Do rio ao mar

A qualquer pessoa de bom senso que se pergunte qual a melhor solução para o conflito entre árabes e judeus na Palestina, a resposta certamente serão duas palavras mágicas: “dois Estados”.

Esta é uma ideia-força que parece resolver todos os problemas. Por que não? Afinal, os árabes não querem um Estado para chamar de seu? Também os judeus não querem um Estado para chamar de seu? Então, nada mais óbvio do que conceder um Estado soberano para cada lado, e a paz se estabelecerá.

O problema é que, fosse simples assim, a coisa já estaria resolvida desde 1947, quando a Resolução 181 da ONU estabeleceu justamente a solução de “dois Estados”. Por que não foi pra frente? Justamente porque o diabo mora nos detalhes, que não cabem na ideia-força “dois Estados”.

Antes de continuarmos, vamos fazer uma pequena digressão. Tem sido comum ouvir que as críticas a Israel não significam antissemitismo. Na verdade, tratar-se-ia de antissionismo. Há até judeus que são antissionistas. Mas o que é o antissionismo? Para entender o que ó antissionismo, é preciso entender antes o que é o sionismo.

No meu artigo contando a história do conflito árabe-israelense, recordo o princípio fundacional de Israel, que é justamente o movimento sionista, fundado por Theodor Herzl. Em seu panfleto O Estado Judeu, Herzl defende a criação de um Estado judeu na Palestina. Não há menção à expulsão dos árabes da região, não havia uma mentalidade discriminatória. Tanto é assim, que as migrações de judeus para a Palestina se deram através da compra de terras e da convivência com os árabes que lá viviam. O sionismo nunca teve relação com uma “raça pura”, mas com o direito de um povo ter um Estado nacional. O sionismo é um movimento nacionalista, não racista.

Pois bem, agora vamos voltar ao curso do nosso raciocínio. Considerando o que escrevemos acima, ser “antissionista” significa, na prática, ser contra o estabelecimento de um Estado judeu. Portanto, não é possível ser a favor da solução de “dois Estados” e ser antissionista ao mesmo tempo. O sionismo, desde sempre, aceitou a solução de “dois Estados”. A fundação de Israel teve como base legal a resolução 181 da ONU, que justamente previa a solução de dois Estados.

Em várias manifestações pró-Palestina, a palavra de ordem é mais ou menos a seguinte: “a Palestina para os palestinos, do rio até o mar”. O que significa isso? O rio é o Rio Jordão, o mar é o Mar Mediterrânio. O atual estado de Israel encontra-se justamente entre o rio e o mar. Essa palavra de ordem é antissionista: os judeus não teriam direito a ter o seu próprio Estado, a solução de dois Estados não interessa aos que aderem a essa palavra de ordem.

Como, a essa altura do campeonato, é claramente impraticável retirar a soberania do estado de Israel, quem defende essa “solução”, na verdade, está defendendo o conflito eterno, muito útil para insuflar o ódio aos judeus. É o velho antissemitismo, travestido de “defesa dos mais fracos”. Ora, quem realmente está interessado em resolver o problema dos mais fracos, não fica gritando slogans que não tem futuro prático. Pode ser muito bom para sentir-se o justiceiro do mundo, mas, na prática, só prolonga o sofrimento dos árabes-palestinos.

Boa sorte, presidente!

Bem, agora falta o nosso presidente, tão preocupado com a “paz”, ligar para o presidente do Egito, Abdel Farrah el-Sisi e, principalmente, para os líderes do Hamas, quem quer que sejam, e pedir a mesma coisa. Boa sorte, presidente!

Oprimidos do mundo, uni-vos!

Há, claramente, uma dicotomia entre direita e esquerda nas reações aos ataques terroristas do Hamas. Mesmo judeus de esquerda têm relativizado o evento, demonstrando que a questão política se sobrepõe à origem étnica ou mesmo a questões humanitárias.

Isso acontece porque a esquerda divide o mundo entre “opressores” e “oprimidos”. E se você não está do lado dos oprimidos, só pode estar do lado dos opressores. A única solução para esse conflito é o fim das “estruturas de opressão”, em que os instrumentos de poder seriam retirados dos opressores e concedidos aos oprimidos. Nada seria eficaz, a não ser isso.

