Lula é diferente de Boric e Petro

O Brazil Journal, um blog dedicado a finanças e economia, publicou um artigo analisando a escolha dos ministros da fazenda pelos recém-eleitos presidentes do Chile e da Colômbia, Gabriel Boric e Gustavo Petro. Boric nomeou Mario Maciel, ex-presidente do BC e um dos formuladores da regra de superávit primário estrutural em vigor no Chile. Petro acaba de nomear José Antônio Ocampo, PhD por Yale e que, apesar de ter ideias desenvolvimentistas, aparentemente preocupa-se também com o equilíbrio fiscal.

O artigo então continua, perguntando qual é a de Lula? Será que seguiria o exemplo de suas contrapartes de esquerda no Chile e na Colômbia e também nomearia um nome mais alinhado ao mainstream econômico ou apostaria todas as fichas em algo mais radical, a lá 1o mandato de Dilma Rousseff? A sinalização até o momento, estressa o artigo, é na direção da 2a opção. Todas as manifestações de Lula, até o momento, são no sentido de demonizar o capital e todas as reformas que procuraram equilibrar as contas públicas ou aumentar a produtividade da economia. Segundo o artigo, “la garantia soy yo” é a única sinalização de Lula até o momento para o mundo empresarial e financeiro.

Creio que, antes de comparar Lula com Boric ou Petro, é necessário entender a diferença da situação entre o potencial próximo presidente brasileiro e as suas contrapartes do Chile e da Colômbia, além da óbvia constatação de que os três são de esquerda.

O artigo constata que um movimento óbvio de Boric e Petro é o aumento da carga tributária nos seus países para financiar programas sociais. No Chile, o governo já apresentou uma proposta de aumento de impostos no valor de 4,1% do PIB, enquanto na Colômbia, o recém-nomeado ministro da fazenda escreveu recentemente artigo defendendo um aumento da carga tributária de 3% do PIB. O mesmo poderia fazer o próximo presidente brasileiro?

Segundo a OCDE, a carga tributária de Chile e Colômbia é de, respectivamente, 19,3% e 18,7% do PIB. No Brasil, segundo o mesmo levantamente, a carga tributária é de 31,6%, a maior da América Latina e comparável a países como Nova Zelândia e Reino Unido, e apenas 2 pontos percentuais a menos do que a média da OCDE. Se aumentasse a carga tributária em 3 pontos percentuais, o Brasil alcançaria países como Canadá e Portugal. A decisão de aumentar a carga tributária no Chile e na Colômbia é relativamente fácil. No Brasil, nem tanto.

Mas a coisa não para por aí. Segundo o FMI (previsões para 2022), o Chile tem uma dívida bruta de 38% do PIB e seu déficit nominal (despesas do governo + juros da dívida) é de 1,5% do PIB. A situação da Colômbia é um pouco pior: dívida bruta de 60% e déficit nominal de 4,5% do PIB. Enquanto isso, a dívida bruta do Brasil é de 92% do PIB com déficit nominal de 7,5% do PIB. Ou seja, o Brasil precisaria estar subindo a carga tributária em 3 pontos percentuais só para igualar o déficit da Colômbia ou em 6 pontos percentuais só para igualar o déficit do Chile. Em resumo: saímos atrás no grid de largada para aumentar gastos sociais e o nosso carro é ben mais pesado. Não à toa, Chile e Colômbia são investment grade e, portanto, gozam do privilégio de poderem, pelo menos por enquanto, pagar taxas de juros mais baixas do que o Brasil sobre suas dívidas.

Mas a situação de Lula é diferente de suas contrapartes do Chile e da Colômbia ainda sob um outro aspecto: enquanto Boric e Petro são novidades, Lula é velho conhecido do mercado brasileiro. Boric é o primeiro presidente de extrema esquerda em um país que alternou governos de centro-esquerda e de centro-direita desde que Pinochet deixou o poder. Petro é o primeiro presidente de esquerda na Colômbia. Ambos precisam pisar em ovos para ganhar a confiança dos mercados neste primeiro momento. Lula não. Lula conta com um histórico de grande sucesso na administração da economia (vamos, por ora, esquecer o desastre Dilma).

