Fernando Haddad é o Forrest Gump do governo Lula. Enquanto a vida real acontece aqui fora, o ministro se dedica a contar histórias. A história do Desenrola, por exemplo, tem tons dramáticos, mas a realidade é que milhões de brasileiros continuam pendurados em dívidas, à espera de um “sistema” que deveria chamar-se Godot.
Mas a história mais heróica de nosso Forrest Gump tropical é o “superávit primário em 2024”, fruto do seu épico “novo arcabouço fiscal”. Declarações grandiloquentes de “prendo e arrebento os sonegadores” sucumbiram a um meigo pedido de Janja para não taxar as brusinhas da Shein.
E a realidade continua a desafiar o mundo idílico de Forrest. Ontem, seu chefe anunciou medidas que aumentam despesas e reduzem receitas, colocando mais uma bola de ferro na perna do nosso personagem fantástico, que já tem problemas sérios para caminhar.
No seu mundo alternativo, Forrest Gump se livra do aparelho que o ajuda a andar, e sai correndo para o mundo. Haddad tem, de alguma forma, esse pensamento fantástico, que transmite sem pudor para as pessoas, como se fosse a realidade. Na cabeça de Haddad, ele vai se livrar de todas essas amarras da realidade, e sair correndo pelo mundo.
Entrevista com o novo ministro do Trabalho, Luíz Marinho. Saiu no jornal de ontem, mas só tive tempo para comentar hoje. A entrevista contém várias pérolas. Tendo sido difícil escolher as melhores, decidi reproduzir tudo.
Em resumo, Marinho propõe aumentar o salário mínimo para aumentar a demanda e a arrecadação do governo, como se o moto perpétuo existisse. Além disso, pretende aumentar a formalização da mão de obra “visitando” a reforma trabalhista, uma reforma que justamente permitiu aumentar a formalização, ao reconhecer formas alternativas de trabalho. Por fim, Marinho até arrisca uma análise “supply side” da economia, ao reconhecer que os empresários precisam antes investir para criar a oferta. O aumento do salário mínimo, então, faria o papel de convencer os empresários de que a demanda estará lá quando estiverem produzindo. Brilhante.
Mas é para a parte final da entrevista que eu gostaria de chamar a vossa atenção: Marinho vai “negociar” com Uber e iFood melhores salários para os motoboys e motoristas, como se ainda fosse sindicalista da Volkswagen em São Bernardo do Campo.
Marinho vive na década de 70, época em que a indústria representava mais de 30% do PIB nacional e os sindicatos cuidavam dos interesses de trabalhadores bem estabelecidos em seus empregos formais nessas empresas. Passaram-se 50 anos, o muro de Berlim caiu, o PIB do setor de serviços explodiu, a tecnologia digital revolucionou as relações de trabalho, e Marinho ainda acha que vai resolver algum problema dos trabalhadores sentando-se à mesa com os “patrões exploradores”.
Aliás, note como a palavra “exploração” aparece repetidamente na entrevista, refletindo exatamente a ideia de seu chefe, que afirmou recentemente que “o empresário fica rico sem trabalhar”. Essa é a mentalidade que nos preside no momento, e Marinho apenas empresta a sua voz a essa mentalidade.
Claro que tudo isso é só espuma. A grande missão do ministro do Trabalho é encontrar um meio de voltar com o imposto sindical. Afinal, os sindicatos precisam ser fortes para negociarem com os patrões exploradores. E também, porque não dizer, para apoiar campanhas eleitorais de políticos comprometidos com a causa dos explorados, quer dizer, dos trabalhadores. Afinal, como certa vez Anthony Garotinho resumiu magistralmente, o PT é o “partido da boquinha”.
Em uma breve frase com duas afirmações, Lula conseguiu cometer dois erros. Não, não é possível aumentar o mínimo acima da inflação e não, aumentar o mínimo acima da inflação não é a melhor forma de fazer distribuição de renda. Vejamos.
A primeira afirmação é mais fácil de rebater. O aumento do salário mínimo afeta diretamente as contas da Previdência, que já enfrentam déficit considerável. Sendo a principal conta dos chamados gastos obrigatórios, qualquer aumento acima da inflação automaticamente comprime os gastos não obrigatórios, em um regime de teto de gastos (que, até segunda ordem, ainda é o regime fiscal brasileiro). Uma eventual mudança do regime fiscal poderia abrir espaço para aumentos reais (acima da inflação), mas o duro será convencer os credores (insensíveis por natureza) de que a dívida brasileira é sustentável.
A segunda afirmação já envolve outro nível de argumentação. Em primeiro lugar, é preciso saber se o aumento real do salário mínimo promove distribuição de renda. E, em promovendo, se seria a melhor forma de fazê-lo.
A intuição parece indicar que, de fato, melhorando a remuneração dos mais pobres, estaremos melhorando a distribuição de renda. Afinal, se os mais pobres ganham mais, a sua renda será maior em relação ao todo, e esta é a definição de distribuição de renda.
Bem, nem sempre os efeitos econômicos de medidas governamentais seguem a nossa intuição. Este é um caso. Aliás, investindo uma pouco mais na lógica do que na intuição, concluiríamos que, se dependesse somente de uma canetada do governo, não haveria país “desigual” no mundo. Aliás, não haveria país pobre no mundo. Obviamente, não deve ser assim.
