Lorotas críveis

Luis Eduardo Assis descreve com rara precisão a dinâmica do mercado financeiro. Já escrevi muito aqui sobre a natureza do mercado e seus atores, mas não sobre como os seus operadores tomam decisões. Assis compara o mercado com uma ”sala de espelhos”, em que cada operador procura antecipar a decisão de seus pares. Trata-se, eu acrescento, de uma competição, em que os operadores tentam vencer seus adversários, atraindo, assim, mais recursos do dono do jogo, o investidor. É este, em última instância, o responsável pelos incentivos que comandam os movimentos do mercado.

Assis afirma, cinicamente, que o mercado está disposto a acreditar em qualquer “lorota crível”, o que é a mais pura verdade. Para entender o que ele quis dizer, será útil recordar a dinâmica da crise do subprime, em 2008, brilhantemente retratado por Michael Lewis no livro The Big Short, e que se transformou no filme A Grande Aposta.

Lewis conta como um punhado de operadores do mercado notou que havia algo de podre no mercado imobiliário norte-americano, e começou a apostar contra. Especificamente Michael Burry, gestor de um hedge fund chamado Scion Capital, começou a fazê-lo já em 2005! Ele estava correto em seu diagnóstico, mas as suas apostas só começaram a dar frutos quase 3 anos depois. Resultado: ele quase quebrou antes de poder mostrar que estava correto. Os donos do jogo (os investidores) não entendiam aquela aposta e pressionavam o gestor para ter o seu dinheiro de volta. O final da história foi feliz (para ele), mas, na maior parte das vezes, não é assim.

De modo geral, os investidores não têm paciência ou estômago para ir contra a tendência geral do mercado, e é esse incentivo que é dado para os operadores. São poucos os operadores que têm o poder que tinha Michael Burry, de fechar o seu fundo para resgates. Assim, o operador pode até estar correto em sua visão, mas de nada adianta se não tiver mais patrimônio para gerir, porque foi tudo resgatado.

Um jornalista da Globo News chamou o mercado de bolsonarista. Ele certamente esqueceu que a bolsa subiu durante 5 anos seguidos, entre 2003 e 2007, quando Lula era bom em contar “lorotas críveis”. E, mesmo quando os sinais de que a vaca da economia já apontava para o brejo que seria o governo Dilma, Lula emplacou a maior capitalização da história até então. O mercado, mesmerizado pelo pré-sal, entrou de cabeça na capitalização da Petrobras, fechando os olhos para os truques contábeis e o uso declarado da Petrobras para fazer a política industrial do governo petista. Quem apostasse contra estava arriscado a ficar “de fora da festa”, em mais uma demonstração da sala de espelhos mencionada por Assis.

Ocorre que a realidade, no final, sempre se impõe. Quando começa a ficar claro que o desastre se avizinha, um a um dos operadores vão tirando seu time de campo, cautelosamente no início, atabalhoadamente no fim, gerando o efeito manada. Todos sempre balanceando o risco de ficar fora da festa com o risco de ser o último a ficar para pagar a banda e apagar as luzes. Os investidores, claro, não gostam de nenhuma das duas hipóteses.

“Lorotas críveis” fazem o papel do DJ que anima a festa. No final, a realidade é incontornável, mas, até que chegue, investidores e operadores dançam conforme a música. Não, o mercado não é bolsonarista. O mercado só gosta de uma história bem contada.

Banqueiros, um inimigo conveniente

Quer ganhar alguém para a sua causa? Coloque “os banqueiros” como inimigos. É batata! Não há coisa mais demoníaca do que banqueiro.

Talvez seja uma herança dos tempos em que cobrar juros era considerado pecado. Ganhar dinheiro assim, sem fazer nada, aproveitando-se da necessidade do próximo, só podia ser coisa do demônio. Essa ideia medieval ainda sobrevive entre nós.

Lula não perde oportunidade de aproveitar-se da ojeriza natural do latino-americano médio aos banqueiros para defender suas ideias. Hoje não foi diferente. Ele diz que não vai tirar a comida da mesa do pobre pra pagar juro para banqueiro. Sim, Lula tem bom coração.

Essa fala de Lula tem dois erros assombrosos.