Lula se aproveita dessa memória para ampliar a ambiguidade sobre a sua futura agenda como presidente. Enquanto diz “la garantia soy yo”, não perde oportunidade de deixar clara a sua visão tacanha sobre o processo econômico. Em minha série sobre a economia brasileira na era PT, mostro como o desastre Dilma foi gestado no segundo mandato de Lula. Estava tudo lá, mas o desastre somente se consumou quando o dinheiro acabou.

Portanto, ao contrário de Boric e Petro, Lula, durante a campanha e se eleito, conta com um voto de confiança do mercado. Não precisará, portanto, ganhar uma confiança que falta a Boric e Petro. E isto poderá se traduzir em iniciativas pouco ortodoxas já no início de seu governo, quando então os participantes do mercado começarão, aos poucos, a desfazerem a imagem que têm de Lula do 1o mandato. O pior é que, como vimos, não há margem de manobra. Qualquer iniciativa diferente de um grande e profundo programa de reformas estruturais está fadado a aprofundar muito rapidamente o buraco em que estamos.

Uma versão edulcorada da história

Luiz Sérgio Henriques, organizador das obras de Gramsci no Brasil, trás, novamente, o paralelo entre a aliança anglo-soviética contra Hitler na 2a Guerra e uma suposta aliança entre “forças democráticas” para derrotar o extremismo de direita no Brasil, representado por Bolsonaro.

Segundo essa versão edulcorada da história, Stálin teria articulado uma “clarividente política de alianças” contra um inimigo comum, ainda que, admite o articulista, os “ventos da democracia” não tenham soprado para dentro do sistema soviético, o que seria quase que uma contradição em termos.

Bem, haveria contradição se a versão edulcorada da história fosse a real. Uma pena que não seja. A real é a seguinte: Stálin celebrou um pacto de não-agressão com Hitler, e ambos retalharam a Polônia entre si. O plano de Hitler, desde sempre, era atacar ao leste, onde estava o “espaço vital” para o povo alemão e onde se encontravam os malditos “judeus bolcheviques”. Mas, antes disso, precisava celebrar um armistício com a Grã-Bretanha, de modo a poder concentrar suas forças no ataque à União Soviética. Tendo encontrado pela frente um sujeito bem mais teimoso e clarividente que Chamberlain, Hitler não conseguiu seu intento.

Levado pela sua megalomania, Hitler decidiu, então, abrir a 2a frente de batalha ao leste, atacando a União Soviética em junho de 1941. Foi somente então que Stálin, jogando a sua melhor chance de sobreviver, aceitou fazer aliança com Churchill. Nada a ver, portanto, com uma suposta “aliança de forças democráticas para derrotar a extrema-direita”. Quem leu a auto-biografia de Churchill sabe que o primeiro-ministro britânico não confiava nada em Stálin, e tinha consciência de que era a União Soviética o inimigo de longo prazo. É dele a expressão “Cortina de Ferro”, que denominava a área de influência dos soviéticos na Europa.

Alguém poderá dizer que, mesmo em sua versão hard, a história ainda se aplica. Não seria preciso reconhecer no PT uma força democrática para estabelecer uma aliança, dado que o inimigo comum, agora, é Bolsonaro. Tratemos da direita anti-democrática agora, diria Churchill, e depois vejamos o que fazer com a esquerda anti-democrática. Até poderia ser, se assim fosse. A correlação de forças é completamente outra. Será que Churchill faria uma aliança com Stálin se soubesse que este teria meios para conquistar a Europa Ocidental uma vez tendo sido Hitler derrotado? Na política brasileira não há compartilhamento de poder quando o PT ocupa o espaço. Essa história de “aliança democrática” só existe enquanto existe um inimigo comum. Depois, quem tem mais armas subjuga o antigo aliado.

O ser humano está sempre em busca de padrões, de modo a tornar a realidade mais inteligível. Fazer paralelos históricos é um desses mecanismos de busca de padrões. É tentador, nesse sentido, identificar Bolsonaro com uma versão aguada de Hitler, Lula com uma versão adocicada de Stálin e Alckmin (e o resto do “centro democrático”) com uma versão idealizada de Churchill. O problema, como disse Karl Marx, é que a história repete-se como farsa.

Claro que Lula sabe disso

Lula afirma que o teto de gastos foi estabelecido para satisfazer “banqueiros gananciosos”, que queriam, vejam só, que o dinheiro que emprestaram para o governo fosse pago.

Como sempre, são várias as questões envolvidas nessa, digamos, fala do “candidato-que-não-vai-fazer-o-que-diz-que-vai-fazer”.

