Eduardo Jorge resumindo a política brasileira dos últimos 15 anos.
Qual o partido que evitou a vergonha?
Adivinha o partido que entrou na justiça contra esse absurdo da entrevista do Lula.
O falso paraíso na terra
Ao que tudo indica, teremos dois candidatos da nostalgia. Bolsonaro e o candidato do PT apelam para um tempo idílico, em que o Brasil era o próprio paraíso na Terra.
Para os bolsonaristas de primeira hora, a candidatura do ex-capitão remete aos bons tempos do Brasil Grande, quando Nixon afirmou que “para onde se inclinar o Brasil, se inclinará a América Latina”. Era um tempo em que se podia andar pelas ruas sem medo, onde a ordem e o progresso andavam de mãos dadas. O Brasil crescia a olhos vistos, e o status de país desenvolvido estava logo ali na esquina.
Para os lulistas de carteirinha, a candidatura do poste de Lula também remete aos tempos de um Brasil Grande, quando Obama chamou o capo de “O Cara”. Era um tempo em que pobre podia andar de avião e o filho do pobre podia sonhar com um diploma. O Brasil crescia a olhos vistos, e o status de país desenvolvido estava logo ali na esquina.
Ambas as visões são, obviamente, falsas.
Em ambos os casos, uma receita de sucesso desandou, porque seus operadores não souberam decifrar a verdadeira natureza do que estava acontecendo.
As reformas de Bulhões e Roberto Campos deram margem ao período do chamado “milagre econômico brasileiro”. Ocorre que, após o 1o choque do petróleo, Geisel quis esticar o milagre, com base no endividamento externo. Conseguiu em um primeiro momento, para depois sucumbir sob o peso da dívida e da inflação, o que resultou na chamada “década perdida”.
Depois de uma série de congelamentos de preços e um confisco geral, o governo FHC finalmente começou a colocar ordem na casa. Fincou os alicerces institucionais que permitiram a perenidade do Real. Fez o papel que Bulhões e Campos tiveram no final da década de 60.
O governo Lula, ao não desmontar o arcabouço herdado de FHC e contar com o boom das commodities, colheu os frutos das reformas operadas no período anterior. Lula foi o Medici da Nova República, o presidente mais popular de sua era.
Mas, com a crise financeira global, a festa chegou ao fim. Lula, e depois principalmente Dilma, fizeram o papel de Geisel na década de 70: tentaram estender a festa a todo custo, por meio do crédito e do endividamento interno. Estamos em meio ao estouro dessa bolha.
A visão idílica vendida por ambas as candidaturas simplesmente não tem como ser cumprida antes de passarmos por um ajuste de contas brutal. E, como estamos vendo com a Argentina, os credores não estão muito pacientes.
O próximo governo, qualquer que seja, está fadado a ter, quando muito, os índices de aprovação de FHC, que foram bem mais ou menos. Isso, se fizer tudo certo. Se insistir em políticas populistas, será escorraçado do Planalto antes que possa dizer “recebi uma herança maldita”.
A capacidade de transferência de votos de Lula
A última pesquisa BTG Pactual acaba de ser publicada. A única coisa que chama a atenção é a subida de Haddad, de 16% para 23%, alimentando-se das quedas de Ciro, Marina e indefinidos. Haddad, assim, consolida-se como adversário de Bolsonaro no 2o turno.
Gosto de ver as menções espontâneas, que indicam certeza de voto. E porque, afinal, diante da urna, a votação é espontânea, não há lista de candidatos.
Na pesquisa anterior ao início da campanha, no final de agosto, Haddad tinha zero menções, Bolsonaro tinha 19% e Lula, 26%. Os outros candidatos somavam 10%, enquanto brancos, nulos e indecisos totalizavam 45%. Ou seja, há um mês, quase metade dos eleitores não tinha um candidato de coração.
Hoje, Lula e os não-votos caíram, respectivamente, 24 e 13 pontos percentuais em relação àquela pesquisa. Subiram todos os candidatos: Bolsonaro (+12, para 31%), Haddad (+17, para 17%) e todos os outros (+8, para 18%).
Ou seja, dos 24 pontos espontâneos que deixaram de ser de Lula, 70% migraram para Haddad. É bastante, muito mais do que eu imaginava. Eu errei ao avaliar a capacidade de transferência de Lula.
Libertar o presidiário de Curitiba
Esse é Haddad, para quem “consolidar um ambiente de Estado Democrático de Direito” e “fortalecer as instituições” significam uma coisa só: libertar o presidiário de Curitiba.
