Digna de dó

Os analistas e colunistas políticos ainda estão lambendo as feridas dos últimos dias 7 e 12. Hoje, temos a inefável Eliane Catanhêde dando lições de moral ao MBL/Vem Pra Rua e ao PT. Sua tese: está na hora da união das oposições a Bolsonaro, o inimigo comum. É hora de deixar ojerizas de lado e não é hora de pensar nas eleições. Há que reconhecer que a colunista não está sozinha nesse tipo de “raciocínio”.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, Catanhêde afirma que a manifestação do dia 12 foi esvaziada porque o PT não participou. Esta seria uma demonstração inequívoca de como a desunião prejudicou o objetivo, que é tirar Bolsonaro. Só tem um detalhe errado nesse “raciocínio”: a realidade. Se somarmos a manifestação de petistas no próprio dia 7 com a manifestação do dia 12, não deve resultar em mais do que 10% da manifestação bolsonarista. Catanhêde deve ter problemas com matemática.

Em segundo lugar, uma manifestação da “terceira via” não pode, por construção, abraçar-se a Lula. Senão, não é terceira via, faz parte da órbita do PT. A ideia por traz do “todos contra Bolsonaro” é tirá-lo do segundo turno, sobrando Lula e um candidato da chamada terceira via. O problema está, novamente, na matemática: virar votos suficientes de pessoas que iriam votar em Bolsonaro no primeiro turno para um candidato que se abraça com Lula. Haja esperança.

Digamos, por hipótese e no limite, que Bolsonaro fosse afastado do cargo e se tornasse inelegível. Será que seus eleitores iriam escolher algum candidato da “terceira via”, que ocupou o mesmo palanque de Lula, no primeiro turno? Ou será que votariam em outro outsider que emulasse o capitão? Que tal Eduardo Bolsonaro para presidente?

É neste ponto que, na minha avaliação, erram analistas como Catanhêde: não existe isso de “as eleições nós vemos depois”. Lula não desceu do palanque um segundo sequer durante a sua presidência. Desde o início, ao chamar de “herança maldita” o legado de FHC, Lula fez campanha eleitoral. Ele sabe como ninguém que todos os atos de políticos compõem um quadro que será cobrado em eleições futuras pelos eleitores. Não existe isso de “pensar no Brasil”. Tanto é assim que é pouco provável que todos esses candidatos da chamada “terceira via” abrirão mão de suas respectivas candidaturas na hora do vamos ver. Todos estão em campanha eleitoral.

Em uma coluna que vai ficar para a história, Catanhêde sugeriu a Lula que tivesse a grandeza de desistir da candidatura à presidência, colocando-se como candidato a vice. Lula, com toda a delicadeza que lhe é peculiar, sugeriu que ela parasse de escrever bobagens. Quem disse que não dá para concordar com Lula em alguma coisa?

Caminho certo para a irrelevância

Era 08/03/2015. Estávamos na festa de aniversário do meu sobrinho, no salão de festas do prédio onde mora o meu irmão, na Pompeia (bairro de classe média em São Paulo), quando minha cunhada chama a atenção para um fato inusitado: um panelaço rolava solto no bairro. A então recém-eleita Dilma Rousseff estava na TV, fazendo um pronunciamento pelo dia da mulher. Espontaneamente (eu pelo menos não lembro de nenhuma convocação para aquele panelaço), as panelas diziam Fora Dilma! Uma semana depois, uma manifestação monstro, que colocaria o evento de 07/09 no chinelo, tomou conta da Paulista. Aquele panelaço foi o primeiro ato popular que desaguaria no impeachment de Dilma, cerca de 1 ano e 1 mês depois.

O que leva as pessoas às ruas? Pode-se desfiar aqui uma série de motivos, mas eu resumiria em um só: indignação. As pessoas precisam estar suficientemente indignadas com alguma coisa para se disporem a largar o conforto de seu sofá e juntar-se a uma manifestação política. Nesse sentido, podemos deduzir, avaliando as manifestações de ontem, que são poucos os que estão suficientemente indignados com o governo Bolsonaro.