A primeira é técnica: conforme estatística do Tesouro Nacional, os “banqueiros” detém somente 29,47% da dívida pública. Tirando os 4,63% detidos pelo próprio governo, restam 65,90% nas mãos de pessoas físicas ou empresas, através de fundos de pensão e fundos de investimento.

Ou seja, não são somente os “banqueiros” que estão preocupados com que o governo pague a sua dívida. É a poupança das famílias que está em jogo. Claro que Lula sabe disso.

Em segundo lugar, essa dívida existe porque governos irresponsáveis do passado, entre os quais os governos do PT merecem o ponto mais alto do pódio, torraram dinheiro como se não houvesse amanhã. Reformas que poderiam mitigar a situação, como a da Previdência e a Administrativa, sempre foram impiedosamente bombardeadas pelo PT. Os “banqueiros” financiaram a festa petista. Claro que Lula sabe disso.

Lula afirma que “um governo sério não precisa de teto de gastos”. De fato, não precisa mesmo. Por isso, um teto para os gastos é essencial para que um novo governo do PT não signifique uma catástrofe econômica para o Brasil. Lula pode afirmar que, em seu governo, o país produzia superávits primários. Verdade. Só não vai lembrar que a semente do desastre do governo Dilma, com um descontrole total das finanças públicas e a maior recessão da história do Brasil, foi plantada em seu governo. Dilma apenas colheu o que ela e Lula plantaram no segundo governo Lula. Claro que Lula sabe disso.

Lula sabe que os banqueiros são seus parceiros, que a dívida pública não surgiu do nada e é o lastro da poupança das famílias, que Dilma não foi um desastre nascido de geração espontânea. Lula sabe de tudo isso, mas discursa como se não soubesse, com o objetivo de animar o seu próprio público. O resultado é esse discurso que transpira hipocrisia, mas que é saudado pelas esquerdas como uma esperança de redenção.

Como tudo o que Lula diz, seu governo será melhor se ele fizer o justo oposto. Claro que Lula sabe disso.

Todo mundo é fascista

Lula quer devolver o “fascismo” ao esgoto da história.

Resgatei um trecho de um texto publicado em um blog que apoia Lula. Por gentileza, leia esse pequeno trecho antes de continuar.

Parece referir-se a Bolsonaro, certo? Pois é. Esse trecho não é de hoje. Foi escrito por Luís Nassif em 2010, e se referia, pasmem, ao ”fascismo” de ninguém menos que FHC!

A palavra fascismo foi gasta pelo PT, não serve para mais nada.

Taxonomia do passapanismo

As reações dos lulistas às declarações do divino sobre o conflito na Ucrânia são muito úteis, pois nos permitem fazer uma taxonomia do “passapanismo”, de resto comum a bolsonaristas e a todos os que têm políticos como ídolos incontestes. Vejamos.

O primeiro grupo, que vou chamar de “tiro no pé”, concorda com o que foi falado, mas lamenta que tenha sido falado, pois dá munição para os adversários e atrapalha a “estratégia eleitoral”.

Dos três, este é o grupo mais cínico. Paulinho da Força simbolizou esse grupo, ao recomendar a Lula “esquecer” a questão da reforma tributária, que uma vez eleito ele mesmo, Paulinho, resolveria no Congresso. Esse grupo quer mostrar uma versão edulcorada do candidato para consumo dos sociais democratas.

O segundo grupo é composto por aqueles que concordam com as declarações e atacam os críticos por não concordarem. Chamo esse grupo de “sou sujo mesmo, e daí”? No caso em tela, Reinaldo Azevedo e Kennedy Alencar representam esse grupo, ao terem coragem de dar as caras e defenderem em público as mesmas posições de Lula, afirmando que é isso aí mesmo, não está contente vai buscar outra freguesia. Pelo menos, este grupo não sofre de cinismo, e chafurda na lama junto com seu mestre.

Por fim, o terceiro grupo, ao contrário dos dois primeiros, não concorda com as declarações, mas criticam os críticos por coisas como “tirar a fala do contexto” ou “colocar palavras na boca”. Chamo este grupo de “boa-vontadistas”, em referência à “boa-vontade” que faltaria aos críticos ao analisar as falas de seu político de estimação. Símbolo desse grupo é Marco Aurélio de Carvalho, coordenador daquele grupo de advogados pela impunidade, o Prerrogativas, que afirmou, em reportagem de hoje, que faltaria “generosidade” aos críticos para perdoar as falas do seu candidato. Dos três grupos, esse é o mais fofo, dá vontade de pegar no colo.

