Servindo a humanidade como ela quer ser servida

Economia é uma ciência relativamente simples. Grande parte dos fenômenos econômicos (senão todos) pode ser resumido a um equilíbrio entre oferta e demanda, sinalizado pelos preços dos produtos. Esse simples raciocínio evitaria que jornalistas como Lourival Sant’Anna, de resto muito competente em outras áreas, passasse vergonha ao falar sobre o mercado de combustíveis fósseis.

Segundo Lourival, o mundo não conseguiu superar a resistência dos países da OPEP de se comprometerem a fazer o phase out da produção de petróleo. Isso é uma bobagem em dois níveis.

Em primeiro lugar, a OPEP existe justamente para controlar o nível de produção de petróleo de seus participantes, de modo a manter o preço valorizado. Se a OPEP não existisse, os produtores não estariam restritos por cotas e a produção de petróleo seria muito maior, com preços muito menores, estimulando ainda mais a demanda.

E é justamente a respeito da demanda que o raciocínio do jornalista não para em pé. Isso que vou dizer é uma tautologia, mas as vezes é preciso insistir no óbvio: é a demanda por combustíveis fósseis que mantém a produção em alta. A oferta está ali apenas para atender a demanda. Qualquer ameaça de redução da oferta (como foi o caso da guerra da Ucrânia, por exemplo) provoca uma corrida dos países “não negacionistas” em direção a subsídios para os combustíveis fósseis. O fato é que os discursos são belos, mas é difícil encontrar político que aguente a pressão de combustíveis mais caros.

Lourival Sant’Anna não está sozinho. A imprensa e os ativistas, de modo geral, colocam a culpa do aquecimento global nas costas dos países e empresas produtores de petróleo, como se a redução da produção afetasse tão somente os seus balanços. É uma forma confortável de encarar o problema, que sempre é causado por um agente externo perverso.

A realidade nua e crua, no entanto, é que os combustíveis fósseis são ainda, de longe, a fonte mais segura e barata de energia, em um mundo sedento por conforto a preços módicos. Os produtores estão ali apenas para servir a humanidade como ela quer ser servida.

O bom e velho e sujo petróleo

Um artigo até certo ponto surpreendente de Fareed Zakaria, traduzido no Estadão de hoje. Quer dizer, surpreendente para quem vive no planeta Greta. Aqui na Terra, continuamos (e, segundo Zakaria, continuaremos ainda por muitos anos) dependendo do bom e velho e sujo petróleo.

Esse artigo parece um deja vu, por isso me chamou a atenção. O articulista descreve os rios de dinheiro que os sauditas e seus vizinhos estão gastando para comprar torneios de golfe e times de futebol. Faz-me lembrar da “reciclagem dos petrodólares” na década de 80. É de estranhar que o articulista do Washington Post gaste sua tinta com um fenômeno que já dura 50 anos, e não parece que vai cessar tão cedo.

No início de 1973, o barril de petróleo era negociado a cerca de US$ 3. Passado um ano, após o primeiro boicote da OPEP, o mesmo barril estava sendo negociado a US$ 11. Consideram que a inflação americana foi de aproximadamente 600% nesses últimos 50 anos, a dinheiro de hoje o barril de 1974 estaria valendo R$ 77, que é mais ou menos o seu preço atual. Ou seja, passaram-se 50 anos, e o preço do petróleo continua lá, firme e forte, enriquecendo os árabes. Como qualquer mercadoria, o preço do petróleo cairá de maneira definitiva somente quando a demanda cair de maneira definitiva. Esse será o sinal de que a era do petróleo chegou ao fim.

PS.: claro que, no curto prazo, os produtores podem manter os preços altos regulando a produção. Mas essa é uma tática que funciona somente no curto prazo. A saúde econômica desses países depende visceralmente da exportação de petróleo, e eles não podem deixar de vender eternamente. Então, os produtores mais caros saem do mercado, estabelecendo um novo equilíbrio a preços mais baixos.

O problema é o consumo

Há cerca de dois meses, o secretário-geral da ONU, António Guterres, proferiu discurso furibundo, propondo a responsabilização das petroleiras pelo aquecimento global. As empresas seriam obrigadas a pagar uma indenização global, a exemplo das empresas de tabaco, que acabaram com a saúde de milhões. Analisei a genial ideia neste post aqui.

Hoje, em entrevista de página inteira no Valor, o ministro do meio-ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, que está em visita ao Brasil, coloca as coisas em seus devidos lugares. O problema não está na produção, mas no consumo. Óbvio.

