Punição coletiva ou baixas de guerra?

Considero Lourival Sant’Anna um dos melhores jornalistas internacionais do país. Suas análises são sempre ponderadas e profundas, enriquecendo o entendimento dos diversos problemas da arena global. Mas mesmo Sant’Anna não escapou da tentação de igualar coisas inigualáveis.

Na ânsia de equilibrar a balança, o jornalista afirma que Israel está infringindo a lei internacional, ao impor uma “punição coletiva contra civis”. Ora, as palavras têm sentido. “Punir” significa “castigar em decorrência de um crime”. Sant’anna está afirmando que Israel estaria deliberadamente impondo um castigo aos civis da Faixa de Gaza por crimes que estes teriam cometido.

Ora, desde o início o governo israelense tem afirmado que seu único objetivo é neutralizar o Hamas. A acusação feita pelo jornalista implica supor que as autoridades israelenses estão mentindo, e que seu real objetivo é atacar a esmo a população de Gaza, com o objetivo de puni-la por seus crimes.

É só óbvio que, como em qualquer guerra, lamentavelmente há baixas civis. Mas daí a afirmar que essas baixas são propositalmente buscadas por Israel como forma de punição, vai uma distância amazônica. Se nem um jornalista ponderado como Lourival Sant’Anna consegue distinguir uma coisa da outra, então Israel está realmente a pé no front das relações públicas.

Potência colonizadora?

Estava lendo uma thread no X, em que um professor da PUC-SP defendia a tese de que os judeus fizeram o papel de “potência colonizadora” na Palestina e, por isso, os palestinos tinham o direito de lutar para se livrar do jugo colonizador, assim como os povos africanos se livraram dos colonizadores europeus. Não à toa, em sua bio, reluz a frase “from the river to the sea Palestine will be free”. A tese tem inconsistências em vários níveis, mas não vou aqui apontá-las. Antes, vou fazer um exercício contrafactual que, por si, servirá como contraprova da tese.

Imagine, por um momento, que não houvesse movimento sionista e, portanto, não houvesse imigração de judeus para a Palestina no início do século. Temos, então, o Mandato Britânico na região a partir de 1917, e que dará origem aos territórios da Palestina e da Transjordânia, habitados quase que exclusivamente por árabes.

Depois da 2a Guerra, com a retirada da Grã-Bretanha da região, a Transjordânia se tornaria a Jordânia, enquanto a Palestina se tornaria, supostamente, a Palestina, englobando todo o território em que hoje se localiza o Estado de Israel. Ocorre que um Estado não nasce sem que haja um corpo político que o governe. A questão é: onde estava esse “corpo político” palestino em 1948? Alguma liderança surgiu para reivindicar o governo? A resposta é não. Os árabes viviam na região sem um sentido de Estado, em aldeias autônomas que não estavam ligadas entre si por nenhuma ideia de “governo central”. Por outro lado, os judeus na Palestina tinham um sentido de nacionalidade comum, que desembocou no primeiro governo eleito de Israel, liderado por Ben Gurion. Os israelenses declararam a sua independência na véspera da saída da Grã-Bretanha. Não houve algo semelhante no Estado Palestino.

Aliás, é interessante notar o “wording” usado pela ONU na resolução 181, de 29/11/1947, aquela que definiu a “solução dos dois Estados”. Em nenhum momento a resolução se refere aos judeus como “israelenses” e aos árabes como “palestinos”, mas sim como “judeus” e “árabes”. Haveria um estado judeu e um estado árabe. Foram os judeus que se reuniram e deram o nome de “Israel” para o novo Estado. Os árabes não fizeram a mesma coisa, não houve nome algum, demonstrando, mais uma vez, que não havia a intenção de criar nada semelhante a um Estado árabe ali. Em outras palavras, não havia o sentido de “autodeterminação” por parte dos árabes que viviam na Palestina.

Pois então, voltemos à “Palestina sem os judeus”. É possível que os árabes daquele território conseguissem se unir em torno de um governo? Pode ser. Mas, fica a questão: por que não o fizeram em 1948? Por que somente um Estado, o judeu, se organizou? Uma liderança unificada palestina somente começaria a tomar forma com o estabelecimento da OLP, em 1964 e, mesmo assim, por iniciativa da Liga Árabe das Nações, e não por um movimento autóctone. Até então, os Estados árabes estavam mais preocupados em varrer Israel do mapa. Aliás, acho bem provável que, em 1948, os Estados organizados em volta da Palestina (principalmente Egito e Síria, e possivelmente a Jordânia) se aproveitassem da ausência dos britânicos para conquistar fatias daquele território para os seus próprios Estados.