Acho que é isso. Espero que essa taxonomia do passapanismo seja útil durante essa campanha eleitoral.

O pop star

– O que deu na sua cabeça de convidar a Daniela??? Ela tá em fim de carreira, não vai atrair ninguém!

– Eu sei, mas foi a única que topou fazer o show de graça, porque o Lula ia estar aqui.

– E por que não foi atrás da Anitta? Ela também não gosta do Bozo, podia dar uma colher de chá aqui.

Ela não gosta do Bozo mas gosta de dinheiro, e não tínhamos como pagar o cachê nem do carregador das malas dela.

– Ok, depois do fim do imposto sindical, o caixa não dá nem pra comprar pão com mortadela, quanto mais pra contratar a Anitta. Mas o barato acaba saindo caro. E agora, o que vamos fazer? A praça tá vazia, a Daniela vai ficar pau da vida.

– Já sei! Vamos atrasar o show para depois da fala do Lula. O cabra vem, faz o discurso, e depois o pessoal vai ficando para o show.

– É, acho que pode dar certo. Avisa a produção que a Daniela vai entrar só depois do Lula. Espero que ele não atrase muito.


Você achou essa versão do que aconteceu ontem na Praça Charles Miller uma viagem? Pois saiba que foi exatamente essa a versão contada pela “repórter” de uma página chamada “Tab UOL”.

Além da versão “Lula Pop Star”, a “reportagem” nos trás outros detalhes picantes do encontro:

– Havia muito mais diversidade na Praça Charles Miller do que na Avenida Paulista, o que foi ilustrado com a foto de um casal gay. Fico cá imaginando a “repórter” fazendo uma espécie de censo nos dois lugares, de modo a dar base para essa afirmação.

– José Dirceu estava no meio do público tirando selfies. Aproveitou para criticar o deputado Daniel Silveira por crimes contra a democracia. Pelo menos, a “repórter” lembra que Dirceu foi condenado no mensalão e na lava-jato, mas não perdeu a chance de registrar a fala de uma senhora: “ele é muito corajoso mesmo de estar aqui”. Obviamente, nem a “repórter” e nem mesmo a senhora alcançaram o sarcasmo dessas palavras.

– Quando Lula chegou, gritos de “lindo” e “maravilhoso” vinham da plateia. Eram algumas senhoras que estavam com cervejas geladas na mão. O detalhe da cerveja, claro, serve para fazer o contraste com as evangélicas da avenida Paulista, que não sabem curtir a vida.

– E o ponto alto da festa, que nenhum outro veículo nos reportou, em um lapso jornalístico imperdoável: Eduardo Suplicy subiu ao palco para dançar com o rapper Dexter e, no final, dar uma canja de “Blowing In The Wind”.

O discurso de Lula durou 15 minutos (detalhe importante que também nenhum outro veículo reportou). Para quem conhece Lula, 15 minutos é sinal de que ele estava ali tentando se livrar rapidamente do mico. Afinal, ele é candidato a presidente, não puxador de público para artista decadente. Lula já mandou avisar: da próxima vez, ou é a Anitta ou não contem com ele.

Essa gente

Entre 2009 e 2014, os governos Lula e Dilma injetaram mais de R$ 500 bilhões no BNDES. Com o dólar, em média, a R$ 2,00, isso significa algo como US$ 250 bilhões. Este dinheiro não foi utilizado para comprar comida para os pobres, garanto.

Mas não é sobre o dinheiro que quero falar aqui. Nem sobre essa idiotice de matar a fome do pobre dando dinheiro, coisa que nem o nosso “pai dos pobres” conseguiu fazer. Gostaria de focar no termo “essa gente”, usado por Lula.

Existe muita discussão sobre as origens da polarização no país. A palavra tem sido muito utilizada de 2018 para cá. Tive a oportunidade de escrever um post mostrando as estatísticas. Parece que Bolsonaro trouxe a polarização para o país, um conceito supostamente estranho até então.