Talvez por ser um representante de um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, o ministro vê a questão do ponto de vista do produtor: como inviabilizar a produção, se não há substituto viável para o consumo? O caos se seguiria, conclui, em um raciocínio que o secretário-geral da ONU foi incapaz de fazer.

Barth Eide afirma que, até o momento, não houve verdadeiramente substituição de fontes de energia, mas simples acréscimos. Ou seja, os combustíveis fósseis continuam sendo queimados como no passado, e as novas fontes de energia só serviram para mal e mal saciar a fome adicional de energia de um mundo que consome cada vez mais.

Os mais cínicos poderiam pensar que o ministro norueguês esteja, no final do dia, defendendo uma fonte importante de receita de seu país. Mas eu acredito que, de fato, há aqui uma preocupação genuína com o futuro do planeta. A diferença é que a abordagem é adulta, não a juvenil típica de quem quer resolver os problemas do mundo na base da vontade e do desejo.

Qual o tamanho do desafio de substituir o petróleo?

Na vibe da conferência do clima em Glasgow, o Estadão publicou reportagem sobre o desafio de zerar as emissões de gás carbônico. Segundo o relatório Net Zero Carbon, da Associação Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), o consumo de petróleo deveria ser reduzido dos atuais 96 milhões de barris/dia para 24 milhões barris/dia, uma redução de 75% em relação ao atual nível de consumo de petróleo. A projeção está no gráfico a seguir:

Resolvi fazer algumas contas para entender o tamanho do desafio. Assumi que todo esse petróleo deveria ser substituído por energias renováveis. Mas qual é exatamente a equivalência?

Para responder a essa primeira questão, é necessário saber a conversão de energia entre uma fonte e outra. Encontrei o site da Cegás, a companhia de gás natural do Ceará, que traz uma tabela de equivalência aqui. Segundo esta tabela, um barril de petróleo equivale a 150 m3 de gás natural e, ao mesmo tempo, 1 m3 de gás natural equivale a 10,92 kWh. Fazendo uma regrinha de 3 simples, chegamos na seguinte equivalência:

1 barril de petróleo = 1.639 kWh = 1,64 MWh (megawatts hora)

Em português, um barril de petróleo produz o equivalente a 1,64 MWh de energia. Portanto, a produção de 96 milhões de barris/dia equivale a 157,44 milhões de MWh por dia.

Para evitar grandes números, vamos transformar os MWh em TWh (tera watts hora): cada TWh equivale a 1 milhão de MWh. Assim, 96 milhões de barris/dia equivalem a 157 TWh/dia.

Como um ano tem 365 dias, temos 157 x 365 ~ 57.300 TWh/ano. Esta é a geração de energia em um ano de toda a produção de petróleo do planeta.

Voltando à meta da IEA, deveríamos cortar 75% desse produção, o que equivale a 0,75 x 57.300 ~ 43.000 TWh/ano. Este é o total de energia renovável que deveria ser produzida para substituir esse tanto de petróleo. Guarde este número.

A próxima questão é: quanto de energia renovável é produzida hoje? Encontrei esta informação no site da Sociedade de Investigações Florestais (aqui). Segundo o artigo, em 2019 foram produzidos aproximadamente 25.700 TWh de energia elétrica no mundo. No gráfico abaixo, temos a distribuição das fontes dessa energia ao longo do tempo, segundo a IEA:

Observe duas coisas:

  1. Grande parte da energia elétrica tem sua fonte no carvão (38%), no gás natural (23%), e no óleo combustível (3%), totalizando 64% de fontes emissoras de CO2 e
  2. A produção de renováveis equivale a 25% do total de 25.700 TWh, ou 0,25 x 25.700 ~ 6.430 TWh/ano.

Na verdade, este número é um pouco maior, considerando que estamos trabalhando com a proporção de 2017, e esta proporção vem aumentando. Vamos trabalhar com o dado do IEA, que pode ser encontrado aqui, e pode ser visto no gráfico a seguir:

Vamos, então, trabalhar com 7.000 TWh de produção de energia elétrica de fontes renováveis em 2019.

Lembremos agora que, para o consumo de petróleo cair 75%, precisamos produzir 43.000 TWh/ano de energia “limpa”. A produção atual de energia renovável é de 7.000 TWh/ano. Portanto, precisaríamos multiplicar a produção atual por aproximadamente 6 vezes.

Se quisermos, além disso, substituir as fontes sujas de energia elétrica, teríamos que produzir adicionais 64% x 25.700 TWh ~ 16.500 TWh/ano. Somados com os 43.000 TWh/ano para substituir o petróleo, teríamos 59.500 TWh/ano, ou 8,2 vezes a produção atual.

