Há vida inteligente em Brasília

O presidente do TST cassou liminar que impedia o leilão da Amazonas Energia e da CEAL. Esta liminar havia sido concedida por um desembargador do TRT da 1a região, sob a alegação de que a privatização colocava em risco os empregos nas concessionárias licitadas. O presidente do TST considerou este argumento “frágil”, pois a privatização foi determinada em processo legislativo legítimo e os direitos trabalhistas devem ser buscados através dos canais competentes, e não no processo de privatização.

Sim, nem tudo está perdido. Há vida inteligente em Brasília.

Direito assegurado de não ter água

Vamos relevar a idiotice de dizer que uma empresa lucrativa não vende mercadoria. É típico de quem tem os conceitos muito confusos na cabeça.

Vamos estender o conceito.

Comida também é um direito, não? Deveria ser tratada como mercadoria? Deveria haver uma grande estatal tratando da produção e comercialização de comida?

Vestir-se também é um direito. As roupas deveriam, portanto, ser produzidas por empresas estatais, correto?

Aliás, de tudo o que consumimos, o que pode e o que não pode ser considerado “um direito”? Quem define o que é direito? Digamos que fosse possível fazer esta definição. Tudo o que fosse definido como “direito” deveria ser produzido por uma empresa estatal?

Nas antigas economias comunistas (URSS e seus satélites), tudo era considerado direito do povo. E todo direito era produzido por empresas estatais. Deu muito certo mesmo. Cuba continua tentando.

Um terço da população da cidade do RJ não tem coleta de esgoto, e mais da metade do esgoto coletado não é tratado. Este é o resultado da “garantia de direitos” proporcionada pela CEDAE.

Ao que tudo indica, o único direito verdadeiramente garantido ao carioca é o de ter uma empresa estatal de estimação. Parabéns.

Um pouco de otimismo

Bolsonaro propõe a independência do BC, enquanto Haddad volta atrás no plano de “mandato dual” e reafirma a autonomia do BC.

Quem diria que, há somente 4 anos, Marina Silva foi pulverizada na TV por propor a independência do BC, que teria como consequência o desaparecimento da comida da mesa do brasileiro.

O mesmo aconteceu com as privatizações. Há 12 anos, Alckmin foi pulverizado por uma campanha anti-privatização do PT, a ponto de ter a brilhante ideia de vestir o “jaleco das estatais”.

Hoje, Paulo Guedes propõe uma “privatização selvagem” e o PT sequer toca no assunto.

Sai otimismo, sai desse corpo que não te pertence!

Um símbolo

O RJ está quebrado.

Para fechar as contas, aprovou um empréstimo com o aval da União, tendo como garantia um dos poucos ativos do Estado com algum valor: a empresa de saneamento CEDAE.

Ou seja, se o Estado não conseguir honrar o empréstimo, a União terá o direito de executar a garantia: a CEDAE será federalizada e, posteriormente, vendida para o ressarcimento dos seus cofres.

Pois bem.

Os deputados estaduais fluminenses aprovaram, POR UNANIMIDADE, uma proibição à venda da CEDAE. Pezão vetou esta proibição. Agora, depois que os dois candidatos ao governo que chegaram ao 2o turno mostraram reticências em relação à venda da estatal, os deputados estaduais estão se preparando para derrubar o veto do governador.

O que acontecerá? Um imbróglio jurídico. A União tentará executar a garantia (claro, porque quem aí aposta que o Estado do RJ conseguirá honrar a dívida?) contra uma lei estadual. A coisa se arrastará por anos, ou mesmo décadas, no STF. Enquanto isso, adivinha quem financiará o rombo do RJ? Não precisa ser muito esperto, não é mesmo?

Imagine se a moda pega. A União financia o rombo de uma unidade da federação, tendo como garantia um ativo controlado por essa unidade. Posteriormente, o legislativo dessa unidade da federação proíbe a venda desse ativo. Na prática, trata-se de um calote antecipado. E a conta será paga pelos de sempre.