O uso do termo “essa gente” é a prova acabada de que a polarização é obra de Lula e do PT. Bolsonaro foi apenas a “encarnação” “dessa gente”, que se constituía, até então, como uma massa amorfa que apanhava dia e noite dos campeões da virtude que orbitam o PT. O “eu odeio a classe média” de Marilena Chauí é o corolário natural da postura implícita na expressão “essa gente”. Ocorre que “classe média” não é Jeff Bezos, Joe Biden e Elon Musk. O cara da classe C, que se ferra dia e noite para equilibrar o orçamento, e que vê o fruto do seu trabalho sendo roubado por um assaltante ou pelo governo que usa o seu dinheiro para alimentar uma máquina de corrupção, se inclui no “essa gente”. Esse sujeito acabou nos braços de Bolsonaro.

“Essa gente” é a tradução perfeita de quem se vê acima dos outros homens, arrotando uma superioridade moral que fede a hipocrisia. É bom que Lula continue falando bastante, pois talvez tenhamos esquecido o quanto seu discurso envenenou o ambiente político do país. Já escrevi aqui, e repito: o sucesso de Bolsonaro é o resultado desse discurso.

Aqueles que “podem fazer escolhas”

Pedro Fernando Nery cai na provocação de Lula e se pergunta: será que nosso problema é que a “classe média” (definida pelo colunista como “aqueles que podem fazer escolhas”) consome demais?

Antes de começar, quero dizer que gosto dessa definição, aqueles que “podem fazer escolhas”. No mais miserável barraco da mais miserável favela brasileira você vai encontrar TV e celular. São escolhas, e essas pessoas entram na definição de Pedro Nery para a “classe média”. Sigamos.

Para início de conversa, é preciso reconhecer que, sem poupança não há investimento e, sem investimento, não há crescimento econômico. Este é o mais puro “supply side economy”, justamente o inverso do que Lula e sua camarilha econômica sempre propuseram, que o dinheiro “na mão do pobre” vira consumo e o consumo impulsiona o crescimento. Ciro Gomes pega bem essa contradição, ao chamar de “nacional-consumismo” o modelo econômico do PT, em contraponto ao seu “nacional-desenvolvimentismo”.

Mas voltemos à questão: o brasileiro “que pode fazer escolhas” consome demais? O que seria esse “consumir demais”? Lula refere-se à “ostentação” da classe média (vamos esquecer por um momento o relógio de R$80 mil que o pai dos pobres humildemente ostentava). Pedro Nery refere-se ao pouco gosto que “aqueles que podem fazer escolhas” têm pelo ato de poupar. Somos um país de consumistas.

Isso é verdade. Nosso nível de poupança é dos mais baixos do mundo. Mas o grande despoupador chama-se governo. No breve período de 15 anos em que fabricamos superávits primários (deve ter sido o único período na história do Brasil), usamos esta poupança para pagar os juros da dívida, fruto da despoupança dos anos anteriores. E, desde 2014, temos produzido novamente déficits primários. E de onde vem essa poupança que serve para pagar os juros da dívida e o déficit primário? Sim, vem da poupança dos que “podem fazer escolhas”.

O incentivo à poupança é baixo no Brasil. Temos uma história marcada por confisco e constantes surpresas inflacionárias. Assim, as pessoas que “podem fazer escolhas” escolhem consumir hoje a guardar o dinheiro para um amanhã que não sabem se vai chegar. Somos uma sociedade consumista, a começar do governo, o maior consumidor de todos.

Lula crítica a “ostentação” da classe média por motivos ideológicos. Ele mesmo deve achar esse discurso uma bobagem, mas falando aos seus, divide o mundo em “burguesia” e “proletariado”, sendo que seu partido é a vanguarda do proletariado. É permitida à vanguarda usar um relógio de R$80 mil, na medida em que está trabalhando para a libertação do proletariado de seus grilhões. “Ostentação” é uma categoria que se aplica somente à burguesia, que trabalha para a manutenção de seus privilégios. Pedro Nery toma esse discurso de Lula como uma chamada à poupança. Nada mais longe da realidade.

O print é eterno

Lula tuitou hoje, afirmando que o debate com Alckmin era civilizado, sobre programa de governo.

O problema para Lula é que o print é eterno. Abaixo vão vários exemplos do debate “civilizado” entre Lula e Alckmin, focados exclusivamente em “programas de governo”, e relembrados nas respostas ao tuíte do ex-presidiário.

