A necessária polarização

A palavra “polarização” não é exatamente nova na política. Mas o seu uso intensificou-se de 2018 para cá. É o que podemos observar em uma breve pesquisa no acervo do Estadão (gráficos abaixo), colocando a palavra “polarização” como chave para a busca de notícias. Houve uma explosão do uso do termo desde 2018 e, em pouco mais de dois anos na década de 20, a palavra já apareceu mais do que em toda a década de 90 e anos 2000 somados.

Essa pequena estatística demonstra que a polarização é um fenômeno que foi trazido pelo surgimento de Bolsonaro no cenário político nacional como polo oposto ao PT. De 1994 a 2014, PT e PSDB não protagonizaram uma polarização, mas uma oposição. Qual a diferença?

Na oposição, os dois oponentes têm pautas diferentes, mas reconhecem o direito do oposto existir. Na polarização, por outro lado, esse direito não é concedido. A retórica é de destruição do oponente, não de discordância.

Acredito que a Lava-Jato tenha sido o turning point que levou o país à polarização. Já não bastava fazer oposição ao PT da forma como o PSDB vinha fazendo há 25 anos. Era necessário destruir, eliminar o PT da vida política nacional. Afinal, a organização criminosa que surgiu das denúncias da Lava-Jato podia ser tudo, menos um oponente legítimo. Bolsonaro soube captar esse sentimento majoritário da sociedade brasileira.

Isso já poderia ter acontecido em 2006. O mensalão foi o primeiro grande esquema de corrupção nacional protagonizado pelo PT. Alckmin era o então candidato do PSDB. Lembro de um debate entre os dois candidatos no 2o turno, em que Alckmin tentou usar o mensalão para encostar Lula na parede. Lula, com toda a verve que Deus lhe deu, minimizou o ataque, dizendo que o seu adversário estava ”um pouco nervoso”. Lula estava confortável. O fato de ter chegado até ali já era uma vitória e tanto, graças, em boa parte à pusilanimidade do PSDB, que optou por deixar Lula “sangrar” até as eleições ao invés de patrocinar um pedido de impeachment que tinha boas chances de prosperar. Lembrando que o PT não teve pejo de pedir o impeachment de FHC em seus dois mandatos. O PT polariza, o PSDB faz oposição. Em 2018, o PT encontrou um adversário que também polariza.

Chegamos em 2022, com o mesmo Alckmin cerrando fileiras para destruir um adversário comum.

Sob o manto da “defesa da democracia”, Alckmin se junta ao partido que fez o que pôde para destruir os pilares mesmo das instituições democráticas. Sim, é inegável que PSDB e PT têm afinidades ideológicas. Mário Covas subiu no palanque de Lula em 1989 contra Fernando Collor. Mas isso foi antes do mensalão e do petrolão, o que deixa para Covas o benefício da dúvida. Alckmin é cria de Covas, e repete o gesto de seu mentor 33 anos depois, como se nada tivesse ocorrido em todos esses anos. A história se repete como farsa.

Bolsonaro é, hoje, o personagem que polariza com o PT. Está na frente nas pesquisas em relação a todos os candidatos da chamada “terceira via” justamente por causa disso. No entanto, a sua eventual derrota nas eleições não tirará das páginas dos jornais a palavra “polarização”. Este é um sentimento que veio para ficar em boa parte da sociedade brasileira. Enquanto o PT existir, haverá polarização, porque aprendeu-se que fazer oposição não basta para um partido com essa natureza.

Medidas extremas

A chamada não corresponde ao que a pesquisa apontou.

33% dos brasileiros são a favor do fechamento do Congresso.

39% dos brasileiros são a favor do impeachment do presidente.

Considerando que deva haver uma interseção muito pequena entre esses dois grupos, sobram apenas 28% de brasileiros que rejeitam ambas as “soluções”. Uma minoria, portanto.

Isso sem contar o número de brasileiros que foram indiferentes a quaisquer dessas opções. Ou seja, não são a favor, mas também não ficariam muito chateados se isso acontecesse.

O brasileiro quer sangue.

PS.: as duas “soluções” não são exatamente simétricas, pois impeachment faz parte do cardápio democrático, enquanto fechar o Congresso, não. Mas, de qualquer modo, serve para medir o nível de radicalização da sociedade.

Teoria dos jogos e o radicalismo na política

A Economist torce o nariz para os candidatos conservador e trabalhista, anunciando seu apoio aos liberais-democratas. É um pouco como se a imprensa liberal local (o Estadão, por exemplo) anunciasse seu voto em Geraldo Alckmin contra Bolsonaro e Haddad. Tem pouco efeito prático, como se viu nas eleições de 2018.

É até certo ponto um enigma a falta de votos do chamado “centro razoável”. É lugar-comum o raciocínio de que a maior parte do eleitorado não é radical e estaria, portanto, pronta a votar em um candidato “de centro”. Há uma “avenida a ser explorada”, dizem.

Uma pista do porquê do fracasso das alternativas de centro pode ser intuída da própria matéria da Economist. A revista acha “razoável” um aumento “razoável” de gastos públicos com um aumento “razoável” de impostos. O candidato liberal-democrata seria esta alternativa “razoável”.

Ocorre que uma parcela crescente da população não aguenta mais “pagar imposto pra sustentar vagabundo”, enquanto outra parcela quer “que os ricos distribuam sua renda para os pobres”. E esta clivagem, por incrível que pareça, tem pouco a ver com a renda: tem muito pobre muito cioso do seu mérito em ter conseguido o pouco que conseguiu, e tem muito rico com peso em sua consciência social. Se fosse somente uma questão de renda, não precisaria de eleição, bastaria um censo econômico.