O primeiro é que os detentores da dívida pública (para quem o governo brasileiro precisa pagar juros) não se resumem aos bancos. Estes representam apenas 22% do total dos credores. Os restantes 78% da dívida estão nas mãos de fundos de investimento (25%), Fundos de Previdência (25%), Investidores Estrangeiros (13%), Seguradoras (5%) e Outros – incluindo Tesouro Direto (10%). Ou seja, pessoas físicas e jurídicas que depositam suas poupanças nas mãos do governo. Então, ao dizer que não vai “pagar juros para banqueiro”, Lula, na verdade, está dizendo que não vai pagar juros para mim, para você e para todos os que investem, direta ou indiretamente, em títulos públicos.

E aqui vem o segundo erro: o que Lula quer dizer com “não vou pagar juros?” Estará pensando em alguma forma de calote? Obviamente não é isso, mas esse tipo de fala, no limite, pode ser interpretado como uma espécie de ameaça. Se tem bicho mais covarde é investidor. Diante de qualquer ameaça, mesmo tênue, foge para um abrigo. Esse tipo de fala não contribui em nada com a tarefa hercúlea de rolar uma dívida pública de quase R$ 6 trilhões.

A demonização do credor da dívida (“o banqueiro”) é uma forma idiota de lidar com o problema criado pelo próprio governo. Afinal, ninguém obrigou os diversos governos brasileiros a tomarem dívida. Endividaram-se porque sempre há “necessidades sociais urgentes” a serem financiadas. O resultado é que pagamos de juros algo como R$ 800 bilhões por ano, 4 vezes mais do que o waiver pedido para gastar neste ano. E, cada vez que o voluntarismo populista se propõe a “resolver o problema dos pobres”, essa conta aumenta.

Não quer pagar juros? É simples: não se endivide. Claro, para isso é preciso que o governo gaste somente o que arrecada. Mas isso é pedir demais para governantes populistas. Mais fácil demonizar “os banqueiros”.

“Esse tal de mercado”

O que é esse tal “mercado”, que fica “nervoso” por nada? Se pudéssemos identificar o “mercado”, talvez pudéssemos levá-lo para algumas sessões de psicoterapia que o ajudasse a manter a calma e não surtasse por qualquer bobagenzinha. Isso só “atrapalha o Brasil”, como já disse o nosso quase ex-presidente, com o qual certamente o nosso futuro presidente concordaria em gênero, número e grau.

Ontem, um tarimbado comentarista da Globo News afirmou que o mercado é “bolsonarista” e, por isso, teria ficado “nervoso” com as falas de Lula. Essa é nova.

Mas o que é, afinal, esse tal “mercado”? O mercado, muitas vezes, é confundido com os seus operadores. A “Faria Lima”, sede de muitos bancos de investimentos e gestores de recursos, seria a encarnação do mercado. A questão é que os operadores cuidam do dinheiro alheio, e precisam prestar contas do bom retorno desse dinheiro. Desde o poupador em caderneta de poupança até o mega investidor em startups de tecnologia, todos querem o seu dinheiro de volta algum dia com algum retorno. E, do outro lado da mesa, desde o tomador de um pequeno empréstimo consignado até a grande empresa que emite uma debênture para financiar empréstimos de longo prazo, querem ter disponíveis linhas de crédito a taxas módicas. No meio, os operadores do mercado financeiro tentam juntar as duas pontas. Esse é o tal do “mercado”.

Ocorre que o governo, com sua dívida de quase R$ 6 trilhões, com 25% disso vencendo em menos de um ano, é, de longe, o maior player do “mercado”. Para se ter uma ideia, as operações de crédito dos bancos somavam, em setembro, R$4,7 trilhões. Ou seja, o montante de dinheiro que os bancos emprestam para empresas e pessoas físicas no país é menor do que o montante emprestado para o governo.

Como se não bastasse, o Estado é o monopolista da emissão do dinheiro. Então, além de ser o maior tomador de empréstimos do país, o governo, no limite, pode rodar a maquininha para “pagar” as suas dívidas, gerando inflação. Claro, há regras institucionais que impedem esse tipo de coisa, mas o que são “regras institucionais” em um país onde a lei não vale a tinta em que é escrita?

Portanto, o “mercado” fica ”nervoso” não porque tenha algum desvio psicológico ou porque seja bolsonarista, mas porque a metade do mercado que não é o governo não fica muito confortável com os movimentos e intenções do dono do jogo. Os operadores do mercado, confundidos com o próprio, apenas executam aquilo que seus patrões, os investidores, querem. No final do dia, tudo se resume a se proteger do governo e sua maior arma de destruição em massa: a inflação.