O fato é que, no longo prazo, os salários dependem da produtividade do trabalhador. Pode Jesus Cristo descer na Terra e decretar um salário mínimo de R$ 5.000. Se a produtividade do trabalhador não for suficiente para pagar a conta, das duas uma: ou o trabalhador aceita receber menos “por fora”(trabalho informal), ou as empresas simplesmente deixam de existir por absoluta inviabilidade econômica (desemprego).
Os que defendem o estabelecimento de um salário mínimo maior acreditam que, mesmo que induza alguma informalidade, serve como uma espécie de referência para os salários, induzindo aumentos reais nas faixas de renda mais baixas e, portanto, melhorando a distribuição de renda. Por exemplo, um artigo do professor Ricardo Carneiro, da Unicamp, apresenta como evidência a diferença do salário mínimo em relação ao salário médio de países que têm distribuição de renda melhor que a brasileira, como se fosse o estabelecimento do salário mínimo maior que tivesse levado à melhor distribuição de renda, e não o oposto, dada a produtividade maior do trabalhador de países mais desenvolvidos.
De maneira geral, os artigos acadêmicos a respeito do tema mostram resultados inconclusivos. Por exemplo, artigo publicado no IPEA, que faz um levantamento da literatura, chega a essa conclusão.
Mesmo naqueles que mostram algum efeito positivo do aumento real do salário mínimo sobre a distribuição de renda, uma parte relevante desse efeito vem justamente do reajuste das aposentadorias, não do mercado de trabalho. Além disso, é sempre bom lembrar que, mesmo efeitos positivos podem ter vida curta, se a produtividade do trabalhador não acompanhar o aumento do SM. Ou seja, o efeito pode ser positivo em determinada janela, mas pode desaparecer em uma janela posterior.
Este é o fato geral. Especificamente no Brasil, o cenário é agravado pelo peso do salário mínimo nos gastos do governo (Previdência). Então, as consequências inflacionárias do desequilíbrio fiscal podem, inclusive, causar uma piora da distribuição de renda no longo prazo.
Mesmo assumindo algum efeito positivo sobre a distribuição de renda, o fortalecimento de programas sociais parece ser mais efetivo para este fim do que mexer com o SM, pois 1) não introduz um artificialismo no mercado de trabalho, o que acaba por prejudicar a alocação de capital no longo prazo e 2) tem efeito de expansão fiscal muito mais limitado.
Lula insiste na valorização real do SM porque seus viés sindicalista vê o governo como o braço forte que fará pender a balança do capital x trabalho em direção a este último. O problema é que a realidade econômica se impõe, e o voluntarismo do governo acaba cobrando o seu preço. Sempre.
Reportagem de hoje no Valor destaca levantamento feito pela LCA Consultores com base na PNAD, e que indica que apenas um terço dos trabalhadores brasileiros recebe mais de 2 salários mínimos. Portanto, saiba que, se você ganha mais de R$ 2.500 por mês, você pertence ao terço mais bem remunerado do Brasil.
O diagnóstico unânime dos especialistas entrevistados é de que a produtividade da mão de obra brasileira não permite remuneração maior. Ou seja, o valor agregado pelo trabalhador brasileiro, em média, é baixo, não permitindo uma remuneração melhor. Lembrando que, para pagar um salário, o empresário precisa vender um produto ou serviço. E as pessoas estarão dispostas a comprar esse produto ou serviço se virem nele algum valor que compense o preço. Se o valor agregado é baixo, o preço será mais baixo e os salários serão mais baixos.
Para aumentar a produtividade do trabalhador brasileiro só há dois caminhos, complementares entre si: investimento em automação e processos e na qualificação da mão de obra. A reportagem aborda esse segundo ponto, que é uma especie de unanimidade nacional.
No entanto, gostaria de chamar a atenção para o caso do garçom destacado no final da matéria. Ganhando pouco mais de um salário mínimo, o garçom decidiu matricular o seu filho em uma escola particular. O exemplo de dedicação e visão de futuro é louvável, mas é outro ponto que me chamou a atenção: por que raios esse pai sentiu necessidade de pagar uma escola para o seu filho, se tem à disposição uma escola pública “de graça”?
A resposta é óbvia: a qualidade percebida. Certo ou errado, esse pai viu na escola particular mais qualidade do que na escola pública, a ponto de abrir mão de um benefício que o Estado lhe confere. Assim como as pessoas, quando podem, pagam um plano de saúde para não dependerem do SUS, na educação, pagam uma escola particular para não dependerem do ensino público.
O que é pior: muito provavelmente, a qualidade de uma escola barata de bairro não é substancialmente maior do que a de uma escola pública, se é que é maior. A diferença é que os professores não faltam, não tem greve e, principalmente, o pai é um cliente e tem com quem reclamar.
Mas, da forma como está a estrutura dos vestibulares das universidades públicas hoje, esse garoto estará em último lugar na fila se não conseguir entrar através de alguma cota racial. Isso porque as cotas sociais exigem que o candidato tenha cursado ensino fundamental e médio na escola pública. Portanto, o filho do garçom disputará vaga com jovens que cursaram escolas muitas vezes mais caras. Qual a chance? O mais provável é que este garoto tenha que pagar uma faculdade particular barata também de baixa qualidade, o mesmo que seu par da escola pública que não conseguiu entrar pelas cotas raciais/sociais. A sua produtividade continuará baixa.
Falei acima que educação é uma espécie de unanimidade nacional. Dilma Rousseff chegou a escolher como lema de seu governo “Brasil, Pátria Educadora”. Por que, então, com todo o investimento feito no setor (que não é pouco), não saímos do lugar? Por que é tão difícil elevar a qualidade do nosso ensino básico público? Com a palavra, os especialistas.
