O plantonismo oportunista

No dia 08/07/2018, três deputados petistas entraram com um habeas corpus junto ao TRF-4, pedindo a soltura de Lula. Seria apenas mais um habeas corpus, não fosse um detalhe: era um domingo, e o desembargador plantonista era, digamos assim, simpático à causa. Tendo sido filiado ao PT durante 19 anos, Rogério Fraveto deu a liminar favorável à soltura do ex-presidente. Foi um domingo de confusão, como todos devem se lembrar, com muitas idas e vindas, até que o presidente do TRF-4 resolveu a questão: Lula permaneceria preso, porque a coisa era completamente sem pé nem cabeça.

Fast forward.

No dia 09/07/2020, outro plantonista, desta vez no STF, o seu presidente Dias Toffoli, também toma uma decisão controversa: exige o compartilhamento de dados da operação Lava-Jato com a PGR. Desta vez, não houve um Sergio Moro ou um Gebran Neto que desfizessem a coisa no mesmo dia. Foi preciso que o juiz natural do caso, Edson Fachin, voltasse do recesso para colocar as coisas em seus devidos lugares.

Nos dois casos, pedidos espertamente colocados no recesso do tribunal encontram um plantonista, digamos, simpático à causa, que toma uma decisão solitária favorável. Triste é constatar que, desta vez, não foram petistas os autores da ação.

Natural, bom e antigo

“O lavajatismo há de ser superado pelo natural, bom e antigo enfrentamento à corrupção”.

Fala de Augusto Aras, PGR escolhido a dedo por Bolsonaro, em live de um grupo de advogados criminalistas que ganham a vida explorando os meandros e chicanas do “natural, bom e antigo enfrentamento à corrupção”.

“Lavajatismo” é o termo cunhado por estes mesmos advogados e seus clientes para alcunhar a “sanha persecutória” de procuradores e juízes contra a classe política. A atividade política teria se tornado sinônimo de bandidagem pela ação de procuradores e juízes, e não pela ação dos próprios políticos.

Todos são muito ciosos em louvar as conquistas da operação Lava-Jato. Procuram separar a Lava-Jato do “lavajatismo”. Aras faz coro aos que afirmam que houve abusos e desobediência a princípios fundamentais da Constituição. Imagine só você: condenações que passaram incólumes por 3, e às vezes 4 instâncias do judiciário brasileiro, teriam vício de origem. Talvez precisássemos de uma quinta instância para resolver o problema. Ah sim, já criaram, é o juiz de garantias.

A outros, incomoda o protagonismo político que alguns membros da operação alcançaram, e o uso desse protagonismo para fins judiciais. Queriam o quê? Condenar o político mais popular do Brasil e mais dezenas de políticos e empresários de primeira grandeza sem ter protagonismo político? Como? É a típica ideia que flana suave em saraus de bem-pensantes, mas que, no mundo bruto da política, não faz o mínimo sentido.

A Lava-Jato foi uma excrecência em um país onde o Estado Democrático de Direito está construído de modo a proteger quem tem poder ou dinheiro para contratar advogados criminalistas a peso de ouro. Finalmente temos ninguém menos que o PGR para acabar com essa excrecência, e voltarmos ao “natural, bom e antigo enfrentamento à corrupção”. Tão natural, bom e antigo quanto a própria corrupção.

A lei da gravidade da economia

“A livre iniciativa e a livre concorrência não possuem valor absoluto na ordem jurídica e podem ser relativizados para a salvaguarda de outros valores constitucionalmente protegidos”.

Entre estes outros “valores constitucionalmente protegidos”, segundo a PGR, estão a “dignidade humana” e a “valorização do trabalho”.

Com base nisso que vai acima, estão liberados todo e qualquer tabelamento de preços e salários. Afinal, quem disse que apenas os caminhoneiros estão tendo sua “dignidade humana” vilipendiada, ou tendo o seu trabalho “desvalorizado”?

Não existe “meia” livre iniciativa, assim como não existe “meia” gravidez. No momento que se assume que o Estado pode regular a lei da oferta e da demanda, está aberta a caixa de Pandora do autoritarismo. Ou, no mínimo, a criação de distorções do sistema de preços, que resultam, invariavelmente, em menor crescimento econômico. A história está repleta de exemplos.

Volte para a primeira frase e troque “livre iniciativa” por “lei da gravidade”. A lei da oferta e da demanda é a lei da gravidade da economia.