Assim, parece pouco provável que tivéssemos hoje um Estado Palestino, na hipótese de os judeus não terem imigrado para a região. Claro, trata-se de um exercício de futurologia reversa, pois não temos realmente como saber o que aconteceria. O ponto é que o nacionalismo palestino somente nasce como contraponto ao estabelecimento do Estado de Israel. É a existência de Israel que cria a noção de um Estado Palestino, de uma nacionalidade palestina. O ponto é que Israel já existia na mente de Theodor Herzl desde o final do século XIX, ao passo que o Estado Palestino somente aparece na resolução 181 da ONU e, mesmo assim, somente como um Estado Árabe genérico, sem nem mesmo um nome próprio.

Aliás, nem vou conjecturar o que seria da região, hoje, se os judeus simplesmente se retirassem de lá. Imaginem o Hamas, o Fatah e outros grupelhos árabes se engalfinhando para tomar o poder na região. Certamente não seria um espetáculo bonito de se ver.

Portanto, data vênia, a ideia de uma “colonização judaica” opressora não se sustenta. Não havia Palestina na época e, provavelmente, não haveria Palestina hoje, se não houvesse um Estado Judeu na região. O framework do “opressor-oprimido” serve bem para gritar palavras de ordem em passeatas, mas pouco explica o imbróglio e menos ainda aponta saídas. A não ser, claro, a saída de jogar os judeus ao mar.

À espera de Mandela

Thomas Friedman novamente. Em um longo artigo, Friedman descreve, de maneira bastante competente (como sempre), todas as perplexidades que envolvem a atual situação de Israel. No entanto, fica claro como até um analista experiente como ele não consegue articular alternativas minimamente críveis para o fim dessa crise. Não o culpo, porque não existem.

Nesse artigo, Friedman defende o anúncio do fim da política de assentamentos na Cisjordânia como ponto de partida para um processo de paz. E não lá na frente, mas agora, agorinha mesmo. Para entender o tamanho dessa fantasia, basta ler o parágrafo seguinte. Como contrapartida a esse anúncio, a Autoridade Palestina deveria escolher uma “liderança competente para construir instituições decentes e livres de corrupção, que conquistem o respeito das pessoas e legitimidade”. Uau! Nada menos do que um Mandela!

Pena que um Nelson Mandela é figurinha rara no álbum dos governantes globais. E este é o problema dessa proposta de Friedman: o anúncio do fim dos assentamentos é a parte fácil do quidproquo, ainda que não seja propriamente fácil. A parte difícil, incerta, improvável, é essa da “nova liderança palestina”.

Não custa lembrar, pela enésima vez, que já houve algo nessa linha: em 2005, Israel não só anunciou o fim da expansão dos assentamentos em Gaza, como retirou seus colonos à força. E quem fez isso foi um linha dura como Ariel Sharon, tão falcão quanto Netanyahu. E qual foi o resultado? O Hamas ganhou as eleições para comandar o território e, dois anos depois, deu um golpe e assumiu com poderes ditatoriais. Onde está o Mandela?

A política de assentamentos na Cisjordânia nasceu dessa, digamos, experiência. Netanyahu e a linha dura de Israel ganharam força ao se mostrarem premonitórios sobre o que aconteceria com Gaza sem a presença de Israel. Os assentamentos na Cisjordânia são, a um só tempo, exigência dos religiosos e dos militares. Difícil lhes tirar a razão, considerando o que aconteceu em Gaza.

Israel poderia dar uma segunda chance para a paz, anunciando o fim dos assentamentos? Creio que sim. Mas o timing aqui é importante. Friedman fala de um anúncio “agora”, como pré-condição para o distencionamento. O problema dessa proposta é o sinal que envia: depois da carnificina perpetrada pelo Hamas, um anúncio desses soaria como uma legitimação dos métodos do grupo terrorista. -Ah, quer dizer então que funciona, vamos continuar nessa linha e ver até onde Israel vai recuar. Lembre-se, não há um Mandela do outro lado, esse é o raciocínio desse povo nessa parte do mundo.

