O mistério da fama de Marielle

Você já ouvi falar de Kleber Ferreira da Costa, Aguinaldo Carvalho de Aguiar e Aldecyr Maldonado? Não?

Kleber Ferreira da Costa (PL) era vereador do município de Paulo de Faria (SP). Foi assassinado em julho de 2023.

Aguinaldo Carvalho de Aguiar, conhecido como Aguinaldo Promissória (União) era vereador do município de Santarém (PA). Foi assassinado em setembro de 2023.

Aldecy Maldonado (PL) era vereador do município de São Gonçalo (RJ). Foi assassinado em novembro de 2023.

E de Rosa Fernandes (PMDB), já ouviu falar? Rosa foi eleita vereadora no município do Rio de Janeiro em 2016 com 57.868 votos. No mesmo pleito, Marielle Franco (PSOL) recebeu 46.502 votos. Com um detalhe: Rosa obteve seus votos na região do Irajá, enquanto o grosso dos votos de Marielle veio das lindas praias da Zona Sul da cidade.

Rosa Fernandes foi assassinada? Não. E, por isso, continua sendo uma ilustre desconhecida. Mas para ser um ilustre conhecido basta ser assassinado? Também não, como provam os três exemplos acima. Então, por que cargas d’água a figura de Marielle Franco não sai dos noticiários há 5 anos?

E não só. Sua irmã, Anielle Franco, foi guindada ao posto de ministra de Estado, com base em um curriculum em que a linha mais reluzente é ser irmã de Marielle. (E nem vou falar aqui da sinecura no Conselho da Tupy, que seria uma indelicadeza).

O editorial do Estadão desconfia que todo esse foco no caso tem fins mais políticos do que propriamente policiais. Eu conto ou vocês contam?

Pontas soltas

Ontem fiquei pensando nas pontas soltas dessa história do porteiro. O Estadão descreve-as no quadro acima. Resumindo:

1. Por que o porteiro mentiu em algo tão facilmente verificável? Será que ele mentiu? Ou foi pressionado a mentir? Se sim, por quem? Ou será que ele simplesmente se enganou?

2. Bolsonaro, Toffoli, Aras e provavelmente meio mundo em Brasília já sabiam dessa história desde o dia 10. A coisa era facilmente refutável. Porque precisou a Globo jogar a farofa no ventilador, 19 dias depois, para que viessem os óbvios desmentidos, já que a história não para em pé?

Para o primeiro ponto, a resposta parece simples: o porteiro pode ter sido ameaçado por milicianos a falsificar seu testemunho. Colocar o nome do presidente no jogo seria uma forma de embolar as investigações, o que interessaria aos investigados. A coisa, no entanto, foi muito amadora para profissionais do crime, dado que era uma mentira facilmente verificável. Fica a questão: por que tentaram um expediente tão ingênuo? Bolsonaro acusa Witzel de ter forçado o delegado do caso a incluir o depoimento com o objetivo político de incrimina-lo. Parece também uma versão fantasiosa, mas vai saber.

O segundo ponto é ainda mais misterioso para mim. As mais altas autoridades da República sabiam dessa história há quase 3 semanas, uma história comprovadamente falsa mas explosiva, e deixaram a coisa em banho-maria. Por que?

Esse “banho-maria” pode explicar o vazamento do inquérito para a Globo. Alguém do MP-RJ ou da própria equipe de investigação, inconformado com a demora do processo em Brasília ou com algum interesse ainda a ser esclarecido, vazou a coisa para a Globo.

Bolsonaro ficou tremendamente irritado não com a história em si, mas com o vazamento e com a publicidade dada pela Globo. Ele sabe que, apesar de ser uma mentira deslavada, a simples associação de seu nome com o caso Marielle é explosivo. Talvez esta seja uma explicação para entender a demora em Brasília: por mais que fosse mentira, as altas autoridades sabem que se trata de assunto muito delicado.

Bem, em resumo: tem muita ponta solta nesse assunto ainda para pular para conclusões definitivas. A Globo, nessa história, só serviu como correia de transmissão de interesses, tendo ela própria seus interesses. O mundo é muito mais complexo do que um super-inimigo contra um super-amigo. Nós, na planície, temos pouca informação para julgar. O que significa que nesse angu ainda vai aparecer caroço para todos os gostos.

O maior espetáculo de hipocrisia da Terra

Como sabem, a Mangueira foi campeã do Carnaval do Rio, cantando as glórias de Marielle Franco. A distância foi de 0,3 pontos sobre a segunda colocada. Se alguém acredita que é possível distinguir uma escola de outra por 0,3 pontos em 300 possíveis, parabéns. Uma outra hipótese é de que o tema teve influência decisiva na escolha da campeã. É apenas uma hipótese.

Marielle foi eleita com votos da Zona Sul do Rio. Isso não é figura de linguagem, aconteceu assim mesmo: suas maiores votações foram nas zonas 17, 206 e 252, que engloba Gávea, Ipanema, Copacabana, Leblon e Lagoa. Enquanto a vanguarda do proletariado estava elegendo Marielle, o proletariado mesmo estava votando em Crivella. Seria interessante fazer um censo entre os passistas da escola e descobrir quantos votaram em Marielle, ou mesmo no PSOL, o seu partido. Mas para ganhar o Carnaval nada como seguir a agenda da Zona Sul carioca.

O presidente da escola, deputado estadual, está preso em uma investigação sobre corrupção na Assembleia Legislativa. Todo apoio da Escola ao seu presidente. Afinal, o tema foi Marielle, não a corrupção que assola a política do RJ. Como se as duas coisas não estivessem interligadas. É o maior espetáculo (de hipocrisia) da Terra.