Barroso suspendeu liminarmente, em uma decisão monocrática, uma lei aprovada pelas duas casas do Congresso e sancionada pelo presidente da República. E, aparentemente, sua justificativa não se baseia em qualquer dispositivo constitucional, mas na possibilidade de “fechamento de vagas de enfermeiros”.
Obviamente não sou fã dessa lei. Creio que é o mercado que melhor decide sobre quanto um enfermeiro, ou qualquer profissional, deve ganhar. No caso, trata-se de um mercado competitivo, fragmentado, em que nenhum player empresarial domina a ponto de ter poder de barganha sobre os salários. Qualquer intervenção externa tende a afetar esse equilíbrio, levando, no caso, a demissões e/ou aumento de custos para os usuários.
Mas não é este o ponto aqui. Barroso atua, novamente, com base em suas “boas intenções”, ao invés de se ater ao texto da Lei Maior. Com base nesse entendimento, o salário mínimo deveria também ser revogado. O salário mínimo é um dos principais, senão o principal, motivo para o alto desemprego estrutural brasileiro e o grande grau de informalidade do mercado de trabalho. Assim como qualquer piso salarial artificial, o salário mínimo impede a contratação de uma mão de obra que não tem qualificação suficiente para produzir o tanto que custa. Não há lei que mude essa realidade, infelizmente.
Os políticos brasileiros são demagogos e não entendem as leis da economia. Por isso, produzem leis que, ao fim e ao cabo, prejudicam a população brasileira no longo prazo. Mas um STF voluntarioso não é a solução para este problema. Porque se hoje o ministro Barroso está “empurrando a história” para o lado com o qual eu concordo, amanhã poderá ser o contrário, como no caso do aborto, por exemplo. O ponto é que o Judiciário não pode substituir o Legislativo, seja a que título for.
PS.: podemos estar somente presenciando um jogo de cena, em que Legislativo e Executivo jogam para a torcida e o Judiciário assume o ônus de ser o “bad cop” da história, uma vez que não precisa de votos. Seria menos mal, mas não deixaria de ser um traço de brasilidade de nossas instituições.
Neste episódio, examinaremos três políticas sociais do PT, aclamado por todos os bem-pensantes como “o partido que se preocupa com os pobres”. Nesse sentido, Lula não se cansa de dizer que vai recolocar o pobre no orçamento. Vejamos, então, quais foram os reais efeitos do FIES, do Minha Casa Minha Vida (MCMV) e da política de valorização real do salário-mínimo.
FIES
No final do ano passado, nada menos do que 50% dos estudantes que haviam contratado empréstimos pelo FIES estavam inadimplentes, o que significa mais de três meses em atraso com os pagamentos, acumulando uma dívida de R$ 6,7 bilhões. Como chegamos neste ponto?
As informações que serão expostas abaixo foram retiradas de uma auditoria do TCU, que pode ser lida na íntegra aqui, e dos dados do censo do ensino superior, aqui.
O FIES, um programa de financiamento estudantil, foi criado em 1999, no governo FHC. Mas foi em 2010, no apagar das luzes do governo Lula, que o programa sofreu as modificações que o levariam ao estado atual. Com a sua maneira pitoresca de ver a realidade, Lula assim descrevia a sua realização:
Difícil sabe de onde saiu este número de “4 milhões” em 12 anos. Entre 2003 e 2014, entraram 17,7 milhões de alunos no sistema privado de ensino superior, e o FIES concedeu, entre 2009 e 2015, 2,3 milhões de financiamentos. Como o número de financiamentos antes de 2009 é muito pequeno, não chegaremos aos 4 milhões. Muito menos aos 4 milhões “em todo o século 20”. Bem, este é o Lula mistificador que conhecemos. De qualquer forma, o efeito da mudança no Fies pode ser visto na tabela a seguir, retirado do relatório do TCU, e que mostra a evolução do número de financiamentos do FIES:
A questão é saber se funcionou. Será que valeu a pena gastar todo esse dinheiro? Vejamos.
No gráfico abaixo, mostramos o número de matrículas no sistema privado de ensino ao longo dos anos. Em azul o total de matrículas em cada ano (escala da direita) e, em laranja, a diferença de cada ano em relação ao ano anterior (escala da esquerda). Em destaque, os anos em que o governo do PT colocou o pé na tábua no programa.
Observe como o número de matrículas já vinha crescendo de maneira mais ou menos constante desde o final da década de 90, com uma pausa em 2009. Não há realmente nada de especial nos anos em que o FIES cresceu. Segundo os dados do TCU, em 2009 haviam sido concedidos 32,6 mil financiamentos, enquanto em 2014, no auge do programa, foram 732,6 mil financiamentos. Ou seja, exatos 700 mil financiamentos adicionais. Como podemos observar no gráfico acima, de fato, o número de matrículas em 2014 foi o maior da década, mas pode ser comparado a anos como 2001 e 2003, quando o FIES era bem mais tímido.
