A humanidade é imparável

Editorial do Estadão repercute estudo recente da OCDE, que calcula o custo de se evitar que a temperatura global aumente em mais de 1,5o, meta do acordo de Paris: nada menos do que 8% do PIB do planeta. Para quem acha que 8% é pouco, basta lembrar que tivemos uma presidente impichada porque, entre outras coisas, o PIB brasileiro contraiu-se em 8%. Não há político no mundo que assuma conscientemente esse custo.

É a primeira vez que vejo alguém (no caso, OCDE/Estadão) chamando a atenção explicitamente para os custos da transição energética. O mais comum é o contrário: análises e reportagens exaltando as grandes oportunidades de negócios da transição. Tem-se a sensação de que estamos às portas de uma nova revolução industrial, que elevará os níveis de riqueza da humanidade a outro patamar.

O estudo da OCDE, corajosamente repercutido pelo editorial do Estadão, manda a real sobre o tema: trata-se de destruição de riqueza, não de criação. E é fácil de entender o porquê: as energias alternativas são muito menos eficientes do que os combustíveis fósseis. Não por outro motivo, nenhuma dessas iniciativas sobrevive sem subsídios, explícitos ou implícitos. Não conheço a metodologia usada pela OCDE, mas fosse eu a fazer o estudo, começaria procurando medir o total de subsídios necessários para substituir os combustíveis fósseis como fonte de energia. Esse é o total do PIB “queimado” para evitar a queima de combustíveis fósseis (desculpem-me o trocadilho infame). Ou seja, os governos tiram dinheiro dos setores mais eficientes, que geram lucro, para torrar no setor menos eficiente, o de energias renováveis. Esse movimento diminui o PIB.

Alguns poderão dizer que esse estudo está incompleto, dado que não calcula o custo de não se fazer nada. Justo. Afinal, se as previsões mais catastrofistas se realizarem, o PIB lá na frente diminuirá de qualquer forma, por conta das mudanças climáticas. E pior: diminuirá de maneira caótica, em um salve-se quem puder global. Assim, seria melhor fazer a transição de maneira controlada, aceitando os seus custos. Ou seja, a redução do PIB global seria um destino inexorável, e caberia à humanidade escolher o caminho até lá.

Essa abordagem, no entanto, me faz lembrar os programas de perda de peso. Por mais que seja racional, poucos estão realmente dispostos a fazer sacrifícios para emagrecer. Não é à toa que pululam dietas que prometem o emagrecimento “sem sacrifícios”. E, em tendência mais recente, chegamos ao ponto de enaltecer a gordura, taxando de “gordofóbicos” aqueles que ousam dizer que ser magro é melhor para a saúde do que ser gordo. Se é difícil fazer sacrifícios quando se trata da própria saúde, imagine em um contexto social, em que o meu sacrifício deve se somar aos sacrifícios dos outros para um benefício comum. A briga sobre quem vai se sacrificar e quem vai colher os benefícios acaba por gerar paralisia nesse jogo colaborativo. É o que estamos vivendo hoje, em que, como dizia Rita Lee, “me cansei de escutar opiniões de como ter um mundo melhor, mas ninguém sai de cima nesse chove não molha”.

Eu sou um incorrigível otimista quando se trata do futuro da humanidade. Sinceramente, acho que só estamos focados nesse Armagedom climático porque nos faltam catástrofes de verdade. A humanidade já passou por coisas muito mais terríveis em sua curta história. Basta lembrar que, nas estimativas mais conservadoras, cerca de um terço da população europeia morreu na Peste Negra. Um terço! E isso foi somente há pouco mais de 500 anos! E, no entanto, depois disso e de muitas outras catástrofes (incluindo muitas guerras) nunca fomos tão ricos e tivemos tanto conforto como hoje. A tecnologia avançou e continuará avançando. Catástrofes naturais ou causadas pelo Homem continuarão se sucedendo, causando mortes e destruição, mas o PIB global continuará crescendo. A humanidade é imparável.

Feliz 2024!

O paraíso internacional da corrupção

Para quem não entendeu, deixe-me explicar o que aconteceu aqui: a OCDE pregou na testa do Brasil a frase “paraíso internacional da corrupção”. Assim como o assaltante de bancos Ronald Biggs e o terrorista Cesare Battisti procuraram o refúgio das praias brasileiras pela nossa fama de impunidade, os esquemas globais de corrupção podem buscar o Brasil como porto seguro para suas atividades. Claro, tudo sempre em nome do sacrossanto Estado Democrático de Direito.