Mas, não consideramos o mais importante nessa conta: o aumento do consumo de energia ao longo dos próximos 30 anos. Esta é uma questão importante, pois a produção de energia renovável precisa não apenas substituir o petróleo e o carvão atuais, mas precisa também substituir o petróleo e o carvão do futuro.

Vamos recuperar os números vistos até o momento para entender o impacto desse crescimento. Vimos que:

  • A produção de petróleo equivale a 57.300 TWh por ano.
  • A produção de eletricidade equivale a 25.700 TWh por ano.

Por uma questão de simplicidade do raciocínio, e sem perder muita precisão, vamos assumir que toda a energia do mundo tenha somente essas duas fontes, e que o petróleo não seja usado para produzir eletricidade. Temos, então, um total de 57.300 + 25.700 = 83.000 TWh por ano de produção de energia no mundo.

Agora, vejamos uma estimativa para o aumento da demanda por energia nos próximos 30 anos.

A EPE (Empresa de Pesquisa Energética) estima a elasticidade da demanda de energia elétrica em relação ao crescimento do PIB em 1,5 (aqui). Ou seja, para cada 1% de crescimento do PIB, há um aumento de 1,5% de crescimento no consumo de energia elétrica. Vamos assumir essa elasticidade para o consumo global de energia.

Digamos que o crescimento do PIB global nos próximos 30 anos seja de míseros 2% ao ano. Teríamos, então, um crescimento de 3% (2% x 1,5) ao ano no consumo de energia. Ou seja, somente para acompanhar o crescimento do PIB, a produção de energia deveria crescer 1,03^30-1 = 142%. Ou, teríamos que ter uma produção adicional de 83.000 x 142% ~ 118.000 TWh de energia.

Resumindo, o desafio é o seguinte:

  • Temos que substituir 75% do petróleo produzido hoje, totalizando 43.000 TWh de energia por ano.
  • Temos que substituir as fontes “sujas” de energia elétrica, totalizando 16.500 TWh de energia por ano.
  • Temos que fazer frente ao aumento do consumo de energia nos próximos 30 anos, sem considerar contar com fontes “sujas”, no valor total de 118.000 TWh de energia por ano.
  • Total = 43.000 + 16.500 + 118.000 = 177.500 TWh/ano

Lembrando que, em 2019, tínhamos uma produção de 7.000 TWh/ano de energia renovável. É factível esperar um aumento de produção nessa magnitude?

No gráfico a seguir, a IAE estima a adição de capacidade instalada de geração de energia elétrica de fontes renováveis para os próximos anos, ano após ano:

Segundo o IAE, em 2019 foram adicionados 225 GW (gigawatts) ou 0,225 TW (terawatts) de capacidade de geração de energia elétrica de fontes renováveis. Isto significa uma capacidade de gerar 0,225 x 24 horas x 365 dias ~ 2.000 TWh de energia por ano.

Podemos observar que há duas previsões. A primeira (main case) apresenta um crescimento da capacidade de geração de energia limpa de 190 GW em 2019 para 225 GW em 2025, um aumento de 2,9% ao ano aproximadamente. Já no caso “acelerado”, em 2025 estaríamos aumentando 310 GW de energia em 2025, um crescimento de 5,5% ao ano.

Considerando que se trata da soma de uma progressão geométrica com razão 5,5% ao ano, termo inicial 2.000 TWh e 30 anos, temos:

Main case: Soma PG = 2.000 (1,029^30-1) / (1,029 – 1) ~ 93.500 TWh

Caso acelerado: Soma PG = 2.000 (1,055^30-1) / (1,055 – 1) ~ 145.000 TWh

Lembrando que a necessidade é de 177.500 TWh que vimos acima, mesmo no caso acelerado ainda não conseguiríamos chegar na substituição necessária, ainda que não fiquemos longe. No “main case”, ficamos muito distantes.

Enfim, trata-se de um exercício simples e bem limitado. Não sou especialista na área, trabalhei apenas com dados que encontrei na internet e fiz algumas contas. Se algum especialista encontrar algum erro grosseiro, por favor, terei prazer em corrigir.

O que é inflação?

Fui ao barbeiro neste fim de semana. Ele reclamou que o movimento está fraco, e teve que colocar dinheiro do bolso para manter o salão aberto em janeiro. Perguntou o que achava se ele aumentasse o preço do corte. Respondi que, por mim, continuaria a frequentar o salão. Mas, para ter sucesso no aumento, ele precisaria verificar se o movimento do salão não iria diminuir a ponto de não compensar o aumento do preço. Ou seja, mesmo com preço maior, o faturamento dele poderia cair. Obviamente ele entendeu o raciocínio.