Colocando em um gráfico o total de matrículas com e sem financiamento, podemos ter uma ideia do que aconteceu:
Podemos observar que, a partir de 2011, o número de ingressantes sem financiamento permanece mais ou menos constante, até recuando em 2013 e 2014. Esse movimento não parece fazer sentido. O número de ingressantes cai em anos de recessão, e não tivemos recessão entre os anos de 2011 e 2013. Portanto, podemos inferir que houve uma espécie de “efeito substituição”: ingressantes que poderiam estar pagando do próprio bolso, optaram por tomar o financiamento. Esse efeito fica evidente entre os anos de 2014 e 2015: apesar de 2015 ter sido um ano de recessão profunda, o número de ingressantes sem financiamento aumenta em relação a 2014, o que não faz nenhum sentido.
De fato, temos relatos de que as próprias empresas educacionais induziram esse movimento. E o motivo é óbvio: melhor o aluno ficar inadimplente com o governo do que com a própria faculdade. O FIES foi uma espécie de transferência de risco de inadimplência da iniciativa privada para o governo. E a conta vamos nós todos pagar agora, com a anistia aos devedores do programa. Como sempre.
A lógica do FIES, em si, não está errada. Trata-se de conceder financiamento para jovens pobres que, uma vez formados e inseridos no mercado de trabalho, poderão pagar a dívida com o seu salário. Faculdades renomadas, como o Insper, usam a mesma lógica: concedem bolsas de estudos que serão, depois, pagas pelos alunos formados em alguns anos. Assim, trata-se de um ganha-ganha-ganha: ganha a faculdade, que consegue aumentar o número de alunos; ganha o aluno, que consegue cursar uma faculdade que, de outra maneira, estaria fora de seu alcance; e ganha o país, que consegue qualificar uma parcela da população mais pobre para a força de trabalho.
Qual, então, a diferença entre as bolsas do Insper e o FIES? O critério. O Insper implementa a sua política de bolsas com critério técnico, de modo a fazer com que o programa se torne perene. O FIES, por outro lado, foi um programa expandido com critérios populistas e eleitorais, com o objetivo de incluir o maior número de pessoas no menor espaço de tempo possível. O resultado foi o voo de galinha característico dos programas patrocinados pelos governos do PT. No final do processo, o TCU, em sua auditoria aponta o uso indiscriminado de “créditos extraordinários” para cobrir os custos do programa. Da mesma forma que vimos em outras frentes, o FIES, em sua fase final, foi sustentado por “pedaladas” orçamentárias. É o que acontece quando critérios populistas substituem critérios técnicos.
Minha Casa, Minha Vida (MCMV)
O MCMV, programa habitacional do governo do PT, a exemplo de outros programas do partido, foi lançado com pompa e circunstância, naquele conhecido estilo “nunca antes na história desse país”.
Ao lado da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, Lula anunciou, em 25/03/2009, o objetivo de construir 1 milhão de casas. Mas sem prazo definido.
O programa, em si, era meritório. Afinal, temos um grande déficit habitacional, e subsidiar as prestações da casa própria para os mais pobres parece ser uma forma adequada de distribuição de renda. O problema, como sempre, foi o gigantismo das pretensões, que fez colidir o desejo com a realidade.
Apesar de ter tido a prudência de não ter colocado uma meta, em dezembro de 2010 o ainda presidente Lula anunciou o cumprimento da promessa de fazer 1 milhão de casas. Na verdade, foram “contratadas” 1 milhão de casas no âmbito do programa, não construídas. Utilizando novamente a sua linguagem peculiar, Lula afirmou:
O problema é que “contratar” é diferente de “fazer”. Segundo auditoria do TCU, de setembro de 2016, o governo havia construído somente 732 mil unidades até 2015. Além disso, a CGU, em auditoria de fevereiro de 2018, apontou que 56% dos imóveis construídos apresentavam alguma falha de construção.
Isso não impediu que Lula, ainda hoje, estampe no seu site que foram entregues 2,1 milhão de casas somente na Faixa 1 do programa, cerca de 3 vezes mais que os números constatados pela auditoria do TCU.
Como todo programa grandioso do PT, o MCMV deixou um rastro de destruição de dinheiro por onde passou. Segundo reportagem do Valor de agosto de 2020, o programa vem sofrendo com inadimplência elevada, principalmente na faixa 1, aquela destinada à população de mais baixa renda:
Ou seja, nada menos do que 44% dos devedores estavam com prestações atrasadas há mais de 90 dias na época do levantamento. Isso, obviamente, acabará como custo para o Tesouro (além dos subsídios), a exemplo do que vimos com o FIES.
De qualquer forma, o grande objetivo do programa era diminuir o déficit habitacional brasileiro. Será que conseguiu? O gráfico a seguir mostra a evolução do déficit habitacional desde 2007, segundo a Fundação João Pinheiro, fonte mais confiável para este tipo de informação.
Podemos observar que, com exceção de 2010, o déficit habitacional fica entre 5,5 e 6,0 milhões de residências. O dado de 2010 difere dos demais pois foi calculado com base no censo daquele ano, ao passo que os dados dos outros anos se basearam na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios). Não é possível, portanto, determinar uma queda significativa no déficit. Se o número de 2,1 milhão de casas trombeteado por Lula fosse verdadeiro, deveria fazer alguma diferença visível neste gráfico.
Em resumo, o Minha Casa, Minha Vida, assim como vários outros programas dos governos do PT, serviram para fazer muita espuma, mas o resultado final, como sempre, foi um rastro de destruição das contas públicas sem resultados visíveis de melhoria da vida da população.
A política de valorização real do salário-mínimo
Uma narrativa que sempre vem à tona a respeito dos governos do PT é o crescimento do salário-mínimo. Segundo a narrativa, nunca houve, na história do Brasil, um governo que tivesse valorizado tanto o salário-mínimo do que os governos do PT. Será verdade? Vejamos.