Não, Israel não tem opções fáceis pela frente. Ainda mais atuando contra um inimigo que vê a morte como algo glorioso, um martírio. O fim dos assentamentos pode até ocorrer, mas certamente não agora, mas como parte de um plano abrangente. O erro da retirada unilateral de Gaza, podem estar certos, não ocorrerá novamente.

Cafonice autoexultante

Lula sempre se supera. Quando você acha que ele atingiu seu limite de asneiras, eis que jorram asneiras ainda maiores de sua torneirinha, como diria a Tia Anastácia. A última foi a sua “receita” para acabar com a guerra no Oriente Médio: “carinho, afeto, dedicação e solidariedade”.

Esse receita tem funcionado muito bem. Por exemplo, Daniel Ortega tomou e se manteve no poder na Nicarágua com muito “carinho, afeto, dedicação e solidariedade”. Chavez e Maduro são outros que, certamente, empregaram muito “carinho, afeto, dedicação e solidariedade” para se manterem no poder. Em Cuba, Fidel Castro e seus sucessores tiveram e têm muito “carinho, afeto, dedicação e solidariedade”. E isso só pra ficar aqui entre os amigos da América Latina.

Esse discursinho ficaria bem para, sei lá, a Madre Teresa de Calcutá ou o Dalai Lama. Estadistas sabem que os povos têm seus interesses e estão dispostos a lutar por eles, seja na arena diplomática, seja no campo de batalha, que é a diplomacia feita por outros meios, na expressão de Clausewitz. Em um episódio passado, o embaixador de Israel chamou o Brasil de “anão diplomático”. Acho a expressão imprecisa. Seria melhor “criança diplomática”, que pensa o mundo de maneira ingênua e simplória. Há quem diga que, se o mundo fosse governado pelas crianças, seria um mundo muito melhor. Quem diz isso é porque nunca viu crianças brigarem entre si pelos seus “direitos”. De qualquer forma, as crianças são retiradas da sala enquanto os adultos resolvem os problemas. Os adultos sabem que as crianças não têm maturidade para enfrentar os problemas do mundo. O Brasil, com essas “soluções” propostas por Lula, cada vez mais se exclui do mundo dos adultos.

O senador Ciro Nogueira, em artigo no mesmo jornal de hoje, define a diplomacia do governo brasileiro de maneira antológica, como um misto de “megalomania com uma cafonice autoexultante”. Esse discurso de Lula preenche todos os requisitos da cafonice. Nem discurso de miss supera.

As quatro opções intragáveis de Israel para o futuro de Gaza

Vou transcrever aqui uma tradução de um artigo da Economist publicado hoje, sobre as opções de Israel. É um pouco longo, mas vale a leitura de cada linha, para finalmente entender um pouco da política de Gaza/Cisjordânia e de como não há opções óbvias para Israel.

“As declarações públicas que Joe Biden fez durante a sua visita relâmpago a Israel em 18 de Outubro não sugeriram muitas dúvidas sobre a iminente invasão da Faixa de Gaza por Israel. Contudo, em privado, os conselheiros do presidente americano esperavam pressionar os líderes de Israel sobre uma questão urgente: o que deveria acontecer depois da guerra?

As autoridades israelenses dizem que estão concentradas em derrubar o Hamas do poder, em retribuição pelo massacre que cometeu no sul de Israel em 7 de Outubro. “Gaza não será mais uma ameaça para Israel”, afirma Eli Cohen, o ministro das Relações Exteriores. “Não concordaremos que o Hamas mantenha qualquer poder em Gaza.” Mesmo depois de os riscos de combate num local tão densamente povoado terem sido ilustrados por uma explosão mortal no dia 17 de Outubro no hospital Ahli Arab de Gaza, que Israel atribuiu a um foguete palestino sem direção, os objetivos de guerra declarados por Israel não mudaram.

Uma encruzilhada de quatro caminhos

Mas os planos pós-guerra de Israel permanecem incertos. Existem quatro opções principais, todas ruins. A primeira é uma ocupação prolongada de Gaza, como a que empreendeu entre 1967 e 2005. As tropas israelenses teriam de proteger o enclave e, na ausência de um governo palestino, poderiam ter também de supervisionar os serviços básicos.