Esse discussão simples, que até um barbeiro entende, ilustra o dia a dia das empresas: procuram maximizar o seu lucro, que não necessariamente significa colocar o maior preço nas suas mercadorias. Isso ilustra o dilema das empresas, que podem aumentar os seus preços, mas só até certo ponto

No Plano Cruzado, empresários foram presos por aumentarem os seus preços. O diagnóstico era que a inflação é causada pelo aumento dos preços. Esta confusão vi se repetir em alguns comentários sobre a intervenção na Petrobras, em que pude perceber uma confusão muito comum: a maioria das pessoas confunde “inflação” com “aumento de preços”.

Na verdade, “aumento de preços” é o sintoma, enquanto “inflação” é a doença. Percebemos a inflação pelo aumento de preços, mas não é qualquer aumento de preços que indica inflação. A inflação é um aumento generalizado e constante de preços ao longo do tempo. Vivemos tempos hiperinflacionários no Brasil nas décadas de 80 e 90 e, mesmo antes, tínhamos uma inflação bem acima da atual. Era muito incomum terminarmos um ano com inflação abaixo de dois dígitos. Os preços de tudo subiam de maneira constante e generalizada. Hoje também acontece, mas em um nível muito mais baixo.

Tendo em mente esta definição, podemos analisar o impacto do aumento dos combustíveis na inflação. Alguns, com razão, ficam preocupados com o aumento do preço dos fretes, que acabariam por encarecer os preços dos alimentos, penalizando os mais pobres. Mas note que, se isto fosse verdade, não haveria motivo para uma greve dos caminhoneiros: estes poderiam repassar todo o aumento dos combustíveis para os fretes e não haveria mais problema para eles! Por que eles não fazem isso? Porque o mercado não absorve este aumento do preço do frete. Os caminhoneiros são obrigados, então, a absorver uma parte desse aumento dos combustíveis, diminuindo ou até acabando com a sua margem de lucro. Por isso a ameaça de greve.

Note, portanto, que um aumento de combustíveis não se traduz necessariamente no aumento dos preços dos alimentos. Há toda uma cadeia de produção no meio que vai se ajustar à demanda. Se a demanda estiver fraca, essa cadeia de produção vai absorver parte dos aumentos, diminuindo a sua margem de lucro. No limite, pode até sair do mercado.

Em um ambiente inflacionário, por outro lado, o repasse é mais fácil, pois há um aumento generalizado de preços, as pessoas e empresas perdem as referências de preços. Mas, neste caso, trata-se de um jogo perde-perde, pois o ganho de hoje é comido pela inflação amanhã.

O que temos hoje é um Banco Central que tem credibilidade em sua missão de controlar a inflação que decorre do desequilíbrio entre oferta e demanda. Para tanto, aumenta a taxa de juros quando a demanda aumenta acima da capacidade de a economia ofertar bens e serviços. Desta forma, procura diminuir a demanda para “casar” com a oferta e, assim, evitar a inflação dos preços.

Neste ambiente de inflação controlada, um choque de preços pode fazer a inflação subir no curto prazo. É o que aconteceu, por exemplo, com a elevação dos preços dos alimentos no ano passado, ou com os combustíveis neste ano. Mas esta elevação localizada dos preços não é repassada (ou tem dificuldade de ser repassada) para outros preços porque a demanda não acompanha. Por isso o Banco Central trabalha com uma meta de inflação e com bandas, para poder acomodar esses choques de curto prazo sem necessariamente aumentar a taxa de juros em um primeiro momento. Como não estamos vivendo em um ambiente inflacionário, este choque de preços tende a desaparecer com o tempo, e a inflação volta ao nível normal, perto da meta do Banco Central. Em um ambiente inflacionário, este choque faz com que a inflação suba e permaneça alta e, de choque em choque, a inflação vai subindo e subindo e subindo.

Há muito debate sobre o que causa inflação ou esse “ambiente inflacionário”. A teoria que, para mim, faz mais sentido, é a monetária: a inflação é causada pelo excesso de moeda. Quando o governo roda a maquininha, tem mais dinheiro no mercado do que bens e serviços, gerando inflação. Isso acontece, por exemplo, quando o governo não consegue mais rolar a sua dívida e precisa “monetizá-la”, ou seja, precisa imprimir dinheiro para pagá-la. Contra essa inflação, o Banco Central não consegue fazer nada. Foi basicamente o que ocorreu desde sempre no Brasil: quando secava a fonte de financiamento da nossa dívida pública, só restava rodar a maquininha, o que fazia a inflação ser crescente. O plano Real, somente para relembrar, teve dois componentes: o mais vistoso e menos importante foi o choque heterodoxo, a criação da URV e sua substituição pelo Real. O menos vistoso e mais importante foi o longo e penoso trabalho de arrumação das contas públicas, que durou anos. Isto foi o que permitiu o controle da inflação que temos hoje.