Raymond Aron, em seu livro O Ópio dos Intelectuais, relata como a esquerda francesa da década de 50 condenava os sociais-democratas, por estes quererem mitigar as péssimas condições de vida da classe proletária. Segundo essa esquerda, essas iniciativas desmobilizariam os oprimidos em sua tarefa de “derrubar as estruturas opressoras”, a única solução definitiva. Os proletários estariam sendo corrompidos pelas políticas de bem-estar social.

A esquerda do mundo ainda vive os tempos do “proletários de todos os países, uni-vos!”, slogan político do Manifesto Comunista. Na falta de proletários, serve qualquer oprimido. Nesse contexto, o pobre, quando assalta e mata o burguês, Maduro e Castro, quando mantém seus países com mão de ferro, ou o Hamas, quando mata israelenses, estão todos agindo para “derrubar as estruturas opressoras”, justificando, assim, todos os seus atos.

Isso que a direita jocosamente chama de “coitadismo”, e que parece uma demonstração de insensibilidade, é, na verdade, a expressão irônica desse “oprimismo”, do qual se alimenta a esquerda. É óbvio que condições sub-humanas de vida deveriam ser (e são) objeto de ações para mitiga-las o máximo possível. Mas isso, como bem notou Aron, não interessa à esquerda-raiz, que só quer saber da luta política contra os “opressores”. Os pobres e os palestinos só interessam na medida em que os aproxima desse objetivo.

Nada é tão simples a ponto de caber em uma manchete de jornal

Quem lê as reportagens nos jornais ou assiste aos telejornais, sai com a impressão de que Israel, através de seu bloqueio, é o único agente responsável pela falta de bens essenciais em Gaza.

Dá uma olhada no mapa abaixo.

Sem dúvida, a maior fronteira de Gaza é com Israel. Mas não é 100%. Gaza tem uma fronteira de 12km com o Egito, mais do que suficiente para permitir a entrada de bens essenciais. Ocorre que o Egito TAMBÉM mantém um bloqueio na fronteira com Gaza. Inclusive, está se organizando para impedir um êxodo de palestinos através dessa fronteira. Por que?

Para entender, precisamos voltar até 2014, quando o governo do Egito decidiu pelo bloqueio. O país, mais especificamente a península do Sinai (onde Gaza faz fronteira), vinha sofrendo uma série de ataques terroristas do braço egípcio do Estado Islâmico (ISIS). O ISIS, assim como seus co-irmãos Jihad Islâmica e Hamas, faz parte da Irmandade Muçulmana, que tem como objetivo a implantação de estados islâmicos regidos pela Sharia, como é o Irã. O Egito é um estado laico e, por isso, é atacado pelos extremistas.

Pois bem. O governo egípcio tinha evidências que os palestinos do Hamas colaboravam com seus co-irmãos do ISIS. Assim, para mitigar o risco, decidiu pelo bloqueio. O Egito, ao colaborar com o bloqueio de Israel, está resolvendo um problema doméstico. É Israel que vai sujar suas mãos de sangue ao acabar com o Hamas, mas ao governo do Egito também interessa o fim do grupo.

Nada é tão simples a ponto de caber em uma manchete de jornal.

Comparando coisas incomparáveis

No artigo abaixo, o autor compara os “radicais ultraortodoxos” que circundam Netanyahu aos terroristas do Hamas, pois ambos desejam a destruição do povo oposto.

Vamos fazer um breve exercício mental para entender o tamanho da bobagem. Imagine, por um momento, que o Hamas desaparecesse, e fosse substituído por lideranças mais razoáveis, que permitissem um programa de desarmamento supervisionado pela ONU. Você acha que o governo Netanyahu se aproveitaria dessa fraqueza para entrar em Gaza para fazer uma “limpeza étnica”? Ou mesmo um governo Netanyahu não teria alternativa a não ser dialogar?