Podemos observar que, de fato, o salário-mínimo cresceu, em termos reais, mais durante os governos do PT do que em outros governos. Foram 4,6% ao ano de crescimento real (acima da inflação), contra 3,8% ao ano durante os anos do governo FHC e zero nos governos Temer e Bolsonaro. O problema, no entanto, é o custo dessa política. Vejamos este outro gráfico:
Note que os gastos com Previdência aumentam 6,3% ao ano, em termos reais, nos governos do PT, contra 6,0% ao ano no 2º mandato de FHC e 2,4% ao ano nos governos Temer/Bolsonaro. Sabemos que grande parte das despesas com a Previdência estão atreladas ao valor do salário-mínimo. Aumentar o salário-mínimo significa aumentar automaticamente os gastos com Previdência, que são a maior rubrica de gastos públicos no país. Não à toa, os gastos com Previdência crescem de maneira proporcional ao aumento do salário-mínimo. A diferença de crescimento entre o salário-mínimo e o crescimento dos gastos com Previdência se deve, basicamente, a fatores demográficos (envelhecimento da população). O efeito da Reforma da Previdência, aprovada em 2017, é muito pequeno nos primeiros anos, e não deve ter influência relevante na queda da velocidade de aumento das despesas da Previdência no período analisado.
O governo Temer (assim como, depois, o governo Bolsonaro), foi obrigado a dar um basta nesses aumentos reais do salário-mínimo, simplesmente porque as contas públicas não aguentavam mais tanta generosidade. Aqui temos mais um caso em que bondades populistas têm efeito sobre o orçamento público, o que acaba espremendo o espaço para outros gastos igualmente ou até mais importantes. Poderíamos pensar, pelos menos, que essa política serviu para diminuir a desigualdade de renda no país. Será? Vejamos o seguinte gráfico:
O índice de Gini representa a desigualdade de renda em um país. Quanto mais próximo de 100, mais concentrada será a renda, quanto mais próximo de zero, mais bem distribuída é a renda. Apenas para termos uma noção, os países mais “iguais” do mundo têm índice de Gini entre 25 e 30, enquanto os países mais “desiguais” têm índice de Gini entre 55 e 60.
No gráfico acima, vemos que o índice de Gini do Brasil veio recuando desde o início do governo Lula, em 2003, quando valia 57,6, terminando o ano de 2016 valendo 53,3. Uma redução de 4,3 pontos no índice neste período. Incluo o ano de 2016 na análise porque, apesar de o governo Dilma ter terminado em abril, seus efeitos ainda seriam sentidos por algum tempo. A piora do índice de Gini em 2016 é o preço pago pelas políticas adotadas em anos anteriores.
Parece, então, que a política de valorização do salário-mínimo, e outras políticas sociais, como o Bolsa Família, de fato ajudaram a distribuir renda. No entanto, observemos o gráfico a seguir:
Neste gráfico, temos a queda do índice de Gini em países emergentes ao longo do mesmo período. Podemos observar que, com exceção de Indonésia e Turquia, houve uma melhora da distribuição de renda generalizada no mundo em desenvolvimento, sugerindo que houve um fator comum a todos esses países, que impulsionou este movimento. Ou seja, a não ser que todos esses países tenham implementado uma política de valorização do salário-mínimo e de distribuição de bolsa-família, deve ter havido algum fator macroeconômico que levou a este resultado tão generalizado. De qualquer forma, não parece ser um mérito exclusivo das políticas do PT.
O gráfico a seguir mostra a real:
A triste realidade é que o Brasil continuava a ser, em 2016, um dos países mais desiguais do mundo, mesmo com todas as “bondades” do PT. A propaganda não substitui a realidade.
Leia todos os episódios da série A Economia Brasileira na Era PT:
“Precisamos garantir vida digna para os brasileiros!”
Com pequenas variantes, este é, de modo geral, o discurso dos políticos brasileiros. E não somente dos políticos. Também é o discurso de todos os que, de uma forma ou de outra, acham que têm a solucionática para toda a problemática brasileira, como dizia o inesquecível Odorico Paraguaçu.
Mas, o que é uma “vida digna”?
Arriscaria dizer que “vida digna” é aquela em que o ser humano tem acesso a todos os bens essenciais à sua sobrevivência. O diabo nessa definição está em definir o que é “essencial”. O que é essencial para mim pode não ser para você, e vice-versa. Além disso, o ser humano tem a incrível capacidade de se acostumar com o seu padrão de vida, de modo que várias coisas se tornam “essenciais” ao longo do tempo. Quem já experimentou uma redução abrupta em sua renda sabe do que estou falando.
Assim, a definição de “vida digna” é algo fluido, que depende da definição do que é “essencial”. No entanto, não por isso vamos deixar de abordar o tema. A propósito, lembro de um caso que ficou famoso na Suprema Corte dos EUA.
Em 1964, o dono de um cinema apelou à Suprema Corte contra uma condenação por exibição de material obsceno. A apelação se baseava na ideia de que é impossível definir a linha que separa o obsceno da nudez artística. O juiz Potter Stewart, embasando seu voto a favor da apelação, saiu-se com a frase que até hoje é considerada o resumo daquilo que não conseguimos definir, mas conhecemos muito bem: “Eu reconheço quando eu vejo” (I know it when I see it), referindo-se a material pornográfico.