Nosso subdesenvolvimento não é fruto de um golpe de azar.

Não foi por falta de aviso

O editorial do Estadão sobre a diplomacia petista revela que o governo Biden ofereceu colocar por escrito o apoio à entrada do Brasil na OCDE no comunicado conjunto após a visita de Lula aos EUA. O governo brasileiro vetou.

O editorial coloca o veto na conta do incômodo do PT com “instrumentos de governança pública”. O mesmo incômodo, completo eu, que o PT tem em relação à autonomia do BC, à lei das estatais e à independência das agências reguladoras.

Mas seria injusto dizer que o PT não aprecia todas as “boas” práticas internacionais. Lula, por exemplo, já se mostrou fã das práticas do governo chinês, por exemplo. O mesmo editorial cita a fala de Lula, em que conclama Biden a encontrar um meio de “obrigar” Congressos e empresários a acatarem as suas decisões. Xi Jinping curtiu.

Esse é Lula, esse é o PT. O pacote para “salvar a democracia” vinha junto com essa ojeriza às boas práticas de governança pública e a esse viés autoritário. Muitos se deixaram enganar com Alckmin como vice da chapa, sinal de que, dessa vez, a coisa seria diferente. Não foi por falta de aviso.

A OCDE subiu no telhado

Quando anunciei meu voto em Bolsonaro por conta da agenda econômica do PT, era a isso que me referia. Posso queimar a língua, mas provavelmente nossa entrada na OCDE ficará congelada pelos próximos quatro anos.

O interessante dessa matéria, que, de resto, não deveria ser surpresa para ninguém, é a honesta justificativa que integrantes do PT, em off, dão para as suas reservas em relação à OCDE: entrar na organização significaria não ter liberdade para adotar as políticas econômicas desenvolvimentistas que nos jogaram na maior recessão da história, nos obrigando a adotar políticas que têm feito o sucesso de economias mais desenvolvidas.

Claro, esse é a leitura de um faria limer liberaloide, os petistas diriam que as políticas da OCDE servem para manter os países subdesenvolvidos colonizados e subjugados aos interesses do “grande capital”. A dura realidade, no entanto, é que já provamos o gosto amargo das políticas econômicas petistas, e nenhuma delas nos levou ao Nirvana da tal “soberania econômica”. Pelo contrário, se algo aconteceu nos anos petistas, foi o aumento da dependência do capital.

Vamos ver o que o “Lula pragmático” tem a nos dizer a respeito.

A OCDE e o pragmático Lula

Além do Brasil, a OCDE convidou mais 5 países para entrarem no clube privê: Argentina e Peru na América Latina, e Bulgária, Croácia e Romênia, na Europa. Estamos bem acompanhados.

A Colômbia recebeu este mesmo convite em 2018. O Chile, em 2009. E o México, em 1994.Nós poderíamos ter sido convidados na mesma época do Chile. Com a economia em crescimento e com o selo de grau de investimento, o Brasil era o queridinho do mercado global. Mas o governo do PT esnobou o “clube dos ricos”, porque nos imporia “políticas neoliberais”. Afinal, tínhamos a nossa própria fórmula para o sucesso.

Este é apenas mais um capítulo em que o PT representou um atraso de vida para o país. No caso, um atraso de mais de 10 anos. O governo Temer tratou de recuperar o tempo perdido, mostrando, em 2017, interesse no ingresso do Brasil no clube. O governo Bolsonaro reiterou o interesse, resultando no convite formal. Algo que poderia ter acontecido em 2009.

Este é um processo que demora de 2 a 5 anos para ser concluído. Se um governo do PT for eleito, o mesmo viés que nos fez perder o bonde da história no passado pode novamente nos fazer reféns do atraso. Lembrando que foi no governo do pragmático Lula que nós esnobamos a OCDE. Será que o pragmático Lula mudou de ideia?

O que queremos, afinal?

Falávamos mais cedo sobre instituições. A OCDE reúne os países mais ricos do mundo, e exige padrões mínimos de governança de seus membros. Ok, ok, países como México, Grécia e Turquia não são exatamente exemplos, mas ao menos são forçados a caminhar na direção correta.

E o Brasil?