A tática óbvia
Claro, cada um joga com as armas que têm. Então, não há que condenar a propaganda do PT, que dá o mesmo destaque para o candidato e para o presidiário. Se este é o super-trunfo que o partido tem na mão, tem mais é que usar mesmo.
O problema está nas campanhas adversárias.
Dilma é o grande passivo do PT. Um desastre inventado por Lula. O paralelo é óbvio.
Dilma saiu com mais de 70% de reprovação. Pior, só o Temer. Que também foi invenção do Lula.
O problema é que uma narrativa não se faz da noite para o dia. É preciso ser perseverante e martelar a ideia dia e noite. Não adianta chegar na véspera da eleição e dizer que Dilma foi um desastre. Teria sido preciso amaldiçoar a “herança maldita” todo dia. O governo Temer tentou fazer isso com alguns anúncios no jornal, mas obviamente não era o ator ideal, dado que fez parte daquele desgoverno. Quem tinha que ter feito isso era, obviamente, o PSDB. Que estava muito ocupado em disputas intestinas para ver quem seria o candidato a presidente, e não tinha tempo nem foco para esses detalhes.
Não é que agora não funcione. Apenas que a eficácia é muito menor. Claro, se a tática óbvia finalmente for adotada, coisa que até o momento não aconteceu, preocupado que o PSDB está em desconstruir Bolsonaro.
A candidatura Haddad só está sendo levada a sério porque os adversários são ruins de doer.
Só um maluco. Por enquanto.
O que define um “atentado político”?
O que define um “preso político?”
A utilização da palavra “político” como adjetivo pode ter significados em dois níveis: o autor da ação e a motivação da ação. Claro, existe um terceiro nível, obrigatório, que é o fato daquele que sofre a ação ser uma figura do mundo político. Mas isso está dado nos casos em foco.
Vejamos a questão do autor da ação. Para que um crime seja considerado político, para que uma prisão seja considerada política, é necessário que o seu autor seja um adversário político. Assim, quando o regime militar prendia ou matava os seus inimigos políticos, isso podia ser classificado como prisões ou atentados políticos. Ou quando o regime cubano prende ou mata os seus adversários, isso pode ser considerado prisões ou assassinatos políticos.
No caso da prisão de Lula, não há adversário político envolvido. O judiciário, em suas várias instâncias, agiu com independência. Pode até ter errado (uma sequência de erros em série), mas não agiu como uma organização política.
No caso do atentado de ontem, aparentemente (“até o momento”, como diz o Noblat), não se trata de um ataque encomendado por nenhum partido político. O sujeito aparentemente agiu sozinho, de acordo com sua própria consciência. Portanto, neste significado, de fato, não foi um atentado político.
Vejamos, agora, a motivação.
Para que uma prisão ou um assassinato tenha a conotação de prisão ou assassinato político, é necessário que a motivação seja política. Assim, se um vizinho mata um político porque este estava saindo com sua mulher, a motivação não é política. Portanto, o assassinato não pode ser classificado como político. Por óbvio, se o primeiro significado for verdadeiro (o agente é político) é ocioso buscar a motivação, que será sempre política. O problema ocorre quando o agente não é um adversário político institucional.
No caso da prisão de Lula, a grande batalha do presidiário de Curitiba e seus asseclas do PT é tentar provar motivações políticas por trás das sentenças de Moro e dos desembargadores do TRF4. Parece óbvio que não as há. Portanto, sem motivação política, não há prisão política neste caso. Trata-se, simplesmente, de um político preso.
O caso do atentado é diferente. O autor foi filiado ao PSOL e tem, em sua página no Facebook, suficientes provas de sua simpatia pela pauta da esquerda e ódio a Bolsonaro. Portanto, por mais que seja um maluco (e pra fazer o que ele fez, só tendo um parafuso a menos), a sua motivação foi claramente política.
Assim, chegamos ao busílis da questão: para classificar um atentado como político basta a motivação, ou é necessário que o seu agente seja também um adversário politico? As duas condições são necessárias, ou apenas a segunda condição (a motivação) é suficiente?Noblat, no tuíte acima, acha implicitamente que as duas condições são necessárias. Os apoiadores de Bolsonaro acham que apenas a motivação seria suficiente para caracterizar o atentado como “político”.
Parece-me que o paralelo entre a prisão de Lula e o atentado a Bolsonaro não é adequado. Lula está na prisão porque roubou. Bolsonaro sofreu um atentado porque é de um partido adversário. Só essa diferença já basta para distinguir os dois casos. A motivação é completamente diferente nos dois casos.