Como gostam de dizer, a CEDAE é um símbolo. Símbolo dos interesses corporativos e ideológicos que se unem para roubar o contribuinte.

Não vai ter estelionato eleitoral

“Você não pode ter uma política predatória no preço combustível para salvar a Petrobras e matar a economia brasileira. Qualquer coisa no combustível reflete no preço da mercadoria que tá lá na ponta. Ninguém quer a Petrobras com prejuízo, mas também não pode ser uma empresa que usa do monopólio para tirar o lucro que bem entende.”

Ciro não teria dito melhor.

Dilma não teria dito melhor.

Um mérito Bolsonaro tem: ninguém vai poder acusá-lo de estelionato eleitoral.

Plano B

Paulo Guedes também tem um “ambicioso plano de privatizações” para abater a dívida.

A julgar pela experiência da Grécia, seria salutar ter um plano B na manga.

O Brasil continua o mesmo

Publiquei o post abaixo há um ano.

Não, a Eletrobrás não foi privatizada.

Sim, o Brasil continua o mesmo.


O anúncio da privatização da Eletrobrás, além de todos os méritos óbvios, tem mais um ainda pouco percebido, mas muito importante: começa a tornar plausível, imaginável, um cenário em que a Petrobras possa ser privatizada.

Antes do anúncio da privatização da Eletrobrás, a privatização das vacas sagradas do Estado brasileiro (Petro, Eletro, Banco do Brasil e Caixa) era apenas um delírio de liberais insanos, que não tinha a mínima, a mais remota chance de acontecer.

Sem querer comparar a Eletro com a Petro (são empresas que estão em patamares diferentes no imaginário do perfeito idiota latino-americano), somente o fato de a privatização da Eletrobrás ter sido anunciada move a privatização da Petrobras do campo dos unicórnios e duendes para o campo da viagem para a Lua. Muito difícil, mas possível, afinal.

Não é nada, mas é muito, em um país ainda preso a fetiches do século XX.

Um programa de governo liberal

Dei uma olhada no programa de governo de Jair Bolsonaro, especificamente as propostas na área econômica. Vou listar apenas as propostas concretas, não o “dever ser” comum a todos os candidatos, e comentar.

Proposta: criação do Ministério da Economia, que abarcaria os atuais Ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio.

Comentário: tudo que venha para diminuir a estrutura burocrática do Estado é bem-vindo. Mas a redução per se de ministérios tem apenas um valor simbólico, importante sem dúvida, mas que não garante a diminuição da máquina.

Proposta: logo no início do programa, encontramos a proposta de buscar superávit primário que equilibre a relação dívida/PIB no espaço de tempo mais curto possível. Mais à frente, a coisa fica mais específica: equilibrar as contas no primeiro ano e fazer superávit primário no 2o ano.

Comentário: o ajuste seria draconiano, algo equivalente, em termos políticos, ao que Collor fez ao confiscar a poupança no início do seu governo. Não estou aqui comparando as duas coisas, estou apenas chamando a atenção para a dificuldade política de se fazer isso.

Proposta: reduzir em 20% a dívida pública por meio de privatizações.

Comentário: a dívida pública está em aproximadamente R$ 3,7 trilhões. 20% somaria R$ 730 bilhões. A Petrobras seria, de longe, a empresa mais valiosa, e arrecadaria algo como R$ 100 bilhões. Mas a Petrobras não será privatizada. Fico imaginando qual foi a conta para chegar nesse montante.

Proposta: orçamento base-zero (o montante gasto no passado não justifica os recursos demandados no presente).

Comentário: boa proposta, mas a implementação é difícil, é necessário um processo orçamentário muito mais trabalhoso. É preciso muita vontade política para a implementação.

Proposta: introdução paulatina do regime de capitalização para a Previdência.