Vida digna é difícil de definir. Mas vida indigna é facilmente reconhecível quando se vê.
Em busca de uma definição do que seria essa tal “vida digna”, bati à porta do Dieese, Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Se tem alguém que entende de vida digna são os sindicatos, pensei. Eles não param de defender “vida digna” para os trabalhadores.
O Dieese calcula um “Salário-Mínimo Necessário”, com base, segundo a metodologia, na Constituição de 1988, que define o salário-mínimo como aquele “capaz de atender às suas necessidades vitais básicas (do trabalhador) e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”.
Ok, mas como definir os gastos mínimos em cada um desses itens, de modo a garantir a tal “vida digna” ao trabalhador? Como isso é muito difícil, para não dizer impossível de se fazer, o Dieese usa uma metodologia reversa: calcula o valor de uma cesta básica mínima de alimentos e supõe que esta cesta ocupe um percentual dos gastos totais da família. Vale a pena dar uma olhada nos detalhes.
Para calcular a cesta básica de alimentação, o Dieese usa o Decreto Lei no 399, de 30/04/1938. Sim, você não entendeu errado: o Dieese considera a cesta básica de alimentação definida por uma lei de 1938, a que estabeleceu o salário-mínimo no tempo do Estado Novo. Tem até banha, espertamente substituída por óleo. Mas ok, são detalhes. O que importa vem agora.
Para calcular o “Salário-Mínimo Necessário”, o Dieese considera que o gasto com essa Cesta Básica representa 35,71% do total de gastos do trabalhador. Esse percentual, assim, tão preciso, vem de uma Pesquisa de Orçamento Familiar feita pelo próprio Dieese em 1994. Ou seja, quase 30 anos atrás! Então, ficamos assim: a vida digna do Dieese é calculada com base em uma cesta de alimentos de 1938 e uma pesquisa de orçamento familiar de 1994.
O último valor divulgado desse “Salário-Mínimo Necessário” é de fevereiro/2021: R$ 5.375,05. Este seria o montante necessário para que uma família de 4 pessoas, dois adultos e duas crianças, tivesse uma “vida digna”. Uma renda per capita de R$ 1.343,76. Abaixo disso, a vida no Brasil seria indigna.
De acordo com um trabalho do IBRE-FGV, com base nos microdados da Pnad contínua do IBGE, cerca de 70% dos brasileiros recebiam abaixo deste montante em 2019. Portanto, cerca de 70% dos brasileiros tinham uma vida indigna, segundo o Dieese. Será que é isso mesmo?
Sempre que pensamos em vida indigna, associamos com a vida nas comunidades (antigas favelas). No entanto, segundo levantamento do IBGE, apenas 8% dos domicílios brasileiros encontravam-se no que o IBGE classifica como Aglomerados Sub-Normais (favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos e palafitas – segundo definição do IBGE). Mesmo que esses domicílios tenham em média o dobro dos moradores dos domicílios normais, estaríamos falando de 16% da população brasileira. Restariam, portanto, 54% da população que não mora em domicílios “sub-normais”, mas, mesmo assim, levaria uma “vida indigna”, segundo o Dieese.
Os moradores de domicílios “sub-normais” têm claramente uma vida não digna, segundo os padrões comumente aceitos. E o restante? O que caracterizaria a “não dignidade”?
Podemos elencar alguns pontos:
Pegar ônibus/trem lotado, duas horas para ir, duas horas para voltar do trabalho;
Esperar anos por uma vaga para fazer cirurgia no SUS;
Colocar os filhos em uma escola onde é certeza que sairão sem saber o mínimo necessário de português e matemática para enfrentar um mercado de trabalho extremamente competitivo;
Jogar o esgoto na rua ou diretamente no rio (segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, 47% da população brasileira não tinha tratamento de esgoto em 2018; ou seja, muito mais do que os 16% que supostamente moram em domicílios “sub-normais”).
Note que todos esses pontos ou são “de graça”, ou são oferecidos pelo Estado ou seu preposto em troca de uma tarifa. Saúde e educação são “deveres do Estado e direitos do Cidadão”, dizem. E esgoto e ônibus/trem só tem quando o Estado constrói (ou deixa construir) a rede de coleta ou a rede de transporte.
Portanto, a tal “vida digna” não depende só da renda da pessoa. Depende de que o Estado forneça aquilo que prometeu fornecer. Afinal, o Estado brasileiro arrecada 33% do PIB em impostos, a grandessíssima parte, direta ou indiretamente, daqueles que não tem uma “vida digna”.
Os R$ 1.343,76 do Dieese devem ser gastos com saúde (convênio) e educação (escola particular) para garantir a “vida digna” do cidadão. Obviamente não é possível. Sem contar que nem que a pessoa fosse milionária conseguiria construir uma rede de coleta de esgoto em casa ou colocar um trilho de trem. Este papel do Estado é insubstituível.
Por outro lado…
Existem hoje, no Brasil, cerca de 228 milhões de linhas de telefone celular. Ou seja, mais do que uma para cada habitante. Ok, há pessoas com mais de uma linha. Mas, vamos combinar que grande parte dos brasileiros, mesmo aqueles que vivem em domicílios “sub-normais”, dispõe de um celular. Difícil defender que celular faça parte da cesta da dignidade humana.
Você entra em qualquer domicílio “sub-normal” e vai encontrar uma TV. Segundo dados de 2018, somente 2,8% dos domicílios brasileiros não contavam com pelo menos uma TV. Uma penetração muito maior do que a coleta de esgoto, por exemplo.