Os analistas políticos confundem avaliação ruim com indignação. A avaliação do governo Bolsonaro é ruim e vem piorando. Mas isso não é suficiente para levar as pessoas às ruas. É preciso mais do que isso. Alguns dirão: “mas trata-se de um governo que tem quase 600 mil mortes na sua conta!”. A julgar pela adesão às manifestações, essa conta não é de Bolsonaro, ou exclusivamente de Bolsonaro. “Mas é a nossa democracia que está em jogo!”. Sério que alguém acha que o povo vai sair pras ruas pra defender os nossos “poderes constituídos”?. Conta outra.

As manifestações de ontem, a apenas um ano das eleições, deveriam ter enterrado de vez qualquer ilusão de que um impeachment é possível. Não há indignação suficiente na sociedade para que isso aconteça. Diagnósticos como “a oposição se dividiu” ou “a carta de Temer tirou o senso de urgência” só servem como autoengano. Para piorar, notinha de jornalista engajado tentou amenizar o desastre, dizendo que o palanque esteve cheio de “pesos-pesados” da política, sem notar que isso só piora a situação. Primeiro, porque tira a espontaneidade da manifestação. E, segundo e principalmente, estes tais “pesos-pesados” demonstraram que sua presença faz pouca ou nenhuma diferença.

O fato nu e cru é que não há adesão popular à tese do impeachment e, a um ano das eleições, não há tempo hábil para construí-la. Se depois de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos o povo não está indignado a ponto de sair para as ruas, fariam bem as oposições em começar a pensar em uma estratégia alternativa. Nesse sentido, o PT jogou o seu jogo: com a desculpa de que não iria se misturar com seus algozes, Lula e seu partido não se associaram a um evento que, já sabiam de antemão, seria um fracasso de público e renda. Além, é claro, de não lhes interessar em nada um impeachment de Bolsonaro.

A julgar pelas falas dos “políticos pesos-pesados” presentes neste domingo, a luta pelo impeachment continua, e vão procurar atrair o PT para essa “luta”. Se a estratégia tem como objetivo continuarem irrelevantes e cevarem o caminho de um 2o turno entre Lula e Bolsonaro, estão no caminho certo.

O dia em que o MBL virou #elenão

As manifestações do dia 12 caminhavam para um retumbante fracasso. Só isso pode explicar como uma manifestação que tinha como objetivo demonstrar a viabilidade de uma terceira via abrir os braços para os lulistas. Este é o dia em que o MBL virou #elenão e, a exemplo de FHC, apertou a mão de Lula. Vai ganhar alguns balões e perder o apoio de quem sinceramente deseja uma terceira via. Não consigo pensar em alegoria melhor para ilustrar a inviabilidade de uma terceira via.

A moral superior

Minha esposa está fazendo uma pós-graduação em psicopedagogia no Mackenzie. Um dos trabalhos previa entrevistar o coordenador pedagógico de uma escola pública. O grupo do qual minha esposa fazia parte entrou em contato com uma determinada escola, via diretoria. Marcada a entrevista, no dia combinado, começou a reunião por videoconferência. Por algum motivo, a coordenadora não havia sido informada que o grupo era do Mackenzie. Ao saber deste detalhe, deu por encerrada a reunião. Segundo a moça, ela não poderia colaborar com uma escola da qual saiu o ministro da Educação de um governo genocida.

Quando vi as cenas abaixo, lembrei-me desse episódio. O que aquela moça fez foi uma espécie de depredação, levada pelos mesmos sentimentos que moveram esses vândalos. Eles, como ela, se acham autorizados a fazer o que fizeram, em uma cruzada do bem contra o mal.

Deus nos livre da intolerância dos moralmente superiores, de qualquer coloração.