Para terminar, não posso deixar de registrar um curioso fenômeno sociológico: bolsonaristas que atribuíram o movimento de ontem às falas desastrosas de Lula, foram os mesmos que execraram o mercado quando os preços reagiram ao furo no teto de gastos ou às intervenções na Petrobras; e vice-versa, os mesmos petistas que atribuíam o nervosismo do mercado à irresponsabilidade do governo Bolsonaro, agora chamam o mercado de “bolsonarista” por ter tido a mesma reação diante das falas de Lula. Em ambos os casos, o “mercado” foi visto como “sabotador” ou como “arauto do desastre”, a depender do lado.

A coisa é muito mais simples: se o governo faz a coisa certa, o mercado compra; se o governo faz a coisa errada, o mercado vende. O resto é narrativa.

O preço da preservação da democracia

Os advogados do grupo pela impunidade Prerrogativas estão fazendo um “corpo-a-corpo” na “Faria Lima” para convencer o pessoal a não só votar em Lula, como a declarar publicamente o seu voto.

Chamou-me a atenção o argumento de que Lula tem capacidade de oferecer “segurança jurídica”, essencial para os “negócios”. Sem dúvida! Com Lula é assim: os “negócios” voltarão a poder ser feitos sem o receio de “perseguições” da justiça, as “prerrogativas” dos empresários de terem à disposição infinitas chicanas para a sua defesa serão respeitadas. E, se tudo o mais der errado, sempre teremos o STF.

Boa sorte ao pessoal em suas tentativas. Recomendo paciência, porque a “Faria Lima” já experimentou na pele o que é a política econômica do PT e não tem ilusão sobre o que Lula faria em um terceiro mandato. No final, a Faria Lima se adapta, cobrando taxas de juros mais altas e exigindo maior retorno sobre o capital. A “preservação da democracia” sai caro.

A ilusão da agenda auto-evidente

Nilson Teixeira é um economista respeitado pela Faria Lima. Ficou famoso quando, em 2012, à época no Credit Suisse, arrumou uma treta com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao prever crescimento de apenas 1,5% para aquele ano. Era um número muito menor que a média do mercado, e o economista foi espinafrado por Mantega. No final, o PIB cresceu 1,8% naquele ano, mostrando o acerto do economista.

Hoje, Nilson Teixeira publica um artigo com a seguinte tese: o presidencialismo de coalização está morto, na medida em que as emendas parlamentares se tornaram impositivas. Dessa forma, precisamos de um presidencialismo de conciliação, em que o convencimento político torna-se central para a execução dos planos do governo. E, continua a tese, Lula seria o candidato melhor preparado para esse novo arranjo, pois conseguiu congregar vozes diferentes em seu governo anterior e sinalizou abertura a outros pontos de vista com o namoro com Alckmin.

Tendo a concordar com Nilson: Lula, de fato, é o candidato mais preparado para fazer uma grande “conciliação nacional”, com STF, com tudo. Seus métodos já são conhecidos. Mas não é este o ponto a que eu gostaria de chamar a atenção.

Nilson Teixeira, e ele não está sozinho na Faria Lima nessa percepção, entende que existe uma agenda que se autoimpõe, os “ajustes necessários” e as “transformações no país”, em suas palavras, contariam com uma espécie de unanimidade nacional. Bastaria um “conciliador” que conseguisse coordenar os esforços políticos na direção já definida por essa unanimidade auto-evidente.

Obviamente, não é o caso. Lula e o PT têm uma agenda própria, que não se cansam de divulgar para quem tem ouvidos de ouvir. Como qualquer agenda, deverá ter resistências no Congresso, e Lula precisará usar todas as suas habilidades de “conciliação” para fazer avançá-la. Mas o importante é entender que essa agenda não contempla os “ajustes necessários” que estão na cabeça de Nilson Teixeira e dos farialimers. Pode até ser aprovada uma coisa ou outra dessa agenda para “acalmar os mercados”, mas a direção é claramente outra.

Enfim, parece-me que Nilson Teixeira sofre da ilusão de que os mercados acabam por levar os governos para a direção certa. Se assim fosse, não haveria políticas econômicas equivocadas. A Argentina é exemplo de país em que os mercados esgoelaram até ficarem roucos, e não impediram políticas insanas. A única forma de termos políticas econômicas racionais é eleger políticos convencidos das virtudes dessas políticas. O resto é exercício de self denial.

