Potência colonizadora?

Estava lendo uma thread no X, em que um professor da PUC-SP defendia a tese de que os judeus fizeram o papel de “potência colonizadora” na Palestina e, por isso, os palestinos tinham o direito de lutar para se livrar do jugo colonizador, assim como os povos africanos se livraram dos colonizadores europeus. Não à toa, em sua bio, reluz a frase “from the river to the sea Palestine will be free”. A tese tem inconsistências em vários níveis, mas não vou aqui apontá-las. Antes, vou fazer um exercício contrafactual que, por si, servirá como contraprova da tese.

Imagine, por um momento, que não houvesse movimento sionista e, portanto, não houvesse imigração de judeus para a Palestina no início do século. Temos, então, o Mandato Britânico na região a partir de 1917, e que dará origem aos territórios da Palestina e da Transjordânia, habitados quase que exclusivamente por árabes.

Depois da 2a Guerra, com a retirada da Grã-Bretanha da região, a Transjordânia se tornaria a Jordânia, enquanto a Palestina se tornaria, supostamente, a Palestina, englobando todo o território em que hoje se localiza o Estado de Israel. Ocorre que um Estado não nasce sem que haja um corpo político que o governe. A questão é: onde estava esse “corpo político” palestino em 1948? Alguma liderança surgiu para reivindicar o governo? A resposta é não. Os árabes viviam na região sem um sentido de Estado, em aldeias autônomas que não estavam ligadas entre si por nenhuma ideia de “governo central”. Por outro lado, os judeus na Palestina tinham um sentido de nacionalidade comum, que desembocou no primeiro governo eleito de Israel, liderado por Ben Gurion. Os israelenses declararam a sua independência na véspera da saída da Grã-Bretanha. Não houve algo semelhante no Estado Palestino.

Aliás, é interessante notar o “wording” usado pela ONU na resolução 181, de 29/11/1947, aquela que definiu a “solução dos dois Estados”. Em nenhum momento a resolução se refere aos judeus como “israelenses” e aos árabes como “palestinos”, mas sim como “judeus” e “árabes”. Haveria um estado judeu e um estado árabe. Foram os judeus que se reuniram e deram o nome de “Israel” para o novo Estado. Os árabes não fizeram a mesma coisa, não houve nome algum, demonstrando, mais uma vez, que não havia a intenção de criar nada semelhante a um Estado árabe ali. Em outras palavras, não havia o sentido de “autodeterminação” por parte dos árabes que viviam na Palestina.

Pois então, voltemos à “Palestina sem os judeus”. É possível que os árabes daquele território conseguissem se unir em torno de um governo? Pode ser. Mas, fica a questão: por que não o fizeram em 1948? Por que somente um Estado, o judeu, se organizou? Uma liderança unificada palestina somente começaria a tomar forma com o estabelecimento da OLP, em 1964 e, mesmo assim, por iniciativa da Liga Árabe das Nações, e não por um movimento autóctone. Até então, os Estados árabes estavam mais preocupados em varrer Israel do mapa. Aliás, acho bem provável que, em 1948, os Estados organizados em volta da Palestina (principalmente Egito e Síria, e possivelmente a Jordânia) se aproveitassem da ausência dos britânicos para conquistar fatias daquele território para os seus próprios Estados.

Assim, parece pouco provável que tivéssemos hoje um Estado Palestino, na hipótese de os judeus não terem imigrado para a região. Claro, trata-se de um exercício de futurologia reversa, pois não temos realmente como saber o que aconteceria. O ponto é que o nacionalismo palestino somente nasce como contraponto ao estabelecimento do Estado de Israel. É a existência de Israel que cria a noção de um Estado Palestino, de uma nacionalidade palestina. O ponto é que Israel já existia na mente de Theodor Herzl desde o final do século XIX, ao passo que o Estado Palestino somente aparece na resolução 181 da ONU e, mesmo assim, somente como um Estado Árabe genérico, sem nem mesmo um nome próprio.

Aliás, nem vou conjecturar o que seria da região, hoje, se os judeus simplesmente se retirassem de lá. Imaginem o Hamas, o Fatah e outros grupelhos árabes se engalfinhando para tomar o poder na região. Certamente não seria um espetáculo bonito de se ver.

Portanto, data vênia, a ideia de uma “colonização judaica” opressora não se sustenta. Não havia Palestina na época e, provavelmente, não haveria Palestina hoje, se não houvesse um Estado Judeu na região. O framework do “opressor-oprimido” serve bem para gritar palavras de ordem em passeatas, mas pouco explica o imbróglio e menos ainda aponta saídas. A não ser, claro, a saída de jogar os judeus ao mar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.