O PT desaparecerá após Lula

Em qualquer pesquisa que se faça, o PT aparece como o partido que, de longe, tem a maior preferência do eleitorado brasileiro. Também aparece como o partido de maior rejeição. Arriscaria dizer que o PT é o único verdadeiro partido brasileiro, sendo que a política brasileira, desde a redemocratização, gira em torno do partido: ou se é petista, ou se é anti-petista. Aqueles que não são nem uma coisa nem outra tampouco têm partido de preferência.

Lula fundou o PT e mantém o partido sob mão de ferro. Esse domínio sobre o único partido brasileiro foi mantido inclusive durante suas férias na carceragem da PF de Curitiba. Políticos do PT e de vários outros partidos (quer dizer, filiados a alguma sopa de letrinhas) não arriscavam nenhum passo sem beijar o anel do capo.

Aliás, o petismo é muitas vezes chamado de “lulopetismo”, em referência ao seu fundador, tal a simbiose entre o criador e a criatura. Muitos colocam Lula na mesma altura de Getúlio Vargas, ainda que lhe falte a obra do ditador, como a CLT e a Petrobras, que sobreviveram (e ainda sobrevivem) décadas após a sua morte. Talvez o bolsa-família seja o legado de Lula que sobreviverá ainda por décadas, mas não há como comparar.

De qualquer forma, é inegável que Lula exerce, para a esquerda brasileira e, porque não dizer, latino-americana, esse papel de Messias, o ungido para levar a redenção às massas. E do ungido não se pode esperar nada a não ser a mensagem da salvação. Não há pecado, e o que aparenta serem erros são apenas interpretações equivocadas de seus atos, que são sempre puros.

No entanto, ao contrário do que ocorre na Argentina, onde o peronismo sobrevive firme e forte até hoje, o getulismo praticamente morreu junto com Getúlio. Os presidentes eleitos após a sua morte (Dutra, Juscelino e Jânio) nada tinham a ver com o seu legado. Jango e Brizola tentaram manter o getulismo vivo, sem sucesso.

Arrisco dizer que o mesmo ocorrerá quando Lula se mudar para outro plano (deixo a critério de cada um especular se mais acima ou mais abaixo do atual). O lulopetismo morrerá com Lula, e o PT será apenas uma sombra do que é hoje. O brasileiro não é como o argentino, gostamos dos vivos, não dos mortos. A Recoleta, cemitério de Buenos Aires onde descansam personalidades da história argentina, é um ponto turístico da cidade. É lá que se dá o culto a Evita, símbolo maior do peronismo. Aqui, o túmulo de Getúlio Vargas está esquecido em algum canto.

Este post me foi inspirado por um excelente artigo de meu companheiro do blog Papo de Boteco, Marcio Herve, “Lula emburreceu a esquerda brasileira. E isso é ruim prá todo mundo”. Sua tese é que a esquerda brasileira, antes repleta de inteligência, tornou-se uma massa bovina que segue Lula acriticamente. Sua capivara não foi suficiente para essa esquerda questionar os pressupostos do lulopetismo, com raras exceções (consigo pensar em Eduardo Jorge, por exemplo). A derrota nas eleições de 2018 fez surgir uma pequena onda de auto-crítica por parte de alguns simpatizantes, ainda que dirigida mais à desconexão do partido com as pautas realmente populares do que aos “malfeitos” dos seus dirigentes (lembro do discurso de Mano Brown às vésperas das eleições em um evento do partido, por exemplo). Mas esse movimento foi como onda que quebra na areia e desaparece. Lula decretou que não há do que se arrepender, e o rio voltou ao seu leito.

Agora, engana-se o meu amigo Marcio Herve se pensa que a passagem de Lula dessa para a melhor servirá para recuperar a inteligência da esquerda de que ele tanto sente falta. Isso pode ser verdade até o surgimento de um novo Messias, convencido de seu carisma divino. Sempre aparece um, e estamos sempre prontos a entregar nossos destinos nas mãos daquele que sabe o caminho. E isso vale também para a direita, igualmente pronta a acreditar no primeiro que promete o paraíso aos “homens de bem”. É necessária uma boa dose de ceticismo para não se deixar seduzir. Ceticismo este que pode ser confundido, não sem uma dose de razão, com a falta de idealismo dos que estão sempre criticando sem apontar soluções. Bem, este é o preço da liberdade de pensamento, que nos permite criticar o que achamos errado e elogiar o que achamos correto, sem ficarmos presos aos dogmas de uma seita.