OCDE e combate à corrupção

A OCDE, um dos objetos de desejo do governo Bolsonaro, está preocupada com os efeitos, para o combate à corrupção em altas esferas, dos últimos eventos envolvendo o COAF. Mais especificamente, com a liminar de Toffoli manietando o antigo COAF, em benefício de Flávio Bolsonaro, e com os malabarismos feitos com o órgão pelo próprio governo.

Espero que a missão da OCDE em Brasília saia convencida de que continuamos firmes e fortes no combate à corrupção, com o empenho decisivo deste governo. Caso contrário, ficaremos ainda mais distantes da tão sonhada vaga no “clube dos ricos”.

OCDE ou não OCDE, eis a questão

Já está claro que a carta de recomendação dos EUA não vetou o Brasil na OCDE, apenas recomendou Argentina e Romênia, provavelmente por uma questão de ordem cronológica do pedido de adesão.

O problema, portanto, não foi essa carta de recomendação. Os problemas são outros dois: 1) o fato dos governos petistas terem desperdiçado a chance de ouro do Brasil pleitear uma vaga na OCDE e 2) o governo Bolsonaro ter criado a falsa expectativa de que sua “amizade” com Donald Trump faria com que o Brasil “furasse” a fila.

Os governos Lula e Dilma nutriam pela OCDE o mesmo desprezo estampado hoje na entrevista de Rubens Ricupero, que reproduzi no post anterior. Para eles, o que importava era ter uma liderança no mundo pobre, ser uma espécie de “EUA dos miseráveis”. Foi um erro de leitura em dois sentidos.

Primeiro, países pobres querem ser ricos, não querem fazer parte de um “clube dos pobres”. Tirando talvez Cuba e Venezuela, “pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”, como dizia o imortal Joãozinho Trinta. Esse foi o erro geopolítico.

O segundo erro foi ideológico: uma certa prevenção contra os “ricos”, que não estaria de acordo com nossa vocação de pobre. Esta é a crítica de Ricupero e dos intelequituais de maneira geral. Ricupero diz que pertencer à OCDE não nos fará ricos. Sem dúvida, a simples pertença ao clube não faz de ninguém “rico”. Mas a OCDE tem regras rígidas de comportamento econômico, que “puxam” o país para cima. Pertencer à OCDE significa que o país tem a intenção de seguir estas regras, o que dá a seus membros um status diferenciado quando se trata de receber investimentos. Ricupero cita a Grécia como contra-exemplo, um país que quebrou mesmo fazendo parte da OCDE. Bem, a Grécia fraudou a União Europeia, o FMI e a OCDE com uma contabilidade falsificada (uma versão grega das “pedaladas”). Mas o fato de pertencer à Zona do Euro e à OCDE forçou a Grécia a fazer a lição de casa, algo muito mais dacroniano que o nosso teto de gastos. Isso é o que importa: ser forçado pelas instituições a dar um basta, e não continuar escorregando ladeira abaixo, como estão ainda fazendo Venezuela e Argentina.

Os governos petistas, portanto, foram os autores do erro original. O governo Bolsonaro, por sua vez, criou a expectativa de que o seu relacionamento com Trump poderia compensar este erro. Não contava que, relacionamento por relacionamento, o de Trump com Macri tem raízes muito mais profundas.

O Brasil pleiteou sua entrada na OCDE em 2017, um ano depois do pedido da Argentina. A expectativa criada foi a de que pudesse haver uma inversão dessa ordem. Poderia ter havido, mas não houve. O caso da Argentina será analisado antes e, provavelmente, não será aceito. Mas o Brasil ficou para depois, como era natural, dada a ordem cronológica. O problema foi a expectativa criada. O que se viu é que o Brasil continua sendo um parceiro a mais dos EUA, nada realmente especial, como quis vender o governo Bolsonaro.

Continuaremos a fazer a nossa lição de casa e, em alguns anos, entraremos na OCDE. Mas será no ritmo normal dessa organização, sem atalhos imaginários.

OCDE e o pensamento subdesenvolvido

O que vai abaixo é um trecho da entrevista do ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, sobre a entrada do Brasil na OCDE.

Ricupero e Ciro Gomes foram ministros da Fazenda nos inícios do Plano Real, ainda no governo Itamar Franco. É simplesmente um milagre que a coisa tenha dado certo.

Trecho retirado do jornal O Estado de São Paulo