Agora, imagine o inverso: Netanyahu e os ultraortodoxos somem do mapa, e um novo governo liberal assume com o compromisso de “derrubar os muros de Gaza” e “desmobilizar o exército” na região. Não precisa ter muita imaginação para saber o que os rapazes do Hamas fariam. Aliás, não precisa ter nenhuma imaginação: “jogar Israel ao mar” faz parte dos estatutos do grupo político que domina Gaza com mão de ferro desde 2007. Depois de fazer a sua própria limpeza étnica, o Hamas implantaria na região um regime islâmico regido pela Sharia, como no Irã. Isso também está nos seus estatutos.

A simetria, aqui, é completamente descabida. No início da década de 90, foi um movimento de Yasser Arafat que permitiu a assinatura dos acordos de Oslo, que permitiam uma solução de dois estados e reconheciam a Autoridade Palestina como o embrião de um governo árabe-palestino em Gaza e na Cisjordânia. A iniciativa foi bem recebida pelo lado israelense, e continuou sendo implementada mesmo com o assassinato de Rabin por um extremista judeu e a eleição de Netanyahu para substitui-lo. Esses acordos congelaram depois que ficou claro que Arafat não controlava as alas radicais de seu governo, que aproveitavam a abertura proporcionada pelos acordos para realizar ataques terroristas em solo israelense.

Na última vez que um governo israelense mostrou alguma boa vontade, levou um Hamas de presente. Foi no desmantelamento unilateral dos assentamentos em Gaza, em 2005. Dois anos depois, o Hamas tomou o poder da Autoridade Palestina no território, e começou a fazer a única coisa que sabe fazer: terrorismo. Não, a coisa definitivamente não é simétrica.

Democracia no Oriente Médio

O primeiro-ministro está com dificuldade para formar um novo governo. Já foram duas eleições em poucos meses e ele não consegue formar maioria no Congresso.

Esta poderia ser a descrição da política em qualquer país europeu. Mas estamos falando do único país democrático do Oriente Médio, onde as coisas se resolvem por meio de eleições, não na base do fuzil.

Por outro lado, a última eleição no “Estado” palestino foi há quase 15 anos. Como o tempo passa rápido! E o Hamas foi mais prático: expulsou o presidente eleito de uma parte do território.

Para que haja uma solução de “dois estados” é preciso que existam dois estados. Só existe um, Israel. E é uma falácia afirmar que é preciso reconhecer um Estado para que ele possa existir. Israel já era um Estado bem antes de seu reconhecimento formal, em 1948. Não fosse por isso, não teria sobrevivido a guerras contra inimigos muito mais poderosos na época, incluindo o Império Britânico, que ocupava aquelas terras na época. Era necessário um esforço coordenado impossível de ser obtido sem instituições bem definidas.

A solução de dois estados somente será possível quando os palestinos constituírem um verdadeiro Estado, e não forem apenas joguetes nas mãos do Irã. O resto é só propaganda anti-imperialista.

Hora de mudar de estratégia

Lembro, quando criança, de ouvir meu avô discutir com meu pai sobre o conflito no Oriente Médio. Lembro do meu avô dizer que a solução era estabelecer um Estado Palestino na Cisjordânia. Não sei precisar a data, mas certamente era a segunda metade da década de 70. Claro que eu não entendia nada daquilo, mas por algum mistério da mente, lembro dessas palavras.

Isso foi há 40 anos. Nada mudou desde então.

Agora, todos os analistas e especialistas estão dizendo que o reconhecimento de Jerusalém como a capital de Israel enterrou de vez as negociações de paz e que a radicalização vai tomar conta da região. Como se estivéssemos à beira de conseguir a paz e o radicalismo já não tivesse tomado conta da região.

As críticas ao gambito de Trump parecem mais uma crítica a Trump daqueles que já não gostam dele por princípio do que ao lance em si. Os EUA moveram uma peça no tabuleiro, de modo a tentar sair do impasse que já dura 70 anos.

O prêmio Nobel da Paz teve oito anos para tentar a sua estratégia de “somos todos irmãos” na região, e parece que não funcionou muito bem. Quem sabe não esteja mesmo na hora de mudar de estratégia.