O que isto significa?
Significa que uma parte relevante da “vida digna” depende não do salário, mas de serviços prestados pelo Estado. Aqueles elementos da “vida digna” que dependem da iniciativa privada, bem ou mal, chegam para a maioria dos brasileiros, mesmo considerando a renda atualmédia do brasileiro.
Vejamos novamente a definição de salário-mínimo de acordo com a Constituição:
Art 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
….
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
Note que destaquei os itens “educação” e “saúde” como necessidades que devem ser bancadas pelo salário-mínimo. Há aqui uma contradição em termos: nos artigos 196 e 208 da mesma Constituição lê-se o seguinte:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
Portanto, se o Estado deve ser o garantidor último da educação e da saúde, não haveria por que os incluir como gastos a serem cobertos pelo salário-mínimo. Até parece que o legislador anteviu o fiasco do Estado como provedor de serviços sociais…
Poderíamos testar dois modelos alternativos, de modo a tentar aumentar a dignidade do brasileiro:
Aumentar a carga tributária para custear melhores serviços sociais ou
Diminuir a carga tributária, aumentando a renda disponível para a população, e deixar que a iniciativa privada forneça serviços sociais
A primeira alternativa conta com casos de sucesso e fracasso. Entre os casos de sucesso sempre mencionados estão os países escandinavos: com uma carga tributária próxima de 45% do PIB, esses países são modelos de bem-estar social. Difícil dizer que seus habitantes não levam uma “vida digna”.
Por outro lado, os países socialistas são, em geral, exemplo do fracasso da centralização estatal no fornecimento de serviços sociais. Os fãs de Cuba não concordarão, e dirão que sua população vive uma “vida digna”. Recomendo que assistam o documentário da Netflix, Cuba e o cameraman, do cinegrafista Jon Alpert, que se tornou amigo pessoal de Fidel Castro. Tudo está lá, de modo que cada um poderá tirar suas próprias conclusões.
O segundo modelo tem menos fãs no Brasil, porque, em geral, somos viciados em Estado. Um simples estudo de viabilidade de terceirização de algumas atividades de postos de saúde se transformou no escândalo da “privatização do SUS”, com direito a comentários furibundos de vários formadores de opinião. De qualquer modo, temos exemplos de países com menor carga tributária onde a população tem, em geral, vida mais “digna” que a do brasileiro. Estados Unidos é um exemplo, onde a carga tributária de 24% do PIB não impede a “vida digna” de seus cidadãos.
Note que há um ponto em comum entre os países escandinavos e os EUA, apesar da grande diferença de carga tributária: trata-se de países ricos. E ricos aqui, ao contrário da tal “vida digna”, é um conceito muito concreto: alta renda per/capita. Será, então, que o que determina a “vida digna” da população é a riqueza do país e não o quanto o Estado recolhe dos cidadãos para lhes dar uma “vida digna”? Vejamos.
Rodei duas regressões utilizando o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano como proxy da “vida digna” dos cidadãos. Este índice é formado por três componentes: 1) renda/capita (riqueza), 2) número de anos em que as crianças ficam na escola (educação) e 3) expectativa de vida ao nascer (saúde). Como a renda/capita é um dos componentes do IDH, é natural que encontremos uma correlação positiva e bem significativa entre IDH e renda/capita, como podemos ver no gráfico abaixo:
Este gráfico nos mostra que, para cada US$1.000 de aumento da renda/capita, o IDH aumenta em 0,048. Guarde esta informação.
Como há esses dois outros componentes do IDH (educação e saúde), haverá diferenças devidas a políticas públicas nessas áreas. A questão é saber se a carga tributária tem algo a ver com esses ganhos em educação e saúde. Em outras palavras: se conseguirmos achar uma correlação entre a carga tributária e o IDH ex-renda/capita (o IDH considerando apenas os dois outros componentes), podemos dizer que vale a pena aumentar a carga tributária para aumentar o IDH. É o exercício que faço no gráfico abaixo:
Neste gráfico, correlaciono a diferença entre o IDH real e o IDH hipotético se fosse apenas função da renda/capita de cada país, que calculo usando a equação da regressão do gráfico anterior. Apesar de a correlação ser baixa, o coeficiente tem significância estatística a menos de 1% (p-value = 0,00014%), o que significa que, de fato, aumentando a carga tributária, temos uma tendência de melhora do IDH além daquele dado simplesmente pela renda/capita. Esta melhora é de 0,0015 a mais no IDH dado pela renda/capita para cada ponto percentual adicional na carga tributária.
Mas, não vamos perder a perspectiva. O gráfico anterior havia mostrado que, para cada US$1.000 de aumento na renda/capita, há um aumento do IDH de 0,048. E, no segundo gráfico, observamos um aumento adicional de 0,0015 ao IDH para cada ponto percentual de aumento na carga tributária.
Podemos observar, entretanto, que o aumento da renda/capita é muito mais importante para o aumento do IDH do que o aumento da carga tributária. Cerca de 30 vezes (0,048/0,0015) mais importante. Pode-se melhorar um pouquinho a dignidade do cidadão aumentando a carga tributária e oferecendo serviços, mas aumenta-se muito mais se conseguirmos elevar a renda/capita. O IDH sobe de escada com a carga tributária e de elevador com a renda/capita.