Assim, estes dois grupos, ainda que minoritários, põem-se firmemente ao lado de candidatos com ideias radicais. O que acontece com o centro, que de fato é majoritário se comparado aos extremos? Aqui entra um pouco de Teoria dos Jogos: o eleitor de centro, apesar de ser de centro, tem um certo viés para um dos dois lados mais radicais. A sua primeira opção seria o centro, mas uma segunda forte opção é evitar que o “outro lado” vença. Como votar no candidato de centro é assumir o risco de que o outro lado vença, o voto vai para o segundo ótimo, que é o candidato radical do lado “menos ruim”. O eleitor centrista serve então como o fiel da balança entre dois candidatos radicais, mas sem poder para eleger um candidato centrista. Está aí John Nash explicando a polarização atual.

Eleição é emoção. Difícil imaginar um candidato de centro defendendo apaixonadamente um programa de “um pouco mais de impostos para um pouco mais de benefícios sociais”. Somente candidatos radicais conseguem despertar paixões. Alckmin foi o símbolo máximo dessa falta de emoção. O povo, a essa altura do campeonato, quer ver o circo pegar fogo. E os bombeiros do centro vão continuar votando no incendiário menos deletério.

Algo mais do que política

O Estadão traz hoje uma reportagem sobre o aumento de casos de atendimento psicológico por causa das eleições. Insônia, angústia etc estão no cardápio.

Este trecho me chamou a atenção. Os rompimentos familiares por causa da política não teriam as divergências políticas como causa última, mas sim outros fatores anteriores.

Em casa tenho, digamos assim, diversidade de opiniões políticas. Nem por isso deixamos de nos falar e nos querer bem. Não vemos a política como algo suficientemente sério para estragar nosso relacionamento.

Não quero, de maneira alguma, simplificar algo muito complexo, como o são as relações familiares. Cada um sabe onde aperta o seu calo. Mas, talvez, e apenas talvez, pensar que pode haver algo mais além de política no rompimento de relações familiares próximas (irmãos, país, filhos) pode ser uma alternativa para entender o que anda acontecendo.

A divisão da nação

Em 1861, os Estados do Sul declararam guerra aos Estados do Norte. Os Estados Unidos entravam, assim, em um período de 4 anos de uma guerra civil que deixou cerca de 700 mil mortos. Atualizando para a população de hoje, seriam 5 milhões. CINCO MILHÕES DE MORTOS.

Não consigo pensar em nada mais divisor do que uma guerra civil. E os Estados Unidos são o que são. Não apesar da guerra, mas POR CAUSA da guerra. Não fosse a vontade férrea de Abraham Lincoln, até hoje considerado o maior presidente da história dos EUA, o país não passaria hoje de uma série de republiquetas. A divisão não tem nada a ver com o desenvolvimento dos países. Todos os países desenvolvidos têm divisões internas fortes e que levam, muitas vezes, à paralisia do governo. O que há, no entanto, é a convicção de que não há solução fora da democracia. Lembrando Churchill, a democracia é o pior de todos os sistemas de governo, com exceção de todos os outros.

Países com pensamento único são totalitários. Países democráticos resolvem seus impasses no voto, com um judiciário independente e uma imprensa livre.

A ascensão de Bolsonaro foi a resposta dada pelo povo brasileiro à apropriação do Estado brasileiro pelo PT, sob o olhar complacente dos tucanos. Se hoje Bolsonaro e PT polarizam as eleições, é porque o auto-denominado “centro democrático” não deu as respostas corretas no tempo correto. A tentativa de aglutinar forças a duas semanas das eleições soa patética.

Uma candidatura é uma construção com base na realidade. E a realidade é que o “centro democrático” representa pouca gente hoje. Por culpa exclusiva daqueles que hoje clamam por uma “união do País”.

Como você prefere morrer?

Está bem legal ver essa competição entre os anti-Bolsonaro e os anti-petistas.

Vejam, não me refiro aos bolsonaristas de 1a hora ou aos petistas (ou lulistas) de carteirinha. Estes têm convicção no seu voto.

Estou me referindo ao “grande centro”, que na verdade vem se mostrando pequeno, e que não concebem o país sob o domínio de nenhum desses dois lados.

Mas, dado que só dois passam para o 2o turno, e a possibilidade crescente de que Bolsonaro e o candidato de Lula sejam esses dois, os centristas do Partido do Bom Senso buscam, no fundo de suas almas, forças para votar em um dos dois.

É como escolher de que morte se prefere morrer.

Quando a intolerância é virtude

São cada vez mais comuns análises sobre a crescente “intolerância política” no país. São análises que tomam como pressuposto de que há um embate de ideias entre dois campos legítimos. Sendo assim, essa suposta intolerância estaria na contramão da civilização, que supõe o respeito pelo outro.

Nada mais falso. O verdadeiro combate não é de ideias, mas moral. Duvido que alguém, no Brasil, se disporia a xingar outra pessoa na rua por ser marxista ou neoliberal ou desenvolvimentista.

Mas sim, há um acirramento dos ânimos quando um dos lados defende ladrões, que roubam sobretudo dos mais pobres, em nome de uma ideologia. E, quando são acusados, defendem a “tolerância com a opinião alheia”. Compreende-se que alguém perca as estribeiras quando, ao simplesmente defender a honestidade, é acusado de “não gostar de pobre”.

Uma sociedade civilizada é feita de tolerância para com ideias diferentes e intolerância para com o crime. A intolerância, neste caso, é virtude, por mais que analistas chapa-branca preguem o oposto.