Isto poderia agradar a um segmento da direita religiosa de Israel, que ainda se irrita com a retirada, em 2005, de todos os soldados e colonos israelenses de Gaza, interpretada como o abandono de uma fatia da pátria bíblica dos judeus. Mas ninguém mais quer ver Gaza reocupada, dados os pesados encargos financeiros e a probabilidade de uma interminável má reverberação na mídia e de um fluxo constante de mortes. Biden alertou em 15 de outubro que uma ocupação duradoura seria um “grande erro”. A maioria dos estrategistas israelenses concorda.

A segunda opção é travar uma guerra que decapite o Hamas e depois abandonar o território. Este é sem dúvida o pior caminho a seguir. Alguns dos líderes e apoiadores do Hamas provavelmente surgiriam para reconstituir o grupo. Mesmo que não o fizessem, alguma outra força indesejável tomaria o seu lugar. O Oriente Médio tem uma história de grupos radicais que aproveitam esses vácuos.

O melhor resultado, na perspectiva de Israel, seria o regresso da Autoridade Palestiniana (AP), que governa partes da Cisjordânia em coordenação com Israel. Mas esse caminho está repleto de obstáculos. A primeira é que Mahmoud Abbas, o presidente palestino, está relutante em fazê-lo. “Não creio que alguém possa ser tão estúpido e pensar que pode regressar a Gaza nas costas de um tanque israelense”, diz Ghassan al-Khatib, antigo ministro palestino.

Mesmo que Abbas pudesse tomar o poder dessa forma, talvez não o quisesse. Yasser Arafat, o anterior presidente da Autoridade Palestina e figura de longa data do nacionalismo palestino, gostava de Gaza; ele viveu lá durante algum tempo depois de ter sido autorizado a regressar à Palestina, em 1994. Pessoas próximas de Abbas dizem que ele, pelo contrário, vê Gaza como um lugar hostil.

É quase certo que Gaza seria hostil à polícia palestina enviada para protegê-la. A Autoridade Palestina emprega cerca de 60 mil pessoas nos seus serviços de segurança, que têm autoridade em cerca de um terço da Cisjordânia (ver mapa abaixo). Não consegue controlar nem mesmo essa área limitada: partes de Jenin e Nablus, cidades no norte da Cisjordânia, estão tão revoltadas que as forças da Autoridade Palestina não ousam patrulhá-las para não serem atacadas. O moral está baixo. Se a polícia palestina regressasse a Gaza, seria um alvo para os remanescentes do Hamas, da Jihad Islâmica e de outros militantes. O Hamas e a Autoridade Palestina travaram uma guerra civil sangrenta em Gaza depois que o Hamas venceu as eleições parlamentares em 2006. O Hamas acabou vencendo e expulsou a Autoridade Palestina do território em 2007.

A segurança também não é a única questão. Depois que o Hamas chegou ao poder, Abbas pediu aos burocratas em Gaza que parassem de trabalhar. O Hamas, por sua vez, contratou dezenas de milhares de apoiadores para ocuparem funções públicas, enquanto a Autoridade Palestina continuou a pagar aos seus trabalhadores para ficarem em casa. Manter essa burocracia significaria trabalhar com cerca de 40 mil pessoas contratadas pela sua lealdade ideológica ao Hamas; rejeitá-los seria repetir o erro do programa de “desbaathificação” dos Estados Unidos no Iraque, que lançou legiões de homens furiosos e desempregados nas ruas.

Uma quarta opção seria montar algum tipo de administração alternativa, composta por notáveis locais trabalhando em estreita colaboração com Israel e o Egipto. Israel confiou nesse tipo de acordo até a década de 1990, antes de a Autoridade Palestina começar a assumir funções civis nos territórios ocupados.

Tem-se falado em tentar recrutar Muhammad Dahlan, um antigo chefe de segurança do Paquistão que cresceu em Gaza, para assumir as rédeas depois do Hamas. Mas Dahlan passou a última década em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos. Ele se desentendeu com a AP; em 2016, um tribunal palestino condenou-o por corrupção. Também há desavença entre ele e as famílias em Gaza: ele liderou a luta contra o Hamas em 2007. “Acho que isso é uma ilusão”, diz Michael Milstein, coronel da reserva do exército israelense e analista do Centro Moshe Dayan, um think tank em Tel Aviv. “Eu nem tenho certeza se ele gostaria de voltar. Ele ficaria preocupado que as pessoas o quisessem morto.”

