O que é inflação?

Fui ao barbeiro neste fim de semana. Ele reclamou que o movimento está fraco, e teve que colocar dinheiro do bolso para manter o salão aberto em janeiro. Perguntou o que achava se ele aumentasse o preço do corte. Respondi que, por mim, continuaria a frequentar o salão. Mas, para ter sucesso no aumento, ele precisaria verificar se o movimento do salão não iria diminuir a ponto de não compensar o aumento do preço. Ou seja, mesmo com preço maior, o faturamento dele poderia cair. Obviamente ele entendeu o raciocínio.

Esse discussão simples, que até um barbeiro entende, ilustra o dia a dia das empresas: procuram maximizar o seu lucro, que não necessariamente significa colocar o maior preço nas suas mercadorias. Isso ilustra o dilema das empresas, que podem aumentar os seus preços, mas só até certo ponto

No Plano Cruzado, empresários foram presos por aumentarem os seus preços. O diagnóstico era que a inflação é causada pelo aumento dos preços. Esta confusão vi se repetir em alguns comentários sobre a intervenção na Petrobras, em que pude perceber uma confusão muito comum: a maioria das pessoas confunde “inflação” com “aumento de preços”.

Na verdade, “aumento de preços” é o sintoma, enquanto “inflação” é a doença. Percebemos a inflação pelo aumento de preços, mas não é qualquer aumento de preços que indica inflação. A inflação é um aumento generalizado e constante de preços ao longo do tempo. Vivemos tempos hiperinflacionários no Brasil nas décadas de 80 e 90 e, mesmo antes, tínhamos uma inflação bem acima da atual. Era muito incomum terminarmos um ano com inflação abaixo de dois dígitos. Os preços de tudo subiam de maneira constante e generalizada. Hoje também acontece, mas em um nível muito mais baixo.

Tendo em mente esta definição, podemos analisar o impacto do aumento dos combustíveis na inflação. Alguns, com razão, ficam preocupados com o aumento do preço dos fretes, que acabariam por encarecer os preços dos alimentos, penalizando os mais pobres. Mas note que, se isto fosse verdade, não haveria motivo para uma greve dos caminhoneiros: estes poderiam repassar todo o aumento dos combustíveis para os fretes e não haveria mais problema para eles! Por que eles não fazem isso? Porque o mercado não absorve este aumento do preço do frete. Os caminhoneiros são obrigados, então, a absorver uma parte desse aumento dos combustíveis, diminuindo ou até acabando com a sua margem de lucro. Por isso a ameaça de greve.

Note, portanto, que um aumento de combustíveis não se traduz necessariamente no aumento dos preços dos alimentos. Há toda uma cadeia de produção no meio que vai se ajustar à demanda. Se a demanda estiver fraca, essa cadeia de produção vai absorver parte dos aumentos, diminuindo a sua margem de lucro. No limite, pode até sair do mercado.

Em um ambiente inflacionário, por outro lado, o repasse é mais fácil, pois há um aumento generalizado de preços, as pessoas e empresas perdem as referências de preços. Mas, neste caso, trata-se de um jogo perde-perde, pois o ganho de hoje é comido pela inflação amanhã.

O que temos hoje é um Banco Central que tem credibilidade em sua missão de controlar a inflação que decorre do desequilíbrio entre oferta e demanda. Para tanto, aumenta a taxa de juros quando a demanda aumenta acima da capacidade de a economia ofertar bens e serviços. Desta forma, procura diminuir a demanda para “casar” com a oferta e, assim, evitar a inflação dos preços.

Neste ambiente de inflação controlada, um choque de preços pode fazer a inflação subir no curto prazo. É o que aconteceu, por exemplo, com a elevação dos preços dos alimentos no ano passado, ou com os combustíveis neste ano. Mas esta elevação localizada dos preços não é repassada (ou tem dificuldade de ser repassada) para outros preços porque a demanda não acompanha. Por isso o Banco Central trabalha com uma meta de inflação e com bandas, para poder acomodar esses choques de curto prazo sem necessariamente aumentar a taxa de juros em um primeiro momento. Como não estamos vivendo em um ambiente inflacionário, este choque de preços tende a desaparecer com o tempo, e a inflação volta ao nível normal, perto da meta do Banco Central. Em um ambiente inflacionário, este choque faz com que a inflação suba e permaneça alta e, de choque em choque, a inflação vai subindo e subindo e subindo.

Há muito debate sobre o que causa inflação ou esse “ambiente inflacionário”. A teoria que, para mim, faz mais sentido, é a monetária: a inflação é causada pelo excesso de moeda. Quando o governo roda a maquininha, tem mais dinheiro no mercado do que bens e serviços, gerando inflação. Isso acontece, por exemplo, quando o governo não consegue mais rolar a sua dívida e precisa “monetizá-la”, ou seja, precisa imprimir dinheiro para pagá-la. Contra essa inflação, o Banco Central não consegue fazer nada. Foi basicamente o que ocorreu desde sempre no Brasil: quando secava a fonte de financiamento da nossa dívida pública, só restava rodar a maquininha, o que fazia a inflação ser crescente. O plano Real, somente para relembrar, teve dois componentes: o mais vistoso e menos importante foi o choque heterodoxo, a criação da URV e sua substituição pelo Real. O menos vistoso e mais importante foi o longo e penoso trabalho de arrumação das contas públicas, que durou anos. Isto foi o que permitiu o controle da inflação que temos hoje.

Estamos brincando na beira do vulcão, com uma dívida pública altíssima para o nosso grau de desenvolvimento e gerando déficits primários faz 7 anos. Não é o aumento dos combustíveis que causará o aumento da inflação. É o descontrole da dívida pública. Tenha sempre isso em mente.

PS.: antes que digam que a inflação é baixa às custas de um crescimento econômico anêmico, e que seria preferível um pouco mais de inflação para termos um pouco mais de crescimento, já esclareço que crescimento com inflação é ouro de tolo: a desorganização causada pela inflação mina o crescimento de longo prazo. Tanto é assim que, mesmo tendo inflação, tivemos uma década perdida nos anos 80. E, com inflação controlada, tivemos crescimento econômico na primeira década do século. O que cria crescimento econômico não é a inflação, mas o aumento da produtividade. Tenha isso também em mente.

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