Uma contradição em termos

O Brazil Journal publicou uma entrevista com Guilherme Aché, fundador da Squadra, uma gestora de fundos de ações. Aché ficou famoso por levar o IRB às cordas, ao denunciar a manipulação de seus balanços. É um típico representante da famosa “Faria Lima”, o tal do mercado financeiro.

Abaixo vão dois trechos de sua entrevista. Certamente ele não notou a profunda contradição entre os dois.

No primeiro, ele lamenta que o investidor estrangeiro não esteja nem um pouco interessado na bolsa brasileira. Um desses investidores cita o clássico Why The Nations Fail para ilustrar o Brasil. E o que diz o livro? Basicamente, que as nações atingem diferentes graus de desenvolvimento porque algumas têm instituições que funcionam e outras não. O desenvolvimento não depende das “riquezas naturais” ou de um povo que “trabalha duro”. A riqueza das nações é função de instituições, tais como uma justiça que funciona para todos e respeito aos contratos e à propriedade privada. O que este estrangeiro quis dizer é que o Brasil, com suas instituições falhas, não vai chegar a lugar algum.

Vejamos agora o segundo trecho. De acordo com o gestor, Lula vai caminhar para o centro, vai escolher pessoas como Marcos Lisboa e Paulo Hartung para assessora-lo, e vai trazer o mercado para o lado dele. Com isso, a bolsa vai subir.

Não vou aqui entrar no mérito da probabilidade de isso, de fato, acontecer. E, se acontecer, é bem provável que o mercado se jogue no colo de Lula e a bolsa suba. Meu ponto é outro.

Há uma contradição em termos entre os dois trechos. O Brasil é visto pelo estrangeiro como um país não sério justamente porque esse é o país do “jeitinho” e do “sabe com quem está falando”. Em qualquer país sério (com instituições que funcionam) um partido como o PT já teria sido proscrito depois do mensalão e do petrolão. Não só isso não aconteceu, como Lula, que estaria preso em qualquer país com instituições funcionando, é favorito para ganhar as próximas eleições.

E nem acho que o problema seja este ou aquele ministro do STF, ou este ou aquele político. O ponto é que Lula conta com o apoio de quase 50% dos brasileiros, o que demonstra que nossas instituições são a cara do nosso povo e das nossas elites. Os operadores são contingenciais. Estes vão sair e entrarão outros. Mas as instituições permanecerão as mesmas.

O fato de um autêntico “farialimer” nem notar a contradição entre uma candidatura Lula e um país levado a sério pelos investidores estrangeiros só demonstra o buraco em que nos encontramos.

Fazendo a coisa certa

Nos últimos dias, vimos o bolsonarismo virando suas baterias para o mercado financeiro. Desde o próprio presidente, que chamou o mercado de “nervosinho”, passando pelo ministro da Economia, que afirmou que prefere não tirar 10 no fiscal para ajudar os “mais necessitados”, até as redes sociais, que estão acusando os que são contra o auxílio de serem os mesmos “liberais” que disseram para o povo ficar em casa.

O problema para os bolsonaristas é que, ao contrário das pessoas, não tem como cancelar o mercado. Pode xingar à vontade, o mercado estará lá, no dia seguinte, precificando as ações do governo. Trata-se de um “inimigo” de natureza diferente.

A maior parte dos brasileiros (o que inclui petistas e bolsonaristas, mas não só) acha que o mercado financeiro é um bando de meia dúzia de especuladores que ganham dinheiro às custas do sofrimento do restante dos brasileiros, incluído aí o presidente da república. Vou aqui procurar fazer um serviço de utilidade pública. Sabemos que o primeiro passo para resolver qualquer problema é diagnostica-lo corretamente. Vou procurar, neste post, definir a natureza do mercado financeiro. Dessa forma, o presidente e seus fãs poderão melhor enfrentar esse novo inimigo da pátria.

Para explicar o mercado, vou tomar como exemplo o dólar, mas o que vou explicar vale também para os juros e a bolsa. Como qualquer outro ativo, a cotação do dólar é fruto das negociações entre compradores e vendedores da moeda. Se há mais compradores do que vendedores, a cotação do dólar sobe, e vice-versa. Resta saber quem são esses compradores e vendedores e as suas motivações.