O caso de Dahlan aponta para um problema maior. Os palestinos estão divididos há quase duas décadas. A divisão é em grande parte culpa deles: embora os líderes do Hamas e da Autoridade Palestina se reúnam a cada dois anos para defender a reconciliação da boca para fora, nenhuma das partes quer chegar a um acordo. Mas o cisma também foi exacerbado pela política de dividir para governar de Binyamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense, que a considerou uma ferramenta útil para frustrar o sonho palestino de um Estado independente. “Netanyahu tinha uma estratégia ruim de manter o Hamas vivo e forte”, diz Ehud Barak, antigo primeiro-ministro israelense.

Tanto o Hamas como a AP governam os seus estados como regimes autoritários de partido único. Em 2021, Nizar Banat, um crítico de Abbas, foi espancado até à morte pela polícia palestina na sua casa em Hebron. Aqueles que se opõem ao Hamas em Gaza correm o risco de tortura e execução. A maioria dos palestinos opta por manter o silêncio, evitando a política e concentrando-se nas suas lutas quotidianas.

A sondagem mais recente do Centro Palestino de Estudos Políticos e Pesquisas (PCPSR) concluiu que 65% dos habitantes de Gaza votariam em Ismail Haniyeh, o líder do Hamas, numa corrida presidencial frente a frente contra Abbas (que perderia o Cisjordânia também). O Hamas obteria 44% dos votos em Gaza numa votação parlamentar, enquanto o Fatah, a facção de Abbas, obteria apenas 28%.

Entre a cruz e a espada

À primeira vista, isto sugeriria um apoio duradouro ao Hamas. Mas essas sondagens oferecem apenas uma escolha binária entre militantes e incompetentes. Um total de 80% dos palestinos querem a demissão de Abbas. Horas depois da explosão do hospital, ocorreram protestos em cidades da Cisjordânia, onde os manifestantes gritavam: “O povo exige a queda do presidente”. Ele tem 87 anos e não tem um sucessor claro. Nenhum de seus possíveis substitutos inspira muito entusiasmo.

Numa hipotética corrida entre Haniyeh e Muhammad Shtayyeh, o insípido primeiro-ministro da Palestina, o primeiro venceria por uma margem de 45 pontos em Gaza e 21 pontos na Cisjordânia. Mais uma vez, isto é menos uma prova da popularidade de Haniyeh do que da falta de popularidade de Shtayyeh: uma sondagem realizada em 2019, após os seus primeiros 100 dias no cargo, revelou que 53% dos palestinos nem sequer sabiam que ele era o primeiro-ministro.

Perguntas abertas produzem resultados mais reveladores. Quando o PCPSR pediu aos palestinos que nomeassem o seu sucessor preferido para Abbas, a maioria disse que não sabia. A segunda resposta mais popular, tanto na Cisjordânia como em Gaza, foi Marwan Barghouti, um membro da Fatah que cumpre múltiplas penas de prisão perpétua numa prisão israelense por orquestrar ataques terroristas que vitimou civis. Várias das outras principais escolhas, como Dahlan e Khaled Meshal, antigo líder do Hamas, nem sequer vivem nos territórios palestinos.

Exilados, prisioneiros – ou ninguém: a vida política palestina está moribunda. Os palestinos culpam Israel por esta situação lamentável, argumentando que a falta de conversações de paz significativas privou a Palestina da sua razão de ser. “Acho que Abbas será o último presidente palestino”, diz Khatib. “Toda a ideia da Autoridade Palestiniana é que se trata de uma transição para um Estado palestino. Se não houver horizonte político, a AP se torna irrelevante.”

Os israelitas afirmam que a AP se auto minou através da corrupção desenfreada. Bilhões de dólares em ajuda externa foram desviados ao longo das últimas três décadas para comprar vilas luxuosas na Jordânia e para encher contas bancárias na Europa. Solicitados a nomear os principais problemas da sociedade palestina, mais pessoas citam a corrupção do seu próprio governo (25%) do que a ocupação de Israel (19%).

Há culpas em número suficiente para compartilhar. O resultado, porém, é que a Fatah é provavelmente irredimível aos olhos da maioria dos palestinos, um movimento de libertação que se tornou caucificado e decadente. Nos últimos anos, até mesmo alguns israelenses começaram a questionar-se se o Hamas poderia tornar-se um interlocutor, seguindo o mesmo caminho que o Fatah fez décadas antes, de militantes violentos a burocratas dóceis.