E nem vou aqui entrar no mérito se o aumento da carga tributária atrapalha ou não o crescimento da renda/capita. Vou dar de barato que não atrapalha. Mesmo assim, muito mais esforço se deveria dispender no aumento da renda/capita do país do que no estabelecimento de um Estado de bem-estar social com base em uma alta carga tributária. Os ganhos para o IDH seriam muito maiores. Em outras palavras: a vida do brasileiro seria muito mais “digna” se nos dedicássemos mais a enriquecer do que em montar uma rede de proteção social sem dinheiro suficiente. Mesmo porque, este modelo não parece ter dado lá muito certo.
O salário mínimo serve somente para uma coisa: aumentar os gastos da Previdência Social com aposentadorias e pensões. Como o poder público não precisa, em tese, seguir a lógica econômica, vai se endividar ou rodar a maquininha de imprimir dinheiro para pagar o salário mínimo aos pensionistas.
Na economia real, no entanto, onde a mão de obra é um insumo como qualquer outro, salários acima do salário mínimo só serão pagos se a produtividade compensar. Senão, ou não se contrata, ou se contrata informalmente por um salário menor.
O salário mínimo é uma ficção, fetiche das esquerdas que prometem o paraíso para aqueles que infelizmente não têm como ganhar essa quantia, por menor que possa parecer. Sim, cresceu o número de trabalhadores que ganham, NO MÁXIMO, um salário mínimo. É a economia real dando o seu recado.
Iniciei o post dizendo que, em tese, o governo não segue a lógica econômica. Somente em tese. Na prática, as discussões sobre controle de gastos ou reforma da previdência estariam em um outro patamar se não houvesse vinculação dos benefícios ao salário mínimo. Alguns dirão que o que se faz é justiça social, ao garantir um mínimo para a sobrevivência dos pensionistas, o que melhoraria a distribuição de renda.
Assim é se assim lhe parece. Na outra ponta, por falta de recursos, faltam políticas públicas para aumentar a produtividade dos jovens, o que lhes proporcionaria um salário maior e menor dependência de políticas públicas na velhice. Mas esse é um raciocínio neoliberal, como sabemos. Bom mesmo é continuar enganando o povo com um “salário mínimo”.
Na iniciativa privada, o salário é determinado pela lei da oferta e da demanda. Se a demanda por um determinado tipo de trabalho aumenta, o salário aumenta, e vice-versa. Por isso, na iniciativa privada, o salário mínimo é uma ilusão de ótica. As empresas que precisam pagar salários mais altos para contratar, vão pagar, independentemente do valor do salário mínimo. As empresas que não podem pagar sem se inviabilizar, não vão pagar. Vão contratar de maneira informal ou nem vão abrir.
Por exemplo, pago para minha empregada mais do que um salário mínimo. Este é o preço deste tipo de mão de obra na cidade de São Paulo. Nem olho o salário mínimo para determinar o salário. Olho o mercado. Se não pagar este valor, simplesmente não consigo contratar.
Por outro lado, a informalidade é recorde no Nordeste e entre os mais jovens. Claro: na maior parte das vezes, não há viabilidade econômica para sustentar o pagamento de um salário mínimo nesses casos.
Isso é na iniciativa privada, onde a discussão sobre um “salário mínimo” é inócua, pois a viabilidade econômica é o que conta.
O salário mínimo vai pegar mesmo é no pagamento dos benefícios previdenciários: pensões e BPC. Como o dinheiro, neste caso, é do Tesouro, não se faz conta da viabilidade econômica. O governo que aumente os impostos e faça dívida para pagar o salário mínimo. E, quando não for mais possível aumentar impostos ou dívidas, que imprima dinheiro.
Aumento de impostos, pagamento de juros da dívida e inflação (gerada pela “impressão” de dinheiro) saem de um bolso só: dos mais pobres. O sistema político, respaldado por uma população com a ilusão de que o Estado tira o dinheiro dos mais ricos, resiste a parar essa roda insana: mais impostos, mais juros, mais inflação, em nome da “justiça social”.
Mas se tem economista com pós-doutorado que defende que os gastos do governo geram crescimento econômico, é pedir demais que o povo entenda esse tipo de raciocínio. Não há solução.
O Dieese descobriu o moto-perpétuo! O aumento nominal do salário mínimo não só faz o PIB crescer como faz aumentar o superávit das contas públicas!
Fosse assim tão fácil, por que não dobrar ou triplicar o salário mínimo? Como já disse alguém, se só dependesse da caneta, não haveria país pobre no mundo.
Afinal, por que esse “estudo” do Dieese não vale o papel onde foi publicado? Simples: ajustar o salário mínimo significa somente passar o dinheiro de um bolso para o outro. Mais especificamente dos lucros para os salários.
– Ah, mas é melhor o dinheiro na mão dos trabalhadores do que na mãos dos empresários. Isso aumenta o consumo, que move a economia.
Seria verdade se fosse verdade. Se a produtividade do trabalho não aumentar, esse aumento de custo afeta negativamente a decisão de produção do empresário. No final, o dinheiro na mão do trabalhador vira inflação e não consumo.
Fora as distorções causadas pela imposição de um salário mínimo incompatível com a produtividade geral da mão-de-obra, o que empurra grande parte da força de trabalho para a informalidade, principalmente os mais jovens. Não tenha dúvida: uma parcela relevante do desemprego da juventude é causada pela existência de um salário mínimo. Outra parcela é a própria legislação trabalhista.
Então, toda vez que você ler estudos desse tipo, simplesmente ignore. Não existe o moto-perpétuo, esta é a triste realidade da vida.