O senso comum atribui esse papel exclusivamente aos tais “especuladores”, seres das trevas que se reúnem em salas elegantes para manipular as cotações do dólar em seu próprio proveito. Os especuladores, de fato, existem, e abordaremos suas motivações por último. Antes disso, vamos discutir o papel de outros agentes na formação do preço do dólar, e que são muito mais importantes na tendência de longo prazo.

O primeiro agente são as empresas que dependem, de alguma maneira, do câmbio. Podem ser exportadores, importadores, multinacionais que recebem investimentos ou remetem dividendos. Há uma gama enorme de grandes empresas que se enquadram em alguma dessas categorias. Seus administradores estão o tempo inteiro avaliando o cenário para decidir se compram ou vendem dólares. Agora mesmo, por exemplo, as empresas exportadoras brasileiras não estão internalizando as suas vendas no exterior, preferindo manter os dólares lá fora. Ao fazer isso, não vendem dólares para comprar reais, o que ajuda a desvalorizar o real.

Um segundo agente são os próprios bancos que financiam as empresas que têm operações no exterior. Ao financiar essas empresas em dólar, os bancos podem tomar decisões sobre proteger ou não seus balanços da variação cambial.

Um terceiro agente são as pessoas físicas. Seja por motivo de viagem internacional, seja por quererem diversificar seu patrimônio em outras moedas, as pessoas físicas também compram dólares. O ministro da Economia, com sua offshore, é somente um exemplo. Uma outra forma de comprar dólares é aplicar em fundos com variação cambial no Brasil. Neste caso, o gestor desses fundos é obrigado a comprar ativos dolarizados, pressionando a cotação do dólar para cima.

E por falar em gestores de fundos, chegamos ao quarto agente, os especuladores propriamente ditos. Existem dois tipos de gestores de fundos: aqueles que fazem a gestão de fundos que têm necessariamente exposição ao dólar, e aqueles que usam o dólar somente para atividades especulativas, ou seja, procuram simplesmente lucrar com a variação da moeda.

O primeiro tipo é escravo do investidor: se o investidor escolheu um fundo cambial, cabe ao gestor somente comprar os dólares, sem discussão. Esse é o objetivo do fundo, e foi por isso que o investidor colocou seu dinheiro ali. Mas é o segundo tipo o de maior interesse aqui.

O gestor de patrimônio que usa o câmbio para tentar ganhar algum dinheiro é agnóstico. Isso quer dizer que tanto faz se o dólar sobe ou cai, o que interessa é estar na ponta certa quando uma dessas duas coisas acontecer. Esse gestor (que é o tal “especulador”) sabe que seu tamanho é minúsculo perto dos outros agentes (empresas, bancos e pessoas físicas em seu conjunto). Portanto, em um mercado gigantesco como o cambial, não há como sonhar em manipulação. O sonho do especulador é poder surfar a onda correta, seja de valorização ou desvalorização do dólar.

Para tomar suas decisões, o especulador procura antecipar o que os outros agentes vão fazer. Para isso, analisa os fundamentos que guiam as decisões de empresas, bancos e indivíduos. Sabemos que esses agentes, em países subdesenvolvidos, não costumam confiar muito em suas moedas. A desvalorização cambial nada mais é do que a desconfiança de que, no futuro, a moeda local estará depreciada, pela inflação, em relação à moeda estrangeira. Quando essa desconfiança aumenta, o real se desvaloriza.

Foi o que vimos na semana que passou. Mudar a regra fiscal de maneira casuística passa a mensagem de que o governo vai rodar a maquininha de imprimir dinheiro sempre que “imperativos políticos” prevalecerem. Assim, os tais “especuladores” somente estão procurando antecipar o que os outros agentes econômicos vão descobrir somente mais tarde. E pretendem lucrar com isso.

O governo quer acabar com a farra dos especuladores? Basta fazer a coisa certa. Assim, a inflação cai e o dólar também, punindo quem apostou no caos. E, para deixar claro, fazer a coisa certa não é demonizar o mercado nas redes sociais. O tal mercado não costuma se sensibilizar com isso.

Ser ESG custa caro

A ESG cancelou seu IPO.

Para quem não está familiarizado com essa sopa de letrinhas, explico. ESG é a sigla em inglês que denomina os esforços das empresas para cumprirem uma agenda de apoio a questões ambientais, sociais e de governança corporativa (Environment, Social & Governance). IPO é a abertura do capital de uma empresa na bolsa, através da oferta de suas ações para o grande público (Initial Public Offering).