Não só o Hamas parecia concentrado em tentar melhorar a economia de Gaza, como alguns dos seus líderes também pareciam receptivos a uma solução de dois Estados. Isso teria sido uma mudança notável para um grupo cuja carta apelava à destruição de Israel. No ano passado, Bassem Naim, membro da liderança política do grupo em Gaza, disse a um correspondente que estava disposto a aceitar “um Estado nas fronteiras de 1967”. Ghazi Hamad, outra autoridade política, havia dito a mesma coisa um ano antes.

Tais pensamentos agora parecem ingênuos. Milstein foi um dos poucos israelenses proeminentes que alertou, muito antes do massacre, que o aparente pragmatismo do Hamas era apenas um estratagema. A sua opinião, justificada pelos últimos acontecimentos, é agora quase universal em Israel. Mesmo que o Hamas estivesse disposto a participar nas conversações de paz, um público israelense furioso e enlutado não seria um parceiro disposto: a grande maioria dos israelenses quer destruir o Hamas e não recompensá-lo.

Duas outras questões moldarão o futuro de Gaza. Uma delas é o papel que os estados árabes irão desempenhar. Em conversas privadas durante a semana passada, várias autoridades árabes apresentaram a ideia de uma força estrangeira de manutenção da paz para o enclave – mas a maioria rapidamente acrescentou que o seu país não estava ansioso por participar.

O Egito não é popular em Gaza, tanto porque se juntou a Israel no bloqueio do território, como devido à sua história anterior como governante de Gaza de 1948 a 1967. Os Emirados Árabes hesitariam em desempenhar um grande papel. “Não agimos sozinhos”, diz um diplomata dos Emirados. O mesmo provavelmente se aplica à Arábia Saudita.

Israel provavelmente vetaria qualquer papel do Qatar, um dos países com maior influência em Gaza. Durante anos, o emirado ajudou a estabilizar a economia de Gaza com a bênção de Israel, distribuindo até 30 milhões de dólares por mês em pagamentos de assistência social, salários de funcionários públicos e combustível gratuito. Mas o seu apoio ao Hamas – alguns dos líderes do grupo vivem lá – irá agora torná-lo suspeito. “Toda a estratégia de Israel durante a última década foi confiar no Qatar”, diz Milstein. “Uma das lições que deveríamos aprender com esta guerra é que não deveríamos permitir mais envolvimento do Catar.”

Embora os estados árabes não queiram proteger Gaza, podem estar dispostos a ajudar a reconstruí-la. Após a última grande guerra, em 2014, os doadores prometeram 3,5 bilhões de dólares para a reconstrução (embora, no final de 2016, tivessem desembolsado apenas 51% desse montante). A conta será ainda maior desta vez.

A outra questão é o que acontecerá com a AP. As pesquisas dizem que metade dos palestinos acham que deveria ser dissolvida. Fazer isso privaria muitos deles de rendimento (a Autoridade Palestina é o maior empregador na Cisjordânia) e provavelmente levaria a mais violência. Mas também aumentaria os custos da ocupação de Israel e, talvez, forçasse o regresso questão Palestina à agenda política de Israel, depois de duas décadas em que o assunto raramente foi discutido. “É a única carta na manga que lhe resta”, diz um antigo confidente de Abbas.

Não existe uma solução duradoura apenas para Gaza. Apesar do longo cisma, os palestinos ainda se consideram parte de um sistema político mais amplo. De qualquer forma, a faixa é demasiado pequena e desprovida de recursos naturais para prosperar por si só. A sua economia depende de Israel: tudo, desde as plantações de morangos às fábricas de móveis, depende das exportações para o seu vizinho mais rico. Independentemente de quem assuma o controlo, Gaza não será nem estável nem próspera como um pequeno Estado isolado.

A única forma de trazer tranquilidade duradoura a Gaza é através de uma resolução mais ampla do conflito israelense-palestino. Se a perspectiva de uma solução negociada se evaporar completamente, alerta Khatib, “com ela, a liderança moderada desaparecerá”. Israel pode até decapitar o Hamas. Mas é muito menos claro que algo melhor tomará o seu lugar.”

Não há boas opções

O título do artigo de hoje de William Waack é muito melhor do que o artigo em si, que justamente se perde no labirinto da falta de opções de Israel. Esse título dá um gancho para retificar uma ideia que talvez eu tenha passado no meu post anterior, em que critiquei artigo de Thomas Friedman, a respeito de uma potencial invasão de Gaza por Israel.