Estamos brincando na beira do vulcão, com uma dívida pública altíssima para o nosso grau de desenvolvimento e gerando déficits primários faz 7 anos. Não é o aumento dos combustíveis que causará o aumento da inflação. É o descontrole da dívida pública. Tenha sempre isso em mente.

PS.: antes que digam que a inflação é baixa às custas de um crescimento econômico anêmico, e que seria preferível um pouco mais de inflação para termos um pouco mais de crescimento, já esclareço que crescimento com inflação é ouro de tolo: a desorganização causada pela inflação mina o crescimento de longo prazo. Tanto é assim que, mesmo tendo inflação, tivemos uma década perdida nos anos 80. E, com inflação controlada, tivemos crescimento econômico na primeira década do século. O que cria crescimento econômico não é a inflação, mas o aumento da produtividade. Tenha isso também em mente.

O que aconteceu com a Venezuela?

Afinal, o que aconteceu com a Venezuela?

Podemos aqui desfiar uma infinidade de hipóteses. Mas, se você quiser mesmo saber o que aconteceu com a Venezuela, leia Atlas Schrugged, de Ayn Rand.

Na obra dessa russa naturalizada norte-americana, a sociedade vai aos poucos perdendo o seu ímpeto empreendedor. A “preocupação social” domina, e o Estado solapa a iniciativa privada com leis e mais leis com o objetivo de fazer “justiça social”. Lobbies em Washington passam a ser mais importantes do que ter uma boa ideia de produto ou serviço. No final, o país simplesmente para, como a Venezuela parou.

Os que veem o Estado como o grande indutor de “justiça social” costumam apontar como exemplos os países escandinavos, com sua grande rede de proteção social. Seriam uma espécie de Nirvana da igualdade.

O problema desse tipo de comparação é que países como Venezuela e Brasil não são nórdicos. Não somos homogêneos, não somos educados e, principalmente, não somos ricos. A “preocupação social” tende a nos transformar em uma Venezuela, não em uma Suécia.

PS.: para os corações mais sensíveis, informo aqui que não sou contra o Bolsa Família. Pelo contrário. Acho que deveríamos eliminar uma boa parte do aparato estatal e transformar o dinheiro poupado em auxílio para as famílias mais pobres. Dinheiro nas mãos das famílias é mais produtivo do que dinheiro na mãos do Estado. Mas receio que não seja esse o entendimento, no Brasil e na Venezuela, do que seja “justiça social”.

A nova PDVSA?

Muitos não entendem porque a Petrobras precisa praticar preços internacionais, quando somos autossuficientes em petróleo e o nosso custo de extração é menor do que a média mundial.

Digamos que essas premissas sejam verdadeiras (autossuficiência e preços de extração menores). Mesmo assim, os preços praticados deveriam ser os internacionais. Vejamos.

Em primeiro lugar, não consumimos petróleo, mas sim, derivados de petróleo. E nossas refinarias não são capazes de produzir todo o diesel que consumimos. Sendo assim, precisamos importar diesel. Hoje, com um prejuízo de R$0,14 por litro, conforme a associação dos pequenos importadores. Esse prejuízo está sendo bancado pela Petrobras.

Ah, então seria o caso de construir capacidade de refino, para poder atender o mercado interno sem precisar recorrer a importações.

Só que não. Aqui entra o conceito de “commodity”. Digamos que o Brasil praticasse consistentemente preços de diesel abaixo da paridade internacional. Parece óbvio que tradings iriam se aproveitar dessa distorção, exportando diesel para o mercado global. O Brasil se tornaria o maior exportador de diesel do mundo, enquanto faltaria diesel para o mercado interno. Claro que se poderia proibir a exportação de diesel, mas aí estaríamos empilhando uma intervenção sobre a outra, aumentando a ineficiência do sistema.

A Venezuela fez isso durante anos. O estado lastimável da PDVSA, hoje, é fruto desse tipo de política. Um país que produzia 3,5 milhões de barris/dia, hoje produz menos de 1 milhão. Os venezuelanos também acham que “o petróleo é nosso”. Só que as maiores reservas de petróleo do mundo continuarão debaixo da terra enquanto não se respeitar regras básicas da teoria econômica. Queremos ser uma nova Venezuela?