Uma empresa de gestão de resíduos batizada com o sugestivo nome ESG tentou abrir o seu capital na bolsa, mas não encontrou compradores para as suas ações a um preço razoável. Desistiu.

Ao adotar a sigla ESG como o nome da empresa, seus dirigentes devem ter achado uma grande sacada surfar na onda de “investimentos conscientes” que tomou conta do mercado e, por que não dizer, da sociedade. Afinal, uma empresa ESG mereceria uma maior atenção e complacência por parte dos investidores, que topariam pagar mais caro para ter o nome ESG estampado em seus portfólios. Descobriram que os investidores ainda fazem conta e, como tudo, ser ESG tem um preço.

Este não é um evento isolado. A China anunciou metas agressivas de cortes de emissão de gases de efeito estufa. Com limitações na produção de energia decorrentes dessas metas, várias de suas cidades estão enfrentando apagões, prejudicando a produção da fábrica do mundo e espalhando o receio de uma desaceleração da locomotiva do planeta. Um dos motivos para a queda recente das bolsas é esse. Os investidores já começam a pensar se essas metas de redução de emissão não estão agressivas demais.

O preço do petróleo está nas alturas e continua subindo. Mesmo assim, o leilão de áreas de exploração da ANP foi um fracasso completo. Apesar de haver questões ambientais envolvidas, o fato é que os produtores de petróleo já começam a avaliar se vale investir na exploração do ouro negro em uma economia em transição energética. Sem investimentos em produção, o preço sobe. Resultado: gasolina mais cara. Como queremos um mundo melhor mas com gasolina barata, o governo vem se virando nos trinta para achar uma solução para os preços dos combustíveis.

Todo mundo é a favor do bem e contra o mal. Fala-se em conter o aquecimento global como se fosse o bem absoluto, um objetivo contra o qual somente empresas malvadas que visam o lucro acima de tudo se oporiam. O fato é que a transição energética envolve custos, e não somente para as empresas, mas para sociedade como um todo. Estamos dispostos a pagar mais caro pela energia e pela comida? Pois é disso que se trata.

O fracasso do IPO da ESG não poderia ser mais simbólico das dificuldades da agenda ambiental.

Acredita quem quiser

Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e respeitado consultor do mercado financeiro, bem longe de ser um petista comunista, aposta que o mercado vai preferir Lula a Bolsonaro, caso sejam essas as duas opções que restarem em 2022.

Lembro das eleições de 2006. Lula vinha de um primeiro mandato que, do ponto de vista econômico, havia sido um sucesso. Apesar de marcado pelo mensalão, o primeiro termo de Lula é sempre lembrado pelas suas medidas ortodoxas e pelo timaço de craques na Fazenda e no BC. Claro, teve a ajuda da China, mas o governo petista se ajudou, fazendo a coisa certa. Foi apenas no segundo mandato que o governo Lula mostrou a sua verdadeira cara, inchando o Estado, intervindo cada vez mais na atividade econômica e cevando o desastre que o governo Dilma iria colher.

Pois bem. Mesmo tendo sido um sucesso do ponto de vista econômico, a ida de Alckmin para o 2o turno, em uma eleição que, tudo indicava, seria vencida por Lula no 1o turno, fez com que o mercado, no dizer de um consultor político, ficasse alegre como “pinto no lixo”. Entre o Lula ortodoxo e Geraldo Alckmin, não havia dúvida sobre quem o mercado preferia.

Passaram-se 15 anos desde então. O mercado viu o 2o mandato de Lula, o Petrolão, as lambanças no BNDES e na Petrobras e, sobretudo, o desastre do governo Dilma, onde a agenda econômica do PT foi aplicada em sua plenitude. O mercado aprendeu nesses anos todos.

Pode ser que o mercado se deixe enganar pelos “sinais” enviados por Lula, e dê um voto de confiança no início de seu hipotético terceiro mandato. Além disso, o governo Bolsonaro pode estar sendo ruim para a atividade econômica, pela instabilidade institucional constante. Mas daí a tirar que o mercado preferirá, durante as eleições, um novo mandato petista, vai uma distância cósmica. Neste ponto, discordo de Mailson.

Para a economia, nada pode ser pior do que o programa de governo do PT. Cabe ao mercado acreditar que Lula jogará o programa do seu próprio partido no lixo, como fez provisoriamente no seu primeiro mandato. Acredita quem quiser.