Alguns comentários me alertaram para o fato de que eu passava a impressão de estar defendendo a invasão de Gaza. A ideia nunca foi essa, mesmo porque não me sinto gabaritado a dar conselhos ao governo de Israel. O ponto do post era apenas criticar a fraqueza dos motivos apontados por Friedman para a não-invasão, quais sejam, a “imagem” de Israel, a “responsabilidade” de Israel diante de tudo o que acontecesse de ruim no território e a “frustração” dos planos do inimigo. Em minha opinião, nenhum desses pontos tocava na questão crucial: a segurança de Israel, que, imagino, seja a preocupação número 1 do governo israelense nesse momento. Defendia a ideia de que, qualquer fosse a decisão, deveria ter como objetivo a segurança dos cidadãos israelenses.

Termino aquele post dizendo que os cenários alternativos sempre serão objeto de debate. Uma decisão “errada” só poderia ser corretamente julgada se comparada com o resultado de suas alternativas. Mas isso é impossível de se fazer, pois as alternativas pertencem ao campo das ideias, não à realidade. Somos todos exímios profetas do passado, mas a verdade nua e crua é que as decisões são sempre tomadas em um ambiente em que “não há boas opções”, na feliz expressão usada por William Waack.

Invadir ou não invadir, essa é a questão

Normalmente gosto de ler a coluna de Thomas Friedman, do NYT. Ele escreve bem, e é sempre um prazer ler um bom texto, apesar de, na maior parte das vezes, não estar de acordo 100%. É o caso da coluna de hoje.

Friedman defende a ideia (que certamente está em debate no governo e na sociedade israelenses) de que a melhor estratégia para Israel, no momento, é evitar uma invasão terrestre à Gaza. O colunista lista basicamente três razões em defesa de sua tese: 1) Israel melhoraria sua imagem internacional, 2) uma vez instalado no território, Israel e os judeus seriam acusados de tudo de ruim que acontecesse lá e 3) a invasão cumpriria os planos dos inimigos de Israel, que ficariam “devastados” se isso não acontecesse.

Bem, vamos lá. Com relação ao primeiro ponto, basta ver as reações ao massacre daqueles que já têm má vontade com Israel. De Harvard até as redações do mundo inteiro, a opinião pública global abusou das conjunções adversativas para condenar os ataques, quando não os comemoraram efusivamente. Se nem mesmo o que aconteceu depois de 07/10 fez a opinião pública se mover, por que uma invasão de Gaza pioraria a situação? O único período em que verdadeiramente Israel contou com a boa vontade da opinião pública foi logo após abrirem-se os fornos crematórios na Europa. Isso durou alguns poucos anos, janela aproveitada para a criação do estado de Israel. Na medida em que a memória do Holocausto foi se desvanecendo, Israel e os judeus voltaram ao seu papel de sempre, o de vilões internacionais. Achar que não invadir Gaza mudará essa visão talvez seja um pouco ingênuo demais.

O segundo ponto é ainda mais risível. Israel JÁ É HOJE culpado por tudo de ruim que acontece em Gaza e, by the way, na Cisjordânia também. Em entrevista na Globo News no dia dos atentados, uma “especialista em Gaza” afirmou que Israel controla água, energia e suprimentos de Gaza e, portanto, teria o domínio da área. “Prisão a céu aberto”, “apartheid”, “genocídio”, são as palavras fofas usadas para caracterizar a ação de Israel na região. Que diferença faria uma invasão?

O terceiro ponto é mais complexo, pois envolve entrar nas motivações das partes. Friedman assume que o Hamas fez uma jogada justamente para provocar a invasão, e que ficaria frustrado se isso não acontecesse. Eu já acho que o Hamas fez o que fez com o objetivo que todo terrorista tem: chamar a atenção para a sua causa. Pouco importa o que Israel fará de agora em diante, o seu objetivo já foi alcançado. Friedman racionaliza as ações do Hamas como se o grupo representasse um país estável em busca de espaços de poder. Não. O Hamas é só um conjunto de homens-bomba, dispostos a tudo pela causa. Qualquer que seja a ação de Israel, o Hamas já é vitorioso. Basta ver as manifestações de apoio à causa palestina no mundo islâmico e na esquerda global.

