produzir um bem ou serviço (a “ideia”) de modo que seja suficientemente barata para tirar os consumidores de outras empresas que estão igualmente ofertando bens e serviços (outras “ideias”).

Este capital é utilizado para investir em maquinário, edificações, capital de giro. A empresa contrata funcionários (daí nascem os empregos!), se adequa à legislação vigente e começa a funcionar. Tudo certo? Óbvio que não.

Não tenho as últimas estatísticas, mas o índice de mortalidade de empresas no Brasil é altíssimo. Arriscar o capital é estar sujeito a morrer. Por isso, o financiador da empresa, aquele sujeito que aporta o capital, exige um retorno adequado ao risco. Este retorno é o lucro da empresa.

O lucro prometido pela empresa deve ser suficientemente grande para compensar o risco do empreendimento. E agora chegamos ao âmago da questão: como o investidor obtém o seu lucro? Através do pagamento de dividendos. São os dividendos que remuneram o capital de risco que permite trazer ideias para a realidade e gerar empregos. Ou melhor, é a expectativa de futuros dividendos que move o capital de risco.

O que acontece quando os dividendos são taxados em 20%? A expectativa de dividendos futuros deve ser 20% maior para que o mesmo capitalista tope o mesmo risco (na verdade, precisa ser ainda maior, porque o cálculo é “por dentro”, mas vamos deixar as tecnicalidades de lado). Resultado: menos empresas viáveis, menos empregos criados.

Diminuir o imposto sobre o lucro da empresa mitiga o problema, mas cria uma distorção. Em recente entrevista, o secretário da Receita afirmou que não haverá aumento da carga tributária, pois as empresas podem reter lucros, e então não haveria pagamento de imposto sobre dividendos. Segundo o secretário, a empresa reinvestiria os lucros, gerando crescimento e empregos, ao invés de pagar dividendos para esses capitalistas gastarem em iates, mulheres e mansões (essa última parte ele não falou, mas o sentido é o mesmo).

Qual o problema desse raciocínio? Alocação de capital. Quem disse que a melhor oportunidade de investimento é na própria empresa que gera o lucro? Será que não haveria outras oportunidades melhores por aí, que gerariam mais crescimento e emprego? Esta decisão, que é feita pelo investidor capitalista a todo momento, será distorcida pelo imposto sobre o dividendo. Oportunidades fora da empresa terão que ser 20% melhores do que se não existisse o imposto.

Isso nos leva à questão do rendimento dos “super-ricos”. Nas reportagens a respeito do assunto, sempre se repisa o achado de que apenas uma pessoa, em 2019, recebeu R$1,3 bilhões em dividendos sem tributação. Já ficamos imaginando o sujeito em seu iate em Mônaco, indo e voltando ao Brasil em seu jatinho particular e vivendo em sua mansão de mais de 100 aposentos. Tudo isso provavelmente é verdade. A questão é que, para sustentar tudo isso, o nosso bilionário não deve precisar gastar mais do que, digamos, R$50 milhões por ano. E o que ele faz com os restantes R$1,25 bilhões? Simples: reinveste em empresas que vão gerar empregos e, se der sorte, lucros adicionais. Ao taxar esses dividendos, haverá menos dinheiro especulativo para o investimento em empresas e sua consequente geração de empregos.

Antes que me lembrem, é claro que esse mecanismo é concentrador de renda. Taxar o investimento é uma forma de distribuir renda, considerando a hipótese heróica de que o governo não vá gastar grande parte desses recursos sustentando a própria máquina. Então, fica a escolha: não taxar e propiciar um ambiente em que se cria mais empregos e a distribuição de renda é pior ou taxar e diminuir o potencial de criação de empresas e de empregos, mas com melhor distribuição de renda, via auxílios do governo?

Cada sociedade faz as suas escolhas. A única coisa certa é que empregos não nascem de repolhos e não são trazidos pela cegonha.

O efeito sobre a carga tributária do novo IR sobre empresas e dividendos

O governo mandou para o Congresso um projeto de lei para reformular o imposto de renda. Afirma que o projeto é neutro com relação à carga tributária, ou seja, não há aumento ou diminuição de imposto, somente uma redistribuição.