Comentário: se pudéssemos zerar a conta de todo mundo e começar tudo de novo, este seria o melhor regime. Mas o problema é que os novos entrantes no regime pagam as pensões dos que se aposentam. Sem esses novos entrantes, que optariam pela capitalização, abre-se um rombo na previdência antiga. O programa aponta a criação de um “fundo” para custear este rombo. A origem do dinheiro para constituir este fundo não é especificado pelo programa. Inclusive, mais à frente, a proposta diz que haverá redução da tributação sobre salários. A conta não fecha.

Proposta: renda mínima universal.

Comentário: bom programa, uma extensão do Bolsa Família.

Proposta: reforma tributária.

Comentário: só coloquei aqui porque poderiam pensar que esqueci. Existem só desejos genéricos de reforma tributária, nada de realmente concreto.

Proposta: independência formal do Banco Central.

Comentário: show.

Proposta: carteira de trabalho verde-amarela, com menos direitos trabalhistas e menos impostos.

Comentário: show. Eu optaria no mesmo dia da implantação.

Proposta: redução de alíquotas de importação e barreiras não-tarifárias.

Comentário: show. Sem comentários adicionais. Aliás, se isso for verdade, distingue Bolsonaro do Trump em um ponto importante.

Proposta: depreciação acelerada.

Comentário: muito bom, favorece investimentos, mas significa um subsídio que diminuirá o imposto arrecadado das empresas. Parece ir contra o ajuste fiscal.

Proposta: criação do Balcão Único para a criação/fechamento de empresas.

Comentário: muito bom. Temos em SP a experiência do Poupa-Tempo, que funciona muito bem.

Proposta: prazo máximo de 30 dias para resposta final, por parte dos órgãos públicos, de documentação para abertura/fechamento de empresas. Caso não haja resposta neste prazo, a empresa estará automaticamente aberta ou fechada.

Comentário: show.

Proposta: redução gradual das exigências de conteúdo local para a indústria de óleo e gás.

Comentário: muito bom.

Proposta: preços praticados pela Petrobras deverão seguir os preços internacionais, mas com hedge que suavize os movimentos de curto prazo.

Comentário: falar é mais fácil do que fazer. Normalmente quando as flutuações são baixas o hedge é desnecessário e quando as flutuações são altas o hedge é muito caro.

Proposta: acabar com o monopólio da Petrobras sobre toda a cadeia de produção de gás.

Comentário: todo fim de monopólio é bem-vindo.

Comentário final: as propostas econômicas ocupam, de longe, a maior parte do programa. Talvez porque Bolsonaro sabe que precisa ganhar a confiança nesta área de potenciais indecisos. O ponto fraco é justamente como lidar com o déficit fiscal: o programa nesta área é uma mistura de boas intenções com contradições. Dá para dar um desconto, dado que se trata de um assunto complicado mesmo. A direção geral está correta, melhor do que não reconhecer que Houston, we have a problem.

Trata-se de um programa, sem sombra de dúvida, liberal. Resta saber quão sincera e perseverante é a conversão do capitão ao ideário liberal. Pois será necessária muita convicção para obter o apoio do Congresso ao programa e para manter a rota quando os resultados demorarem a aparecer.

O símbolo do Brasil

Trecho da entrevista de André Lara Rezende, principal formulador econômico da campanha de Marina Silva, hoje, no Estadão.

Concordo com ele. A Petrobras é um símbolo. Símbolo de um país atrasado, preso a mitos do passado. Sujamos nossas mãos de óleo enquanto a Apple ultrapassa um trilhão de dólares em valor de mercado. E o pior é que Marina e André Lara não estão sozinhos. Com exceção do Amoêdo (Paulo Guedes não conta, o candidato é o Bolsonaro), todos os outros candidatos pensam da mesma maneira.

A Petrobras é um símbolo. Enquanto a Petrobras não for privatizada, não conseguirei acreditar em nenhum discurso de modernização e eficiência do país.