Por isso, Israel deve tomar a decisão olhando suas próprias posições, de forma a maximizar a segurança do país, independentemente da opinião pública global (que sempre estará contra) e do que deixaria o Hamas ou o Irã supostamente mais “decepcionados”. O histórico de “movimentos em direção à paz” não é bom. Dá última vez que Israel decidiu fazer algo nesse sentido, ao retirar os colonos unilateralmente de Gaza e entregar a administração da área à AP, o Hamas tomou conta. Quais seriam as consequências de deixar Gaza intacta depois dos ataques de 07/10? Essa é discussão.

A História só acontece de uma forma, os caminhos alternativos, o que “poderia ser”, serão sempre objeto de debate, nunca uma certeza. A invasão de Gaza, se ocorrer, trará várias consequências nefastas e muitos debates sobre como o mundo poderia ser melhor se a invasão não tivesse ocorrido. O fato é que o cenário alternativo é sempre mais idilico, simplesmente porque não é real.

Do rio ao mar

A qualquer pessoa de bom senso que se pergunte qual a melhor solução para o conflito entre árabes e judeus na Palestina, a resposta certamente serão duas palavras mágicas: “dois Estados”.

Esta é uma ideia-força que parece resolver todos os problemas. Por que não? Afinal, os árabes não querem um Estado para chamar de seu? Também os judeus não querem um Estado para chamar de seu? Então, nada mais óbvio do que conceder um Estado soberano para cada lado, e a paz se estabelecerá.

O problema é que, fosse simples assim, a coisa já estaria resolvida desde 1947, quando a Resolução 181 da ONU estabeleceu justamente a solução de “dois Estados”. Por que não foi pra frente? Justamente porque o diabo mora nos detalhes, que não cabem na ideia-força “dois Estados”.

Antes de continuarmos, vamos fazer uma pequena digressão. Tem sido comum ouvir que as críticas a Israel não significam antissemitismo. Na verdade, tratar-se-ia de antissionismo. Há até judeus que são antissionistas. Mas o que é o antissionismo? Para entender o que ó antissionismo, é preciso entender antes o que é o sionismo.

No meu artigo contando a história do conflito árabe-israelense, recordo o princípio fundacional de Israel, que é justamente o movimento sionista, fundado por Theodor Herzl. Em seu panfleto O Estado Judeu, Herzl defende a criação de um Estado judeu na Palestina. Não há menção à expulsão dos árabes da região, não havia uma mentalidade discriminatória. Tanto é assim, que as migrações de judeus para a Palestina se deram através da compra de terras e da convivência com os árabes que lá viviam. O sionismo nunca teve relação com uma “raça pura”, mas com o direito de um povo ter um Estado nacional. O sionismo é um movimento nacionalista, não racista.

Pois bem, agora vamos voltar ao curso do nosso raciocínio. Considerando o que escrevemos acima, ser “antissionista” significa, na prática, ser contra o estabelecimento de um Estado judeu. Portanto, não é possível ser a favor da solução de “dois Estados” e ser antissionista ao mesmo tempo. O sionismo, desde sempre, aceitou a solução de “dois Estados”. A fundação de Israel teve como base legal a resolução 181 da ONU, que justamente previa a solução de dois Estados.

Em várias manifestações pró-Palestina, a palavra de ordem é mais ou menos a seguinte: “a Palestina para os palestinos, do rio até o mar”. O que significa isso? O rio é o Rio Jordão, o mar é o Mar Mediterrânio. O atual estado de Israel encontra-se justamente entre o rio e o mar. Essa palavra de ordem é antissionista: os judeus não teriam direito a ter o seu próprio Estado, a solução de dois Estados não interessa aos que aderem a essa palavra de ordem.

Como, a essa altura do campeonato, é claramente impraticável retirar a soberania do estado de Israel, quem defende essa “solução”, na verdade, está defendendo o conflito eterno, muito útil para insuflar o ódio aos judeus. É o velho antissemitismo, travestido de “defesa dos mais fracos”. Ora, quem realmente está interessado em resolver o problema dos mais fracos, não fica gritando slogans que não tem futuro prático. Pode ser muito bom para sentir-se o justiceiro do mundo, mas, na prática, só prolonga o sofrimento dos árabes-palestinos.

Boa sorte, presidente!

Bem, agora falta o nosso presidente, tão preocupado com a “paz”, ligar para o presidente do Egito, Abdel Farrah el-Sisi e, principalmente, para os líderes do Hamas, quem quer que sejam, e pedir a mesma coisa. Boa sorte, presidente!