No entanto, é preciso colocar a coisa na sua devida dimensão. Não se trata, “até o momento”, de uma guerra de facções, o que, no limite, poderia levar a uma Guerra Civil. Não se pode confundir a simples motivação política com a organização sistemática para eliminar fisicamente o adversário político. Nenhum partido está sequer perto desse nível, enquanto organização política.
Claro, estamos em plena campanha eleitoral. Seria ingenuidade pedir aos envolvidos a não politização de um ato com motivação claramente política. Assim como Noblat, outros jornalistas já estão condenando Bolsonaro por querer tirar dividendos políticos do episódio. Sério? Ele perdeu parte do intestino e não pode ganhar nada com isso? Se Lula, que está na prisão por motivos não políticos, foi louvado por esses mesmos jornalistas por saber fazer do “limão uma limonada”, porque Bolsonaro não pode fazer o mesmo, com motivos muito mais concretos?
Isso é uma coisa. Outra coisa é achar que Bolsonaro foi vítima de uma grande conspiração orquestrada por seus adversários, pelo grande capital globalista e pela mídia para evitar que faça a limpeza na política brasileira. Menos. Foi apenas um maluco solto por aí. Com motivação política, é verdade, mas um maluco. Só isso. Por enquanto.
Haddad não será o próximo presidente da República
Hoje participei de uma reunião com conhecida e respeitada consultoria política.
A análise foi mais ou menos a seguinte: Haddad está praticamente no 2o turno porque a identidade partidária do PT (pessoas que se identificam com o partido) está em 24%, e as intenções de voto em Lula somam 39%.
Alguém então perguntou, em um misto de melancolia e revolta: “então, o impeachment ajudou o PT?”
A resposta foi a seguinte: “o impeachment e a prisão de Lula foram a melhor coisa que poderia ter acontecido ao PT”.
Reportagem do Globo lembra que, 10 dias após a condução coercitiva de Lula, o chefão do PT tinha 17% das intenções de voto, contra 23% de Marina Silva, segundo pesquisa DataFolha. Dois anos e meio depois e uma campanha sem precedentes contra as instituições, Lula atingiu 39% das intenções de voto, o que parece dar razão à consultoria.
No entanto, imaginemos que o impeachment não tivesse ocorrido e Lula estivesse livre, leve e solto. A teoria dessa consultoria é que o governo Dilma chegaria a essas eleições na lona, sem competitvidade nenhuma. Seria presa fácil de seus próprios erros.
Essa análise, com todo respeito, é de botequim. Tem como premissa que o PT joga a regra do jogo democrático. O exemplo de como as instituições poderiam ser manipuladas para manter o partido no poder é a Venezuela. A economia está na lona não é de hoje, mas Chávez, e agora Maduro, “ganham” eleição após eleição. E, quando não ganham, mudam as regras do jogo sem nenhum pudor.
Lula e o PT já mostraram seu “amor” pelas instituições nesses últimos dois anos. Isso, longe dos instrumentos de poder. Imagine essa patota com a caneta na mão. Lula estaria eleito no 1o turno, independentemente do estado da economia.
FHC teve a brilhante ideia de deixar Lula “sangrar” após o mensalão, quando um impeachment teria sido possível, na esperança de que seu governo chegasse na lona nas eleições de 2006. O resultado foram mais três mandatos do PT.
É sempre muito difícil qualquer análise das possibilidades históricas, pois não existe o contra factual. Dizer que o impeachment e a prisão de Lula ajudaram o PT é uma análise rasa, que parte simplesmente dos números. Desconsidera a incrível capacidade de mistificação de Lula e seus asseclas do PT. Capacidade esta que seria multiplicada se ainda tivessem acesso aos instrumentos de poder.
Sim, o impeachment foi a coisa certa a se fazer.
E não, Haddad não será o próximo presidente da república.
Quem será o verdadeiro presidente
Gilberto Carvalho revela o esquema:
1. Haddad é eleito.
2. O presidente Haddad indulta Lula.
3. Lula é nomeado ministro da Casa Civil.
4. Lula governa como o presidente “de facto”. Haddad passa a ser apenas um “presidente-fantoche”.
Se, em um hipotético 2o turno entre Haddad e Bolsonaro, eu ouvir alguém defendendo o voto em Haddad em nome da “governabilidade”, da “moderação”, da “modernidade”, da “preservação da democracia”, sou capaz de partir para as vias de fato.
Muito pouco, muito tarde
FHC mandou bem nesse artigo.
Mas, como diz o outro, muito pouco, muito tarde.