Analisei o projeto. Podemos dividir as iniciativas em duas categorias: aquelas que aumentam o imposto e aquelas que diminuem o imposto. Vamos listá-las:

Iniciativas que aumentam imposto:

  • Tributação de 20% sobre dividendos de empresas e fundos imobiliários
  • Limitação do uso do formulário simplificado para declaração do IR
  • Pagamento de bonificação em ações não poderão ser deduzidos pelas empresas- Vedação de dedução de juros sobre capital próprio para cálculo do imposto
  • Novas regras de tributação de ganho de capital em venda de empresas
  • Tributação sobre a rentabilidade de fundos exclusivos

Iniciativas que diminuem imposto:

  • Redução da alíquota das empresas de 34% para 29%
  • Aumento da faixa de isenção do IR para pessoa física
  • Unificação das alíquotas sobre investimentos, em 15%
  • Atualização de valor dos imóveis (alíquota cai de 15% para 5%)
  • Come-cotas anual ao invés de semestral
  • Compensação de resultados negativos entre investimentos de naturezas diferentes

Realmente, é difícil afirmar que este conjunto de iniciativas vai aumentar ou diminuir a carga tributária. O governo não forneceu o memorial de cálculo dessa estimativa.

Uma estimativa relativamente fácil de fazer é o efeito sobre a arrecadação da pessoa jurídica, considerando somente a mudança de alíquota e sobre o pagamento de dividendos. Hoje, temos o seguinte (o exemplo a seguir assume distribuição de 100% do lucro como dividendos):

  • Lucro: 1.000
  • IR (25%): (250)
  • Lucro líquido: 750

Depois da reforma, teríamos o seguinte:

  • Lucro: 1.000
  • IR (20%): (200)
  • Lucro líquido: 800
  • IR sobre dividendos (20%): (160)
  • Dividendos depois do IR: 640

Então, antes da reforma, o acionista receberia 750 e, depois da reforma, 640. Uma redução de 14% sobre a receita do acionista.

Já o governo arrecadava antes 250, e passou a arrecadar 200+160=360, um aumento de 44%. A arrecadação do IR da pessoa jurídica totalizou R$ 157 bi nos últimos 12 meses, até abril. Portanto, temos um aumento potencial da arrecadação, pelo conjunto dessas duas medidas, de aproximadamente 70 bi (44%x157), ou quase 1% do PIB. O conjunto das outras medidas deveria significar uma redução de arrecadação nessa mesma magnitude, para que o projeto fosse neutro para a carga tributária.

Uma coisa é certa: o governo não mandaria um projeto que significasse diminuição da carga tributária. Deve ter alguma gordura, para que possa haver negociação. Minha aposta é que a carga tributária vai aumentar. Não tem outro jeito de colocar a dívida pública em trajetória declinante sem aumentar impostos, dado que não queremos cortar despesas. A não ser que contemos com inflação mais alta, como ocorreu neste ano.

Má política econômica

Mais um balão de ensaio deste governo que vai cada vez mais se parecendo com o que o antecedeu. Desta vez, a eliminação da alíquota de 27,5% do IR para a pessoa física. Para não perder arrecadação, seria substituído por um imposto sobre dividendos.

Parece justo: diminui-se a carga tributária da classe média, enquanto tributa-se a renda dos mais ricos, os donos das empresas. Digamos que fosse isso. (Não é. Existem empresas dos mais diversos tamanhos, cujos donos não são milionários, além de acionistas minoritários das grandes empresas). Mesmo assim, seria política econômica ruim. Explico.

Qualquer investidor somente investe em um negócio se o retorno compensar o risco. Se os dividendos forem tributados, esta cunha fiscal fará com que o retorno líquido para o investidor seja menor. Portanto, para investir em um negócio, o investidor requererá um retorno maior, de modo a compensar o imposto adicional. Assim, menos negócios serão viáveis, resultando em menos investimentos. Isto, em um país que precisa desesperadamente de investimentos.

Então, como o governo tenta consertar isso? Subsidiando a taxa de juros para as empresas, via BNDES. Este subsídio aumenta a dívida pública e cria um mercado de dívida dual, forçando a taxa de juros cobrada dos pobres mortais para cima. Como a dívida pública pertence a todos os brasileiros, e a taxa de juros mais alta é paga direta ou indiretamente por todos os brasileiros, pobres ou ricos, ficamos assim: alivia-se a carga tributária da classe media-alta, transferindo-se essa carga tributária para a população como um todo.

Mas não para por aí. O BNDES não consegue, até por restrições orçamentárias, compensar todo o aumento de imposto. Portanto, uma parte deste aumento da carga tributária vai parar nos preços dos produtos, naqueles setores em que é possível repassar. Assim, novamente, toda a população paga.

Resumindo: uma simples medida populista é capaz de diminuir o nível de investimentos, elevar as taxas de juros e piorar a distribuição de renda. Obviamente, trata-se apenas de um balão de ensaio, não acredito que o governo Dilm… ops, quer dizer, Temer, faria isso.