O povo não-militante

Existe uma parte da população chamada de “maioria silenciosa”, a que eu também chamo de “povo não militante”.

O “povo não militante” é aquele que não milita, ora pois. É o sujeito ou a sujeita que prefere ficar em casa ou passear no fim de semana, curtir o descanso com a família, ao invés de dirigir-se a manifestações políticas. Não que não goste de conversar sobre política, ou não dê seus palpites sobre o assunto nas redes sociais. Mas para tirá-lo de casa, precisa bem mais do que uma “convocação”. A coisa tem que estar realmente séria. Em 2015/2016, o “povo não militante” foi para as ruas, sinal de que a coisa tinha ficado realmente séria.

As atuais manifestações, tanto a favor como contra Bolsonaro, são coisa de “povo militante”. O “povo não militante” ainda encontra-se em casa. Estas manifestações contra Bolsonaro têm a pretensão de se mostrarem apartidárias, de representarem uma “frente ampla”. Lembram as manifestações #elenão nas vésperas das eleições de 2018. Sob a capa de um movimento rechaçando Bolsonaro, tínhamos, na verdade, a militância do PT e seus satélites. Agora não é diferente: as manifestações deste fim de semana foram convocadas pela Frente Brasil Popular, Povo Sem Medo e sindicatos, todos satélites do PT.

MBL e Vem Pra Rua, movimentos que são hoje oposição a Bolsonaro, tiraram o corpo fora dessas manifestações. Eles lideraram, em 2015/16, o “povo não militante”. Que ainda não vê motivo para sair do sofá.

Tela azul

Segundo relato feito por um oficial da PM de Pernambuco, a ordem para dispersar a manifestação contra Bolsonaro foi dada em obediência a um decreto do governo de Pernambuco, que proíbe aglomerações.

O último decreto do governo de Pernambuco sobre restrições de atividade é o 50561, de 23/04/2021. O seu artigo 8o veda qualquer tipo de evento, em ambiente aberto ou fechado, com ou sem venda de ingressos.

Claro, podemos aqui entrar em uma discussão bizantina a respeito da natureza do manifestação anti-Bolsonaro, se é ou não um evento social abrangido pela lei. É a mesma discussão a respeito da participação de Pazuello em um comício de Bolsonaro. Pazuello jura que era só um evento social, os manifestantes podem jurar que não se tratava de um evento social. No fim, se perde a essência da lei, que, no caso de Pernambuco, é o de evitar aglomerações.

Então, temos o seguinte: a PM de Pernambuco agiu para cumprir a lei de distanciamento, lei essa defendida pelos mesmos manifestantes que foram protestar contra Bolsonaro, o qual, por sua vez, é contra essa lei.

Tela azul.

Para fechar o quadro, resta saber porque a PM de Pernambuco foi tão zelosa na aplicação da lei contra os manifestantes anti-Bolsonaro, na mesma medida em que aparentemente foi leniente quando se tratou de manifestações pró-Bolsonaro.

Democratas de fancaria

“Como todos os brasileiros e brasileiras sabemos da profundidade dos desafios que nos convocam nesse momento. Mais além deles, do imperativo de superar o colapso do nosso sistema político, que está na raiz das crises múltiplas que vivemos nos últimos anos e que nos trazem ao presente de frustração e descrença.”

Esse é um trecho do manifesto anti-Bolsonaro, assinado por petistas e outros democratas.

Do jeito que vem escrito, parece que o tal “colapso do nosso sistema político” foi causado por, sei lá, uma invasão marciana ou quem sabe por um vírus letal que se espalhou pelo sistema político brasileiro. Não tem autor, vejam só vocês. Simplesmente aconteceu. Foi um desastre natural de grandes proporções que vitimou a sociedade brasileira.

Enquanto esses intelequituais não reconhecerem que a lama em que nos encontramos aconteceu por obra e graça do presidiário de Curitiba, dou-me o direito de desconfiar das intenções desses democratas de fancaria.